A sala de João Amazonas, na velha sede do PCdoB situada na rua Major Diogo, no centro de São Paulo, era decorada por vários objetos, presentes de correligionários do Brasil e do exterior. Entre eles, quatro retratos se destacavam: um pequeno, de Lênin, emoldurado, que ficava sobre sua mesa; outros dois, na parede à sua frente, dos dirigentes comunistas Lincoln Oest e Maurício Grabois, assassinados pela ditadura militar em 1972. Havia também um outro, do vietnamita Ho Chi Minh, na parede à esquerda de sua mesa de trabalho.

São imagens significativas: trata-se de construtores de partidos e organizadores da luta pelo socialismo. Lênin foi o teórico, o homem da análise concreta da situação concreta, o revolucionário e também pensador agudo, o mais autêntico continuador do legado de Marx e Engels. Ho Chi Minh, por outro lado, era o homem simples, avesso a tudo o que pudesse parecer culto à personalidade. Maurício Grabois e Lincoln Oest lembravam os companheiros envolvidos na reorganização e reconstrução do PCdoB, e que pagaram com a vida pela ousadia de enfrentara ditadura – companheiros aos quais era freqüente João Amazonas evocar com saudade e reconhecimento.

A imagem daqueles gigantes da luta pelo socialismo resume, de certa forma, a personalidade de João Amazonas, que dedicou sua vida à construção e consolidação do Partido Comunista do Brasil como a vanguarda organizada do proletariado brasileiro e, ao mesmo tempo, ao fortalecimento do marxismo em nosso país.

Uma tarefa à qual se dedicou por mais de seis décadas e que representou o esforço principal de sua militância. Ela teve origem em 1941 quando, fugindo da prisão, no Pará, dirigiu-se ao Rio de Janeiro para ligar-se ao esforço de reconstruir o Partido destroçado pela repressão estadonovista. No final daquele ano foi para Minas Gerais, onde ficou durante dois anos; depois, esteve no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, organizando os comunistas locais e ajudando a criar as condições para a convocação, pela Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP), da conferência de reorganização do Partido, em 1943 – conhecida como “Conferência da Mantiqueira”. Nela, João Amazonas foi eleito, pela primeira vez, para o Comitê Central e seus órgãos executivos. Isto é, passou a fazer parte (menos de 8 anos depois de sua filiação ao Partido, em 1935) do núcleo central da direção comunista, e do qual não se afastaria mais (a não ser no breve período em que o agrupamento revisionista tomou de assalto a direção do Partido e afastou dela os dirigentes proletários, marxistas-leninistas).

A atividade teórica de João Amazonas, por sua vez, se desdobrou em três aspectos principais: o domínio e desenvolvimento da teoria revolucionária, marxista-leninista, a ênfase na importância e necessidade do conhecimento das particularidades de nossa formação histórico-social e, por fim, o esforço para registrar a história do Partido Comunista do Brasil.

Desde a década de 1940 João Amazonas apontava a insuficiência teórica dos comunistas brasileiros e a necessidade de estudar o marxismo-leninismo incorporando-o ao dia-a-dia da atividade revolucionária. O conhecimento das particularidades de nossa formação histórico-social era parte essencial desse esforço teórico, para que os comunistas brasileiros fugissem à transplantação mecânica de teses e experiências de outros povos e outras realidades históricas. A elaboração do Programa Socialista para o Brasil, em 1995, simboliza o resultado dessa concepção traçada.

Finalmente, João Amazonas foi autor, junto com Maurício Grabois, do documento que, durante muitos anos, foi o principal, se não o único, texto com o registro da história do PCdoB – o 50 Anos de Luta, escrito em condições precárias, nas matas do Araguaia. E, desde o 9º Congresso, em 1997, chamou para si a tarefa de dirigir, apoiado por uma comissão especialmente formada para este fim, o esforço para a elaboração de uma história do PCdoB, registrando de forma objetiva a rica e contraditória trajetória de oito décadas do Partido; ele insistia na necessidade de transmitir o conhecimento e as experiências dessa longa trajetória para iluminar o caminho das novas gerações de comunistas.

Construção do Partido: precioso legado

Talvez João Amazonas tenha sido, entre os dirigentes comunistas da geração da Mantiqueira, aquele que, com mais tenacidade, se empenhou na tarefa de construção partidária.

Quando o crescimento fenomenal do Partido, após 1945 e o grande sucesso eleitoral de 1945 e 1947, pareciam coroar o esforço iniciado em 1941, um golpe do governo reacionário do marechal Dutra ameaçou pôr tudo por terra outra vez – o registro do Partido foi cassado em 1947 e o mandato dos parlamentares comunistas, em 1948. Além de tudo isso, foi emitida uma ordem de prisão contra os dirigentes partidários, empurrando novamente os comunistas para a clandestinidade. Essa situação adversa duraria quase uma década. Quando houve uma retomada limitada da legalidade, em meados dos anos 50, o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, de 1956, repercutiu gravemente na direção partidária brasileira, ameaçando a própria existência do Partido como organização revolucionária e avançada do proletariado brasileiro.

Naquele embate, João Amazonas esteve entre os primeiros a colocar-se em defesa do Partido, de seus princípios e da linha revolucionária, marxista-leninista, mesmo admitindo a necessidade de autocrítica dos métodos de direção daquele período.

A defesa do Partido e de seu fortalecimento estava acima de tudo. Em nome da disciplina e da unidade partidárias, Amazonas e dirigentes como Maurício Grabois e Pedro Pomar suportaram os golpes da direção revisionista, e injustificadamente perderam cargos e posições. Os relatos de militantes que atuaram junto com João Amazonas, no Rio Grande do Sul, entre 1958 e 1961, são unânimes – embora não concordassem com a linha errônea que prevalecia desde 1958, e tivessem uma atitude crítica contra ela, disciplinadamente ele aplicava e faziam aplicar as diretivas partidárias. Só foi para a crítica aberta, juntamente com os demais revolucionários marxistas-leninistas, durante os debates para o 5º Congresso do Partido, em 1960, ocasião em que João Amazonas defendeu as posições marxistas-leninistas contra o reformismo e o revisionismo que predominavam na alta direção do Partido.

O embate tornou-se inconciliável depois que, em setembro de 1961, a direção revisionista adotou novos programa, estatuto e nome para a agremiação partidária. João Amazonas esteve novamente à frente da resistência contra o liquidacionismo; participou da liderança do grupo de revolucionários que se opôs a tais mudanças e exigiu que a direção convocasse um congresso especial para decidir a respeito delas. Quando aquela direção recusou-se sequer a considerar o pedido feito através do documento “Em defesa do Partido” (conhecido como “Carta dos Cem” – in: Em defesa dos trabalhadores e do povo brasileiro, Anita Garibaldi, 2000), João Amazonas esteve também à frente do grupo de revolucionários que convocou a Conferência Extraordinária de 18 de fevereiro de 1962, que decidiu reorganizar o Partido Comunista do Brasil.

Em uma entrevista concedida à Comissão de História do PCdoB, João Amazonas comparou o Partido à fênix, a ave lendária que renasce de suas cinzas. Em 1962, outra vez se repetia aquele esforço, que parecia interminável, de reconstrução do Partido. Esforço que, apenas dois anos depois, ficou mais difícil quando, em 1964, os generais e a elite reacionária deram um golpe de estado abrindo a ditadura militar que duraria mais de duas décadas.

Obstáculo enorme para a reconstrução partidária nesse período foi a repressão da ditadura militar de 1964. Somente no período entre 1972 e 1976, oito membros do Comitê Central foram assassinados: Lincoln Cordeiro Oest, Luís Guilhardini, Carlos Danielli, Lincoln Bicalho Roque, Maurício Grabois, João Batista Franco, Ângelo Arroyo e Pedro Pomar. Inúmeros outros dirigentes nacionais foram presos e, depois do Massacre da Lapa (São Paulo, 1976), o núcleo principal da direção partidária, onde João Amazonas tinha posição de destaque, teve de se exilar. Só voltaram em 1979, com a lei de anistia, conquistada depois de uma jornada onde o Partido teve papel central. Ela criou também uma situação nova no país, onde os comunistas puderam, gradualmente, voltar a agir em situação de semilegalidade e, depois do fim da ditadura, em 1985, voltar a organizar-se legalmente e agir de forma aberta.

Desde 1985, a tarefa de reconstrução e reorganização do Partido assumiu um outro rumo. Tratava-se, agora, de implantar o Partido em todos os Estados e nos maiores municípios; fortalecer sua estrutura; enraizá-lo no movimento de massas; consolidar sua presença em sindicatos e espaços institucionais (nas Câmaras Municipais, Assembléias Legislativas, Congresso Nacional, além da incipiente presença em governos municipais e estaduais).

Neste trabalho transcorrido entre as seis décadas entre 1941 e 2002, João Amazonas teve papel destacado. E seu discurso onde solicitou aos delegados do 10º Congresso, de 2001, que o dispensassem da função de principal dirigente do Partido, pode ser entendido também como a declaração de que essa tarefa estava, afinal, cumprida. Nele, João Amazonas declarou sua alegria pela realização do 10º Congresso. “Camaradas, temos um partido combativo, que não é fechado; um partido – em certo sentido – alegre porque luta por ideais elevados, com a certeza de que eles podem ser conquistados”, disse. Um partido que, depois de 80 anos de luta, é hoje uma “organização respeitável e digna de ser ouvida e seguida pelos brasileiros”. Mas o principal ficou registrado nas palavras em que propôs sua substituição por Renato Rabelo como presidente do PCdoB: “essa substituição se faz normalmente e como é devido”. As palavras são poucas, mas com o claro sentido de que a normalidade da transmissão do cargo indicava a maturidade do Partido e a consolidação daquela obra de décadas.

Fecundo estudioso do acervo teórico de Marx, Engels e Lênin, para João Amazonas a teoria não podia estar desligada da prática. Daí a incompreensão de alguns marxistas acadêmicos que não compreendem a unidade entre teoria e prática como um aspecto essencial no pensamento marxista, e que é a marca do pensamento político de João Amazonas.

Essa unidade se traduzia, para ele, também na criação dos instrumentos de suporte para a difusão do conhecimento científico, educação das massas e dos militantes e intervenção no debate político e ideológico. Mais do que jornalista, João Amazonas foi um publicista no sentido histórico da palavra, e ajudou a relançar o jornal A Classe Operária, em 1962, como instrumento para a organização partidária e para forjar a unidade de pensamento entre os comunistas. Entre 1962 e 1985, a Classe viveu – como o Partido – um período difícil, mas, mesmo assim, foi publicada clandestinamente com regularidade e cumpriu esse papel de levar não só aos comunistas, mas também aos lutadores pela democracia e pelo progresso social as análises e as propostas do Partido. Depois, em 1979, foi a vez da Tribuna da Luta Operária emergir, no processo de reconstrução do Partido, como seu principal instrumento de articulação. A luta ideológica intensa do final da década de 1970 e início da de 1980 impunha também a necessidade de outros instrumentos, e João Amazonas fomentou a criação da revista Princípios, um instrumento para a luta de idéias. Foi seu diretor até o final de seus dias, e fazia questão de intervir diretamente em sua elaboração, desde a leitura e discussão dos artigos publicados, sua forma de apresentação na revista, até a elaboração da capa. Era um editor cuidadoso, que pesava as palavras para encontrar a forma mais precisa para definir o pensamento expresso através da revista. Era também um editor severo, que não transigia na defesa do pensamento marxista-leninista e da política do Partido.

Renato Rabelo, no artigo “Amazonas vive” (A Classe Operária, 20/6/02), fez um resumo da contribuição teórica de João Amazonas. Nela, um dos traços foi a luta contra o revisionismo, desde a década de 50 quando combateu as idéias de Kruschev. Renato destacou também seu papel durante a crise do socialismo nos anos 90 – João Amazonas “tomou a iniciativa de destacar a dimensão da crise do marxismo e do socialismo, prognosticando o avanço das políticas neoliberais do capitalismo. Antes disso, já diagnosticava, desde o início, o caráter contra-revolucionário da Perestroika”, no texto Perestroika: a Contra-Revolução Revisionista, de maio de 1988. “A sua resposta foi que a teoria revolucionária marxista não tinha sido superada, mas requereria desenvolvimento em função dos novos fenômenos em curso, criando a base para formulação de novas soluções para os diferentes desafios da contemporaneidade”. Naquele período de crise, diz Renato, “ele retirou lições da nossa experiência programática e compreendeu de um ponto de vista auto-crítico que a estratégia da revolução em nosso país já possuía um caráter socialista. E deu um passo teórico importante ao concluir pela existência de um período de transição relativamente prolongado do capitalismo dependente brasileiro para o socialismo pleno. Em seu brilhante texto “Capitalismo de Estado na Transição para o Socialismo: Notável Contribuição de Lênin à Teoria Revolucionária do Progresso Social”, escrita em maio de 1993, desvenda com grande lucidez as características fundamentais dessa fase inicial de construção do socialismo, nas condições de um país capitalista relativamente atrasado”.
João Amazonas elevou também a um nível superior o pensamento tático do PCdoB, diz Renato, “através de sua rica exposição em vários escritos e informes partidários, desenvolvendo o conceito de ‘tática de princípios, ampla e flexível’ e da justa compreensão da relação entre ampliação e radicalização no processo da luta política. Os seus escritos acerca dos temas relacionados com a tática e a estratégia políticas, tais como “Não há Nação Soberana sem Estado Nacional”, de janeiro de 1994, “Caminhos Novos à Luta Emancipadora”, de fevereiro de 1998, e “A Visão Limitada”, de outubro de 1984, contribuíram decisivamente para dotar o Partido de um método avançado de análise da correlação de forças em cada momento, para compreensão do nível da batalha em cada situação e para uma justa e adequada resposta no processo de acumulação de forças visando os nossos objetivos maiores”.

A compreensão teórica dos problemas da luta pelo socialismo e pelo progresso social esteve sempre ligada, no pensamento e na ação de João Amazonas, à expressão prática voltada para o fortalecimento do Partido como organização da vanguarda do proletariado, instrumento capaz de realizar a unidade entre teoria e prática preconizada pelo pensamento social avançado.

Reconhecimento amplo

As centenas de manifestações de pesar recebidas de todas as partes do país e do mundo, enaltecendo a vida e a obra de João Amazonas, simbolizam o vasto reconhecimento de seu legado. Embaixadores dos países socialistas e de outros Estados democráticos, representantes dos partidos comunistas e revolucionários de todos os continentes, líderes da oposição e do governo, parlamentares, prefeitos, governadores, dirigentes dos movimentos sociais, pessoas humildes e simples do povo brasileiro. Todos, com razões e motivações diferenciadas, renderam suas homenagens a esse grande brasileiro.

Tantas homenagens, certamente o deixariam constrangido. Homem simples, que pensava política o tempo todo e procurava desvendar o significado das palavras e das ações, João Amazonas certamente fez esse cálculo ao escolher o destino para seus restos mortais: a dispersão de suas cinzas na região do Araguaia, para juntar-se “aos que lá tombaram”. Quis, assim, que sua cerimônia fúnebre tivesse um sentido político, ligando-a à memória da guerrilha e dos guerrilheiros do Araguaia. Ao lado disso, deu seu último recado contra o culto à personalidade – não quis túmulo, monumento, ou local, onde seus restos mortais pudessem ser homenageados. Este foi, com certeza, o último gesto da sagacidade genial de João Amazonas.

José Carlos Ruy é jornalista e membro do Comitê Central do PCdoB. Adubo para nova vida

Pronunciamento de Renato Rabelo (presidente do PCdoB) no ato de espalhamento das cinzas de João Amazonas, Xambioá, 21/6/2002

“Neste momento nós estamos cumprindo o desejo manifesto do camarada Amazonas que pediu que as cinzas de seu corpo fossem espalhadas nesta região, cenário da gloriosa luta de resistência contra a tirania ditatorial, pela liberdade e os direitos do povo do interior.

Nesta região, atravessada pelo rio Araguaia, onde se desenvolveu o movimento guerrilheiro, escolhemos justamente Xambioá para atender o pleito do camarada Amazonas por ter este lugar assumido um papel emblemático na resistência armada do Araguaia. Xambioá tornou-se o entroncamento, a porta de entrada para o cenário onde transcorreu a luta de resistência. As Forças Armadas da ditadura ocuparam este lugar, por seu papel geográfico favorável, utilizando o concurso de grandes contingentes militares, provocando aqui terríveis constrangimentos à população local. Mas, por outro lado, o povo daqui simpatizou com a causa da resistência, dando apoio e, em muitos casos, ajuda ativa aos combatentes, expondo-se à sanha repressiva das forças ditatoriais. Muitos moradores de Xambioá e de São Geraldo, na outra margem do rio, foram mortos nas sessões de tortura ou vieram a falecer em conseqüência dos maus tratos.

Ao escolher esta região para difusão das cinzas do seu corpo, Amazonas proclamou que essa “é uma forma dele juntar-se aos que aqui tombaram”, reafirmando seu profundo compromisso com a luta pela liberdade, sua plena identidade com os combatentes dessa intrépida resistência e o seu elevado compromisso com os companheiros que deram um pujante exemplo de coragem e imensa abnegação às causas do povo. Essa última atitude do camarada Amazonas revela o profundo do seu sentimento, de homem de grande estatura política e humana, sendo a luta do povo o âmago da sua existência.

O camarada Amazonas tinha um grande amor e envolvimento pelo povo dessa região do Araguaia, destacando sempre o seu espírito progressista, expansivo, acolhedor e hospitaleiro, que ele sempre encontrou no convívio com a gente deste lugar. Tinha um sagrado respeito pelos homens e mulheres simples dessa região que, com seu desprendido apoio ao movimento de resistência, passaram a ser perseguidos, torturados, e em muitos casos chegando até à morte. Aproveitamos esta ocasião para reverenciar a memória heróica e render o nosso eterno respeito a esses homens e mulheres.

O camarada Amazonas transmitia uma grande admiração pela natureza desta região, encantava-lhe a rica e variada fauna e flora existente naquele período do inicio dos anos 70. Tinha um grande prazer em narrar os incontáveis casos acerca dos segredos da mata que, na convivência com os habitantes locais, aprendera e sobre a dedicação e capacidade que os guerrilheiros tiveram em aprender como levantar um simples barraco ou se orientar na mata. Repetia sempre com entusiasmo que o jabuti constituiu-se em rica e disponível fonte de alimentos para os guerrilheiros, por sua docilidade, facilitando a caça – e, em tom de brincadeira, dizia que por essa ajuda imprescindível ao sustento da luta, merecia ser erguida uma estátua em homenagem ao jabuti.

A Guerrilha do Araguaia tornou-se um acontecimento de grande significado histórico, por sua dimensão política e pelo envolvimento de forças dominantes destinadas a combatê-la, sendo a continuidade, na década de 70, da longa saga das lutas populares em nosso país que vem desde a ação libertaria dos negros dos quilombos, dos cabanos, inconfidentes, lutadores de Canudos, insurretos de vários períodos da nossa trajetória que se batiam pela democracia, contra a tirania e pela soberania do país contra o jugo estrangeiro.

Amazonas é um precursor e artífice desse grande acontecimento de luta libertária e emancipadora da época da ditadura militar instalada em 1964. Mas também deu importante contribuição nos períodos de redemocratização, tanto na Constituinte de 1946 quanto na de 1988. Daí a elevada dimensão do seu papel político, porque ele compreendeu de forma rara e participou de maneira marcante na busca do progresso social e civilizacional, tanto nos períodos de ditaduras quanto nos de aberturas, próprios da história política brasileira.

Renato Rabelo e jovens de Xambioá espalham as cinzas.

Neste ato singelo, mas pleno de grande significado histórico, queria aproveitar para declarar ao povo dessa região a nossa gratidão por sua simpatia à causa dos combatentes do Araguaia. Nós, comunistas, chegamos a dar nossas vidas por uma grande causa. A causa por uma sociedade de justiça social, plena democracia e valorização do trabalho, uma sociedade sem explorados e sem exploradores – a sociedade socialista. Por isso existiram Amazonas, Osvaldão, Lucia Petit, Helenira e todos os outros que aqui tombaram por esses grandes ideais. Eles são os nossos grandes heróis.

Hoje, deixamos aqui, nesta terra onde lutaram os “meninos da mata”, como eram conhecidos os guerrilheiros pelo povo daqui, os últimos restos físicos do nosso querido camarada Amazonas – as suas cinzas –, como ele tanto desejava. Estas cinzas serão adubo para nova vida. A vida de uma nova sociedade – a sociedade socialista que ele tanto sonhava. Amazonas vive!”

EDIÇÃO 66, AGO/SET/OUT, 2002, PÁGINAS 50, 51, 52, 53, 54