“Há trinta anos percorro o Brasil, como tenho feito nas últimas semanas. Dos pampas gaúchos ao agreste nordestino. Da árida periferia paulistana aos caminhos úmidos do Pantanal e da Amazônia.

Sinto que os sofrimentos do dia-a-dia não quebraram as energias populares, como se pôde verificar nas comemorações por nossa vitória na Copa do Mundo. O otimismo do povo persiste, apesar de todo o ambiente de crise que se vê na televisão, no rádio e na imprensa escrita. Os brasileiros que vivem com os pés bem plantados no chão da pátria acreditam que o Brasil tem todas as condições para superar as suas dificuldades e dar uma arrancada em direção a um futuro de crescimento e justiça.
Mais do que isso. Quando se viaja pelo Brasil real percebe-se que a cidadania está disposta a ir à luta para conquistar o destino que merecemos. Trata-se de um povo que não abaixa a cabeça face aos desafios do presente.

O otimismo popular, além de ser uma das melhores características da cultura nacional, tem razão objetiva de ser.

A agricultura e a agroindústria brasileiras, espalhadas por 8,5 milhões de quilômetros quadrados, encontram-se entre as mais avançadas e competitivas do mundo.

A nossa riquíssima biodiversidade – se for tratada com o respeito que a natureza merece – é uma fonte inesgotável de recursos.

Ainda somos uma nação industrial, mesmo depois da abertura indiscriminada dos anos 90 que destruiu setores importantes da nossa economia.

Produzimos aviões, automóveis e bicicletas. Centrais telefônicas, máquinas agrícolas, aço e calçados. Vacinas, remédios, alumínio e tecidos. Eletrodomésticos, derivados de petróleo, cimento, vidro e papel. Ou seja, o parque industrial brasileiro cobre desde setores tradicionais até áreas de ponta.
Temos, além disso, uma rede comercial moderna e de grande porte.

Contamos com uma classe trabalhadora experiente e qualificada que, ao longo da história, tem dado provas de capacidade produtiva e de virtude republicana.
Enfim, possuímos as condições necessárias para o desenvolvimento de um robusto mercado interno de massas, com a inclusão de milhões de brasileiros hoje excluídos do consumo.

O que surpreende e provoca indignação, na verdade, é a atitude do governo, que virou as costas ao potencial do país e renunciou a qualquer estratégia nacional de desenvolvimento.
Sabemos não ser possível nem desejável fechar o Brasil ao mundo. Tanto no plano econômico quanto no político e cultural o Brasil está fortemente entrelaçado com outras nações e queremos que esses laços se aprofundem cada vez mais.

Mas esses vínculos não serão nada positivos se continuarmos, como nos últimos anos, a reboque de projetos alheios aos interesses nacionais. Isto é, se nos limitarmos a aplicar de modo servil receitas dogmáticas de terceiros, que, aliás, não são aplicadas em seus países de origem.
A inserção do Brasil no mundo só será benéfica se o país tiver um projeto claro. Se souber aonde quer chegar, identificando com realismo o que serve e o que não serve aos seus objetivos estratégicos.

Somos a favor do livre-comércio, desde que os países possam competir em igualdade de condições.
Nesse sentido, é preciso resgatar o Mercosul e, a partir dele, negociar a integração mais ampla das Américas. A liderança ativa do Brasil na América do Sul é vital para que o continente supere a crise e não se desagregue. Nossa ajuda aos países vizinhos deve ser concreta e imediata.
A proposta da Alca, tal como formulada hoje, representa menos uma verdadeira integração e mais uma forma de anexação.

Todos os países desenvolvidos tiveram, e têm, seu projeto nacional. E, a partir dele integram-se ao mundo, seja em âmbito regional ou em escala planetária.
Claro que devemos aproveitar, e com toda ousadia, os espaços abertos pela mundialização. Mas temos ao mesmo tempo o direito – e o dever – de proteger nosso país dos riscos globais.
O povo brasileiro não aceita mais a dependência atual e a atitude subalterna do governo. Por todo lugar que vou, sinto que o orgulho nacional renasce. E não há nisso nada de xenofobia nem de nacionalismo estreito, sectário. A população exige que recuperemos a soberania para decidir de modo autônomo a política econômica e os destinos do país.

O governo cedeu a absurdas exigências externas e deixou o país estagnado. Não fez o que era necessário e possível para proteger a população, sobretudo os segmentos de baixa renda, dos efeitos perversos da globalização.

A evolução do PIB nos anos Fernando Henrique foi medíocre. No século XX, somente os governos de Wenceslau Brás, na I Guerra Mundial; de Washington Luiz, na crise de 1929; e o de Collor, fizeram o país crescer menos do que no período de FHC, o qual apresenta uma taxa média de apenas 2,3% de expansão do PIB ao ano.

O Brasil precisa de pelo menos o dobro desse crescimento para gerar os empregos e a renda, necessários, tanto à classe média quanto às camadas populares.
O governo deixou de fazer as reformas, como a tributária, que o país precisava para sair da paralisia.
Não realizou negociações soberanas para ampliar o nosso mercado externo nem priorizou as exportações.

Não combateu a pobreza que atinge 53 milhões de brasileiros.
Não enfrentou o desemprego, que em 2000 já atingia 11,4 milhões de trabalhadores brasileiros.
Não foi capaz de diminuir a corrupção nem o crime organizado.
Agora, outra vez movido por interesses eleitorais, o governo acaba de agravar a situação. Cometeu um erro crasso ao dizer que o resultado das urnas poderia nos levar a uma situação parecida com a da vizinha Argentina. A economia, já vulnerável pela própria política do governo, entrou novamente em retração.

Há uma percepção popular de que os preços da cesta básica começam a subir, mesmo não estando vinculados ao dólar.
Os pátios das montadoras de automóveis estão superlotados. As vendas de eletrodomésticos estão caindo.

A CSN, símbolo da industrialização brasileira, acaba de ser incorporada por um grupo estrangeiro.
O crescimento do desemprego já atinge quase dois milhões de trabalhadores só na grande São Paulo.
Há um recrudescimento do crime organizado, muitas vezes favorecido pela omissão governamental, como se pode observar no Espírito Santo.
O PT nunca se omitiu, e não se omitirá agora, diante da crise. Governamos com reconhecido sucesso e responsabilidade 50 milhões de brasileiros. Nossa coligação estará sempre disposta a defender o Brasil e a evitar o pior.

Mas não podemos nos contentar apenas com evitar o pior. Não podemos ter uma postura defensiva, recuada, agachada, diante da crise. O Brasil não pode acovardar-se. Até porque a atitude recuada não resolve nada, ela na verdade só alimenta a crise.

O único modo consistente e duradouro de evitar a crise é vencê-la. E isso se faz combatendo as suas causas. Enquanto a economia brasileira estiver estagnada e os juros continuarem nas alturas; enquanto a especulação for mais atrativa do que a produção e os papéis valerem mais do que os empregos, seremos sempre vulneráveis.

A maneira de superar a crise é fazer o Brasil voltar a crescer. Sim, eu sei que os obstáculos existem e são poderosos, mas isso não significa que o Brasil deve render-se à crise.
Basta de passividade e de fatalismo. O país tem margem de manobra.
Temos de ser ao mesmo tempo responsáveis e criativos.

Não estamos condenados à vulnerabilidade, à insegurança e à miséria. Podemos nos defender com eficácia sem deixar de avançar. A seleção brasileira demonstrou nos gramados da Ásia que é possível ser defensivo e ofensivo ao mesmo tempo. Ou alguém acha que teríamos sido campeões do mundo se ficássemos apenas evitando os gols dos adversários?
As amplas forças sociais e políticas que apóiam a minha candidatura e a do senador José Alencar querem mudar o rumo do Brasil.

Sabemos que no mundo de hoje não é possível um desenvolvimento isolado, mas é preciso levantar a cabeça e confiar em nós mesmos.

Muitos nos perguntam como é possível crescer com as enormes restrições geradas pela vulnerabilidade da economia nacional e pela instabilidade internacional. Aqui é preciso deixar claro que a única verdadeira garantia para a superação da nossa fragilidade está exatamente na mudança do modelo econômico.

Precisamos superar a perigosa combinação de dependência do capital externo, juros altos, e baixo crescimento, que fazem aumentar continuamente a proporção da dívida pública com relação ao PIB. O Brasil só vencerá suas fragilidades se crescer, gerar empregos, exportar e disputar um espaço no mundo como nação soberana. É nessa dimensão que o governo fracassou.

A premissa para crescer é diminuir a dependência de capitais externos voltados para a especulação e baixar juros. O caminho é combinar três linhas de ação: um esforço exportador muito mais vigoroso do que o atual; o alargamento do mercado interno; e o investimento em infraestrutura e nos setores de ponta.

Entre outras medidas, vamos direcionar as fontes de financiamento públicas, como o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil para o apoio a iniciativas científicas e tecnológicas adequadas às necessidades brasileiras.

Quando falamos em preservar os atuais instrumentos de controle macroeconômico, queremos reafirmar que, na transição para o novo modelo não nos faltará responsabilidade. Não se pode resolver em oito dias o que não foi resolvido em oito anos. Mas as mudanças começarão desde o primeiro dia do novo governo.

Nosso compromisso número um será com a geração de empregos, sem descuidar do controle da inflação. Por isso, ao lançar nosso Programa de Governo resolvemos destacar o projeto temático “Mais e Melhores Empregos”.

O país precisa criar 10 milhões de empregos. Pode parecer um número exagerado, mas não é. Além da legião de desempregados que já existem, entram no mercado de trabalho a cada ano, 1,4 milhão de jovens.

Precisamos crescer a uma taxa média de 5% ao ano para gerar, por meio de políticas ativas de emprego e renda, os postos de trabalho necessários. O desafio é enorme, mas assumo o compromisso de perseguir essa meta com todas as minhas forças. Criar empregos será a minha obsessão.

A economia não deve ser um fim em si mesmo. Ela deve ser um instrumento a serviço da vida.
Vamos investir na construção de moradias, setor intensivo em mão de obra. A construção civil, responsável por 13,5 milhões de empregos, tem a vantagem de não exercer pressões significativas sobre a balança comercial, uma vez que consome insumos, matérias primas e produtos elaborados no Brasil. Vamos investir em obras de infraestrutura, que também absorvem mão-de-obra, e estimular o capital privado a fazer o mesmo.

No campo vamos realizar uma reforma agrária pacífica e negociada que seja capaz de assentar centenas de milhares de famílias; com isso garantindo-lhes trabalho e sobrevivência digna.
Vamos apoiar a agricultura familiar e a empresarial, com assistência técnica e financiamento para o transporte, a armazenagem e a comercialização.

Nas pequenas cidades, vamos estimular o empreendedorismo das populações locais, de modo a que abram os seus próprios negócios. Valorizar as raízes do homem do campo em sua própria terra e reverter o esvaziamento do interior será também uma de nossas metas.

Quero apoiar de modo vigoroso a pequena e a média empresa, pois elas empregam grande quantidade de trabalhadores. É também compromisso de nosso governo estimular e amparar as iniciativas de economia solidária, como as cooperativas de crédito, consumo e produção, pois elas representam uma alternativa importante para que o desempregado saia, por sua própria iniciativa, da situação angustiante em que se encontra.

Outro compromisso fundamental será o combate à fome e à pobreza, que atingem 53 milhões de brasileiros.

É possível, desde que haja vontade política, fazer crescer em 30% ou até 40% a produção de alimentos apenas pelo uso de capacidade ociosa já instalada na indústria alimentícia.
Por isso, lancei o projeto Fome Zero, a proposta mais consistente de combate à fome já elaborada no país.

Além de medidas estruturais, o Fome Zero prevê a distribuição de cupons para obtenção de comida subsidiada pelos mais necessitados. O aumento da produção que daí decorrerá, vai trazer de volta, na forma de impostos, uma boa parte do investimento social realizado, além de gerar empregos.
Muitos se perguntam de onde virá o dinheiro para a implantação de um programa como esse. Mas os cálculos que realizamos mostram que basta reduzir em alguns pontos percentuais a taxa de juros para obtermos os recursos necessários. Além disso, a transparência e o controle social evitarão o enorme desvio de verba que existe hoje.

Para combater a pobreza, assumo também o compromisso de promover uma elevação gradual e sustentada do salário mínimo, com o objetivo de dobrar em quatro anos o seu valor real.
Não menos importante é o nosso compromisso de combater o crime organizado e a corrupção. Já apresentei ao país e ao próprio presidente da República um Programa Nacional de Segurança.
A educação e a saúde continuam a ser desafios enormes para o Brasil. O meu governo compromete-se a investir fortemente nessas áreas. Sem desconsiderar o papel complementar da iniciativa privada, faço questão de reafirmar aqui o meu compromisso fundamental com a saúde pública e a escola pública, da pré-escola à universidade.

Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos sem distinção de gênero; etnia; raça; condição física; crença religiosa; ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.

Além dos compromissos que acabo de assumir, queremos, por meio de uma ampla negociação social, realizar cinco grandes reformas. A reforma agrária, de que já falei, a tributária, a previdenciária, a trabalhista e a política.

Sei que a viabilidade das propostas que constam do programa que tenho a honra de entregar hoje ao país depende não só de que os eleitores escolham meu nome e o de José Alencar em outubro próximo. É preciso um novo contrato social que envolva todos os setores do país. Por isso, ofereço este programa ao debate e à reflexão dos brasileiros e brasileiras. Ele foi elaborado ao longo de muitos meses, com a ajuda de centenas de técnicos e em diálogo intenso com a sociedade. Continuamos abertos a sugestões e dispostos a aperfeiçoá-lo.

Nosso povo já enfrentou grandes desafios e os superou. Nas décadas de 1930 e 40, aproveitamos a crise mundial para industrializar o país. Nos anos 50, construímos uma bela capital no meio do cerrado, símbolo da integração nacional. Nos 80, recuperamos a liberdade e a democracia depois dos terríveis anos de chumbo.

Se a maior riqueza de um país é o seu povo, tenho a certeza de que o Brasil saberá superar as atuais dificuldades e construir, em clima de paz, um destino de progresso e justiça social.”

Brasília, 23 de julho de 2002.
Luiz Inácio Lula da Silva é candidato à
Presidência nas eleições 2002 pela coligação
PT-PCdoB-PL-PMN-PCB.

EDIÇÃO 66, AGO/SET/OUT, 2002, PÁGINAS 14, 15, 16, 17