A ponte
Ponte por sobre as águas. Há quanto tempo não vejo pontes assim? Quando parti, tudo isso era muito pouco e lá, por entre aqueles morros, escorria o sol quando a manhã chegava. As noites eram quentes, agitadas pelas aragens. Árvores, muitas árvores habitavam meus olhos e minha vida.
Essa ponte tem uma história esquisita. Bonita e esquisita.
Isso aqui não era um rio. Era um córrego facilmente atravessável. Raso, não muito largo, cujas águas eram mais um marulho sobre seixos. Não sei bem por que cargas d´água isso encheu, tomou corpo, alargou-se em distância de margens e fundura. Sei que virou rio.
Aí é que entra a ponte. Fora um dia de madeira. Um dia longe onde minha memória mal alcança. Às vezes, até fico com a impressão de que a ponte existiu antes do rio. Mas foi construída dias após ela sumir.
Ela gostava muito de nadar no rio. Dava braçadas amplas e depois, com a pele arrepiada, ia deitar sob o sol quase dormindo. A luz rebrilhava nas gotas de seu corpo e nós, em circunvoluções hormonais e de olhos arregalados, refulgíamos.
Atravessar o rio, só de balsa. E ela um dia sonhava domar as águas. Como fazia com os potros de seu pai: na sela, o rosto afogueado, mechas de cabelos negros por sobre a fronte alva, o suor escorrendo pelo regaço e, no verde dos olhos, o triunfo.
Uma noite, campeando gia com os moleques, escutei um tchibum. Alguém buscava a outra margem. Passados minutos compridos, silêncio. Só o deslocamento do rio.
Dia seguinte, vestido e intimidades na margem de cá. Viraram, mexeram, procuraram e nada da moça. Afogou-se foi o veredito geral. A mãe pôs o vestido na sala, numa armação de madeira a modo de manequim. As peças íntimas, só deus sabe em que lembranças estão guardadas.
Passados dias, o balseiro encontrou violetas na margem de lá. Não tardou que a boca do povo tecesse histórias e desse às flores o nome da afogada. Tampouco tardou o decreto do prefeito, que determinou a construção da ponte.
Meses entraram e saíram depois da ponte pronta. Procissões foram organizadas para ver as violetas. Namorados armaram e desfizeram planos por sobre a correnteza. Eu cresci e fui atravessar viadutos.
Voltei porque recebi essa carta, com essa violeta dentro. Marca comigo um encontro pra hoje, em cima da ponte de madeira. De hoje que espero. Vai ver, é porque ela não existe mais. Virou esse ferro, que ribomba quando piso.