Rua movimentada. Todos "correm" para não se sabe onde, para fazer não sabe o quê. Um sujeito se aproxima de outro com um olhar de familiaridade.

      – Oi, cara! Quanto tempo, heim?

      E sem permitir que o outro fale, continua, empolgado.

      – E aí? Cê ainda tá naquele trampo? Cara, muito legal aquele tempo. Puxa vida, às vezes paro e fico pensando: como podíamos fazer tudo aquilo? A gente era muito louco. Ou jovens demais, não sei. Será que a galera de hoje também é assim? Estou falando demais, né? Então, e você? Conta aí: ainda tá com aquela menina?

      O outro, que fora parado abruptamente, mantinha um sorriso amarelo no canto da boca, e passou todo o tempo, enquanto o outro falava, pensando, "mas de onde diabos eu conheço este sujeito? O que será que eu aprontava na juventude para ser chamado assim de louco?".

      Para não dar nenhuma bola fora, e para tentar pescar alguma coisa que o fizesse lembrar de onde ou quando conhecia o interpelante, devolveu a bola:

      – Pois é rapaz, terminamos – sem informar quando, pois não fazia a menor idéia a qual garota o outro se referia. – E você, como está…

      E pensava: sua irmã? Não. Pode ser que ele não tenha irmã. Seu irmão dá no mesmo. E agora, o que eu pergunto? Namorada. Todo mundo tem namorada. Mas, e se ele for gay? Bom, seja lá o que for, aí vai.

      – …sua namorada?

      – Ah! Faz tempo que estou em outra. Depois daquela, foram outras e mais outras.

      Que coisa! Custava falar o nome da namorada? Se ele desse uma referência pelo menos… mas, nada; não fala nada. De onde conheço esse cara?

      A esta altura, já suava frio. As mãos úmidas não sabiam onde ficar. Primeiro, nos bolsos da frente, depois nos de trás. A bolsa, que trazia a tira-colo, rodava pelo seu corpo em movimentos ansiosos e, sua mente, já não conseguia seguir a conversa; prendia-se a palavras isoladas, sempre à procura de algo que fosse familiar.

      – Então veio aquela da praça. – continuava o outro – Depois a do cinema, a do banco…

      E se eu dissesse para ele que não me recordo – nem dele, nem de nada do que está me falando? Não! Seria muito inconveniente. A sorte é que ele fala demais. O azar é que é pouco explicativo. E agora, meu deus?

      Seus olhos transpassavam o sujeito que tagarelava diante dele e ia se perder num ponto imaginário qualquer. Já se via correndo feito louco, sem olhar para trás, indo para muito longe daquela matraca inconveniente. Suava aos cântaros. Foi então que o outro perguntou:

      – Então! E a faculdade? Terminou?

      Ele me conhece mesmo! – pensou.

      – Terminei. Mas vou fazer outro curso. E você, terminou…

      E agora?: segundo grau? Seu curso? Seus estudos? Isto, seus estudos! Pode ser qualquer coisa; não vai ter problemas.

      – …seus estudos?

      – Terminei cara, esqueceu?

      – Ah!

      – Terminei Biologia e estou fazendo outro curso. Agora faço Direito na Federal.

      Sua mente deu um estalo. Esta informação veio como uma luz no fim do túnel, e tudo passou a fazer sentido. O namoro que o outro começou no cinema; as tantas outras namoradas – tudo isto lhe veio à memória, e ele lembrou de um amigo muito namorador, que já se formou e que havia iniciado o curso de Direito.

      Com um sorriso completamente aberto, abraçou o amigo que não via há muito tempo e lhe disse:

      – Rapaz! Você não vai acreditar: mas eu não estava lembrando de você.

      Fiquei o tempo todo esperando você falar algo que me refrescasse a memória, mas aí não veio nada muito familiar, até você me dizer que está fazendo Direito. Agora sim! Você era um tremendo mulherengo, cara! Ficou até com a minha irmã – se bem que aí foi mais um ato de caridade do que outra coisa… Rapaz!

      Abraça o amigo muito forte e fraternalmente. Afinal, não o via há anos.

      – Quanto tempo! Que saudades de você, João!

      – João!? Meu nome é Vitor! Você não é o Otávio!?

      – Não! Eu sou Assis!