No auge da Guerra no Afeganistão, trabalhando a expressividade dos alunos, pedi a eles que escrevessem um fragmento de roteiro para cinema, cujo título era Crianças correm num campo de milho num dia de Sol. Discutimos as inúmeras possibilidades de se filmar este fragmento, os vários ângulos da câmera, as opções de produção, dimensão do campo, relação do campo com o horizonte e o céu, elementos de cores, número e gênero das crianças, direção do movimento, etc. Pedi para que indicassem todos os detalhes, e o resultado que tivemos foram inúmeros textos diferentes, sendo que uns vinte por cento deles fazia referência a guerra no Afeganistão, seja porque as crianças corriam dos bombardeios, seja porque corriam armados ou porque no horizonte havia um deserto, etc. Discutimos então a opção de cada um, e, segundo o julgamento da classe, os que tinham melhor expressão eram os que faziam alusão à guerra e trabalhavam com o inusitado, como ocorrência de ângulos inesperados, etc.

      Pensei nisso, porquanto na produção cinematográfica nacional recente, cujo filme recentíssimo, o Cidade de Deus, percebe-se certa abordagem preocupada em lançar o espectador o mais próximo possível do real agora (não obstante a cronologia), o que é parte de uma mesma tendência verificada numa produção literária recente apegada à realidade das periferias, dos detentos, enfim à sorte dos miseráveis, também encontrada na produção dos raperes. Esta produção artística do real agora que procura uma abordagem por ângulos inusitados, apresenta uma certa sincronicidade de artilharia demolidora, capaz de destruir qualquer ilusão com a "ordem" em vigor, apresentada em sua inequívoca caducidade.

      O conjunto dessa produção, que poderíamos qualificar como belíssimo trabalho de artilharia, chama atenção para a sorte no Brasil das milhões de pessoas abandonadas a um sofrimento desumano, mais ainda, cobra-nos um eficiente trabalho de Infantaria que dê conseqüência às demandas do real agora.

Ps. A artilharia arrasa, a infantaria ocupa.