Pautamos tanta coisa para fazer, que esquecemos do óbvio; daquilo que mereceria prioridade.

      Vejam vocês que ele saiu apressadíssimo da loja, no intuito de não perder a hora de encontrá-la. Era alta, morena, daquelas que deixam o cristão meio assim sem ter onde por as mãos, mas doido para pô-las sabem todos onde. Pois é. Só que, entre a loja e o Paraíso, existiam uma linha de metrô, catracas e contratempos. E o pior deles foi aquela senhora, no meio do dia e da rua, à mercê dos automóveis e da indesejada das gentes.

      Não havia um só cidadão que parasse. O máximo eram desvios que, fosse a velha mais gordinha… nem é bom falar. Ela segurava sua sacola. No rosto, uma agonia; uma angústia; um desamparo.

      Ele fez força para não se importar. Fez que ia apertar o passo, mas as pernas não obedeceram. Ficou ali, em plena ilha, o coração suspenso, olhos fixos no espetáculo.

      Não teve jeito. Como nenhum anjo se dispunha a salvar a anciã, lá foi ele, um metro e sessenta, meio calvo, pequena protuberância no que deveria ser um abdômen – lá foi ele salvar a dona.

      Meteu-se no meio do trânsito, ordenou, imperativo, freadas e largos desvios, ao som de muita buzina e palavrão, e resgatou a velhinha do meio do estige sombrio e barulhento. Conduziu-a até a segurança da calçada, perguntou se estava bem e fez menção de despedir-se. Mas em vão. A senhora, de berro aberto e lágrimas aos cântaros, abraçou-lhe a cintura e lhe encheu o peito de beijos.

      Ele, mãos ao alto, olhava perplexo tudo aquilo. Depois do instante de espanto, tentou desgrudar a velha. Mas a agora desgraçada não largava. Como tenazes, seus braços magrinhos lhe cingiam o tronco e amassavam o paletó.

      Olhou o relógio. Minha nossa! Que hora é essa, meu deus!? Larga, dona! Senhora, faz favor, eu tô com pressa. Não tem de que, que é isso? Dona, larga! Larga, miserável, de uma vez!

      A velha o soltou, finalmente. Em disparada, ele precipitou-se metrô adentro. Ainda tinha que comprar bilhete. Fila imensa. As máquinas! Isso, as santas máquinas que nos roubam o emprego, mas nos recompensam com tempo ganho. Às máquinas… Fora de serviço.

      De volta à fila, agora um pouco mais longa. Não, não tenho mais trocado. Fazer o que, só tenho assim pegado. Como? Não, não posso aguardar. Tá, tá bom. Aguarda. Uma estudante vem socorrê-lo. Agora já há troco.

      Desce em disparada as escadas rolantes. A composição quase se vai sem ele. Salta pra dentro do vagão no apito final. Chega na Paraíso. Sobe aos saltos os degraus da estação. Chega ao bloqueio e lá está ela – cara amarrada, vestido lilás colado, braços cruzados sob o busto redondo. Tentou se explicar. Ela lhe disse que, assim, começavam mal.

      – Cê não tinha uma desculpa mais esfarrapada para arrumar?

      – Não. – foi o que suas forças lhe permitiram responder.