A cal e o asfalto
Quantas madrugadas
Eu e meus camaradas varamos
escrevendo nos muros e nos leitos das calçadas.
Descobrimos que enquanto
uma cidade adormece, outra desperta.
De uma rua escura surgem estranhas figuras.
Usam no rosto um artefato.
Ao que parece o oxigênio lhes é letal.
Seriam cosmonautas?
Mas qual, são apenas meninos e meninas
Com sacos de matéria plástica nas narinas.
Os morcegos matam a fome
Com as frutas das castanholas.
E os mendigos disputam com lascas de madeira
A proteção das marquises.
Passavam por nós os carros de polícia
Mas a história já havia decepado
O ferrão dos soldados.
Jovens boêmios gritavam "vão trabalhar vagabundos".
Em resposta erguíamos
Nossos instrumentos de pintura, nossos fuzis.
Víamos estrelas caindo
E pedíamos que a revolução
Não tardasse tanto.
E num ato de indisciplina
Desviei minha tropa da rota
E em frente a uma casa rosa
Em vez de abaixo a ditadura,
Tomei emprestado do proletariado
Um pouco da cal e escrevi no asfalto:
Eu te amo.
Os veteranos haviam nos ensinado
Fórmulas de tintas inventadas na URSS
E na manhã seguinte
Para apagar os nossos provérbios
Anunciando o mundo novo
Só se derrubassem os muros!
Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).