Dobrou a esquina e não viu mais o sujeito. Vinha sendo seguida desde a praça e já se agoniava. Não conseguia ver a cara do cidadão. Era magro, usava camisa de mangas curtas para fora da calça social. O cabelo era curto. Mas o rosto, o rosto ela não conseguira ver.

      Apertou o passo. No ponto, aguardou apreensiva o ônibus que não vinha. Do outro lado da rua, uma menina brincava com a água da sarjeta: parecia tentar desobstruir, com um palito, a passagem da pequena enxurrada.

      O Cidade Leonor encostou. Embarcou inspecionando as calçadas. Ia sentando aliviada quando ele saltou para dentro. Paralisada, ela viu quando ele, recebendo o troco, varreu o ônibus à procura. Tinha o rosto anguloso, os olhos baços, o cabelo oleoso. Deu com ela em um dos bancos do meio. Sentou-se ao seu lado. Viajaram assim, mudos, colados, bem uma meia hora.

      Não suportando mais, ela o encarou. Ele, impassível, continuou olhando para frente. “O que você quer de mim?” foi a frase que ela não acreditou ter dito. Ele voltou-se espantado com um “como?” nos lábios finos.

      – Você me segue até aqui e vem me perguntar do que eu tô falando?

      – Eu, te seguindo?…

      – É, sim senhor, e não se faça de tonto!

      – Olha, moça, acho… 

      – Nem acho, nem meio acho! Escuta aqui: vai seguir a tua vovozinha, entendeu?, tua vovozinha! E dá licença.

      O moço continuou espantado. Só se ouviu dele um “eu, hein…”. Ela, vermelha não se sabe se de raiva ou de vergonha, foi para o fundo do ônibus. Não suportando tantos olhares e o zum-zum, saltou, já debaixo de uma forte chuva, no primeiro ponto que pôde perceber.

      Na calçada, começou a se lhe esboçar uma dúvida. Veio se enroscando pelo estômago e aflorou-se já na barraca de pastéis: seria o mesmo cara? Estaria sendo seguida? Era tudo, então, uma coincidência?

      Na rua, homens tentavam, com varas e pás, desentupir um bueiro para evitar que ali se formasse um rio. Luta vã: a água já ia nas canelas e subia. Ao mudar seus olhos de alvo, ela viu: as mesmas calças, a mesma camisa, a mesma face sem rosto. E a chuva, que não parava de cair.