Os séculos
têm aparência com o mar.
Vão percorrendo o vão da vida
descrevendo um mapa intrincado.
Reina a calmaria,
deslizam-se ondas macias.
De repente,
a violência,
a tragédia,
a tempestade.

Os séculos e suas estações.
Há o esplendor da primavera
e o rigor do inverno,
num ciclo sujeito a sobressaltos.
Às vezes é plena luz
e vem a borrasca.

Há quadras
nas quais
os belos sonhos dos homens
pulam de seus olhos,
ganham concretitude
e passam a ser habitantes
dos prados, das planícies, dos planaltos,
dos campos, dos sertões.

E são lindos anos estes!
É quando "os produtores são senhores",
é quando a paz triunfa sobre a guerra,
é quando o amor se alastra
tangendo a solidão e o ódio
dos corações dos homens.
São quadras de Festas!
As violas flamejam,
as bebidas alucinam
as pessoas dançam,
as colheitas, de tudo, são fartas
e as crianças inventam novas cantigas de roda.

– Ó felizardos destas eras
não posso esconder
a saudade e a inveja
que tenho de vós!

II

Aos poetas daqueles lustros
cabiam escrever odes e epopéias
descrevendo os primeiros movimentos
do homem e do Mundo Novo
que surgiam.

Nós outros vivemos em tempos tristes.
Somos cantores
quando os sonhos se desmancham.
Dói minha lira,
sofre minha cítara!

Vivemos numa estação
que não sabemos, ainda,
bem qual é.
A locomotiva do tempo
é a primeira vez
que por ela passa.
Dela, sabemos – até agora –
que é triste e perigosa.

Os edifícios construídos
foram reduzidos
a escombros,
os sonhos a ruínas.
É uma estação de desertores,
é quando os traidores
são coroados reis.
É quando na casa dos heróis se joga sal
para que no jardim
não verdeje
sequer um ramo.

É quando os pesadelos
sangram os olhos dos homens
e os pombos ciscam a fome
no cimento frio das praças
É quando a maioria narcotizada
faz que não vê
nas avenidas arborizadas
crianças sendo caçadas
e assassinadas a pauladas.

É quando a barbárie,
senhora da fome,
dama das guerras,
madrasta dos homens,
ressurge maquiada
e – novamente – no baile da vida
é apresentada como bela donzela,
sedutora princesa.
Tilintam taças de cristal
derrama a champanha
e o pretérito vocifera:
– "O sonho acabou,
vida eterna ao Czar!"

III

(variação de um poema de Brecht)

"É verdade, vivemos em tempos tenebrosos".
Se falamos que as pessoas podem viver
em paz, solitárias, felizes,
dizem que vivemos de delírios.
entretanto, se alguém propagandeia
que viver é explorar,
que o "mundo é dos espertos",
muitos aplaudem.

É verdade,
nossas belas cidades
hoje, são um monte de argamassa
e ferragens imprestáveis.
Mas, mal passou o terremoto.
Mal se chorou pelos mortos,
e já vejo,
e já ouço
o rumo da reconstrução.

Vejo homens
"com olhos sagazes de águias
interpretando as lições do passado".
E apenas começamos a vasculhar os entulhos
e já temos indícios
de como o cupim comeu
o cerne das vigas
já compreendemos melhor
porque o povo festejava
enquanto as velhas cidades ruíam.

Já vejo novos arquitetos, novos engenheiros,
armados de novas armas da ciência
impulsionados por novas forças no coração
rabiscando em folhas nuas
os primeiros traços
das novas cidades.
Haveremos de construir novas cidades,
belas e implacáveis cidades,
que esta é a sina
do tipo de homens que somos.
Mas de nada irão servir
os velhos andaimes,
as velhas verdades.

Os Sonhos e os Séculos – Adalberto Monteiro
Círculo Azul Livros – Goiânia – 1991.

 Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).