Indo a Brasília
Um dia destes, quando eu estava indo a Brasília, uma dúvida avassaladora me tomou de assalto. Um tracinho se atravessou em meus pensamentos. Se eu vou a Brasília, levo ou não este tracinho? Penso daqui, penso de lá e o tracinho, persistente, me incomodando. Ponho, não ponho… Bom, como estava com pressa, deixei o tracinho pra traz e fui a Brasília assim mesmo.
Deste dia em diante o tal tracinho não saiu mais dos meus pensamentos, quando ia a rua, lá estava ele me deixando com dúvidas, ia à casa de minha mãe, mais uma vez o elemento gráfico me atravessando o caminho, fui à feira e lá estava ele me perguntando fico ou saio. – Saia ou fique, faça o que quiser, já não agüento mais. Por quê… Porque temos sempre que responder alguma coisa?
Fica até chato para um homem da minha idade estar às voltas com tais pensamentos. Preocupado se um pauzinho entra ou sai, fica ou vai. Aí cansei!
Bom, deixemos as empolgações de lado. Esgotado de tantas dúvidas resolvi buscar ajuda aos meus parcos conhecimentos, recorri a velhas fórmulas, e, recorrendo a velhas fórmulas, também me deixei dominar pela grande dúvida a respeito do bendito risco.
Nas fórmulas eu procurava um consolo, um remédio para minhas preocupações, aí você me pergunta: então encontrou? E eu lhe digo com a alma mais lavada, enxugada e suada, por estar tão preocupado: Não! Deveria, pois todo catedrático diz que são nas fórmulas que você resolve seus problemas, mesmo os mais íntimos. Mas uma coisa ou outra: ou estes teóricos não têm dúvida de nada ou não conhecem a regra da crase. É, minha gente, é deste bichinho cabeludo que me refiro. A crase!
Procurando me livrar de um tracinho intruso, que insistia em me perguntar a todo o momento "e aí, fico ou vou?; você me deixa ou me leva?", atraí para mim um caminhão de outras preocupações tais como: se vou a Roma, não levo a crase. Se vou à Roma dos monumentos, então ponho a crase. Bom, nunca fui a Roma, com ou sem crase – se sem crase não vou, com crase muito menos. E, mais à frente (olha ela aí de novo), me dizia a regra, como se me desse ordem: se você vai a, crase há; se volta de, crase pra quê? Na realidade, vou mais fundo: crase pra quê!? Não basta o entendimento do texto? Mas deixemos as formas para os estudiosos, fiquemos com as exigências.
A regra continua mais petulante do que nunca e me diz: se você for morto à bala, morrerá com a crase junto, pois morto à bala leva crase (pensei que levava bala).
Ah! Já não agüento mais, até na hora de uma morte tão violenta o sujeito tem que parar e pensar se leva ou não a crase, e uma regrinha destas diz que tem que levar. Pobre de mim que tenho que levá-la, e azar dela que tem que morrer comigo. E não importa, sabiam? Se a morte for à faca, ela também vai, ah, se vai – pelo menos é o que me disse a tal regra. Já estou tão importunado com este tracinho que só não morro para levá-lo comigo, porque sei que tem milhares deles por aí.
Bom, andava a toa (e agora? será que ela vai?) por aí, com a cabeça doendo, à procura (olha ela aí, você está vendo) de um médico e de uma maneira de me livrar deste tracinho, quando comecei a imaginar formas, não de compreendê-lo, mas de enviá-lo com passagem só de ida para bem longe de mim.
E se eu começasse a falar tudo no masculino?
– Você vai ao Brasília?
– Eu vou ao casa da minha mãe.
– É, ele escreveu ao mão.
Mas como em todas as outras tentativas, resolvi esquecê-la e partir para outras idéias. Em meus devaneios tive uma idéia que acreditei ser fenomenal. É! E não foi uma idéia qualquer não, foi baseada na regra.
Bem, a regra diz (diz, não: manda): se você vai a, crase há, se volta de, crase pra quê. Calma, vou explicar. Eu tinha que ir novamente a Brasília, que, como diz a regrinha autoritária, quem vai a, crase leva, e eu levei. Quando estava para voltar, recorri à regra novamente que diz: se você volta de, crase deixa. Pois bem, eu estava voltando de Brasília e então deixei a crase bem penduradinha na entrada do Palácio do Planalto, pois, de preocupação, alguns habitantes daquela casa já nos encheram demais.