Lembro que foi no ano da copa de 74, a escola em que eu estudava iria formar uma fanfarra. O professor responsável reuniu todos os alunos interessados no pátio, quase metade da escola, e então, após dizer a sala em que se encontravam os instrumentos, deu o sinal para correria insana. Lembro que fiquei com o surdo mais desprezado, mas estava em melhor condição que os garotos que ficaram sem instrumento e os que ficaram machucados. Um menino foi queixar-se do critério adotado, dizendo que alguns alunos, avisados antecipadamente já se encontravam na porta da sala, ao que o professor respondeu – O mundo é dos espertos! No fundo, todos sabíamos que o garoto estava certo, mas ninguém tomou sua defesa.

      Passados seis mundiais, assistindo ao jogo Brasil x Turquia, lembrei-me do episódio. Alguns comentaristas elogiaram Rivaldo, Luizão e a malandragem brasileira, a encenação, o mundo dos espertos.

      A gente vive fazendo sugestões pra gente mesmo, nas quais queremos acreditar. Assim, quero crer que o bom futebol é feito de dribles desconcertantes, passes perfeitos, jogadas geniais e gols, e que encenação é com o teatro. E por falar em teatro, fui assistir ao espetáculo Hotel Lancaster, em cartaz no teatro NEXT. O texto não é lá grande coisa, a não ser por nos lembrar o envolvimento da polícia com o mundo das drogas. Um personagem aproveita-se da sua condição de policial para extorquir traficantes e viciados, praticando toda sorte de violência, e diz querer "discrição", coisa de cara esperto, porque a esperteza está em cometer um crime, delito ou qualquer ato que prejudique outrem sem ser apanhado, sem sofrer a punição, sem ter o troco. Talvez seja essa mesma idéia que mova os malandros que promovem os roubos ao INSS, desfalques em Sindicatos, os cartolas com suas manobras e outros espertos.

      Ocorre que nestes atos de "esperteza" sempre há um lado prejudicado, alguém que não acha tão engraçado. Então, resta saber se continuaremos a elogiar a malandragem, quando esta for praticada contra o Brasil.