O Fórum Social Mundial
A primeira experiência dos comunistas brasileiros no trabalho com os jovens, a Juventude Comunista do Brasil, foi fundada em 1º de agosto de 1927
Alguns dizem que a inspiração para o surgimento do Fórum Social Mundial – FSM, vem das atividades e encontros das ONGs, paralelos às reuniões e conferências do sistema ONU, como a Rio 92 sobre meio ambiente e desenvolvimento. Outros dizem que tudo começou com o zapatismo, em 1994. Outros, com a greve geral na França, em 1995. E poderíamos também registrar que estudantes caras-pintadas, destacadamente, e os movimentos populares e partidos progressistas do Brasil e da Venezuela, ainda em 1992, protagonizaram os primeiros processos vitoriosos de impeachment da história, afastando os governos neoliberais de Fernando Collor de Mello e Carlos Andrés Perez. A inspiração está em todas essas lutas e em muitas outras. Mas há um consenso de serem um marco importante as manifestações de Seattle, em 1999, nas quais a diversidade que existe no FSM já se manifestava, unida, protestando nas ruas. Eram sindicatos, entidades estudantis, movimentos juvenis, camponeses, ambientalistas, autonomistas, movimentos feministas e de direitos humanos, grupos de “ação direta”, ONG’s, movimentos religiosos, intelectuais, etc. Eram vários “atores” e várias “culturas políticas”, ou seja, variados movimentos, e orientações político-ideológicas, unidos na luta contra a globalização neoliberal e contra a “mercantilização do mundo”.
A partir de Seattle, 1999, período subseqüente às crises financeiras e ao início da crise do modelo preconizado pelo Consenso de Washington, várias manifestações de massas acontecem, principalmente na Europa e na América do Norte, que ficam conhecidas como “movimento antiglobalização” – no caso a globalização imperialista, é claro.
A idéia do FSM nasceu em reuniões na Europa, em 2000, durante alguns eventos paralelos às reuniões da ONU, do FMI e do Banco Mundial. Algumas entidades e ONG’s brasileiras e francesas lançaram a idéia de um Fórum paralelo ao Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente em Davos, na Suíça. Escolheram uma cidade do Hemisfério Sul, Porto Alegre – RS, Brasil, para realizar, simultaneamente ao evento de Davos, o 1º Fórum Social Mundial.
Na França, a entidade pioneira foi a Ação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos, a ATTAC. Da parte brasileira, as entidades formaram o Comitê Organizador Brasileiro – COB, também chamado de Secretaria Internacional do FSM. A Secretaria Internacional continua sendo formada exclusivamente pelas mesmas entidades brasileiras. São elas: Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania (CIVES); Associação Brasileira de ONG’s (ABONG); ATTAC – Brasil; IBASE; Central Única dos Trabalhadores – CUT; Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CNBB – Igreja Católica); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST); e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Não é sem razão que o 1º FSM ocorreu no Brasil. Havia aqui um ambiente mais propício. No Brasil os movimentos populares e os partidos progressistas, principalmente a esquerda, têm considerável força política, organizativa e presença eleitoral e governamental. O Estado do Rio Grande do Sul, e sua capital, Porto Alegre eram governados por coalizões de esquerda lideradas pelo Partido dos Trabalhadores – PT. No Brasil não há uma crise de identificação entre os movimentos de resistência e a representação político-partidária de esquerda e progressista, ou, se quisermos, antineoliberal. A recente eleição de Lula para presidente da República confirma isso de maneira inconteste.
Em seguida, criou-se um Conselho Internacional, formado pelas entidades fundadoras e por movimentos, entidades, redes e campanhas de âmbito internacional. Fazem parte desse Conselho, dentre outros, a ATTAC, principalmente a seção francesa; a Focus on the Global South; o Conselho Latino-americano de Ciências Sociais – CLACSO; o Fórum Mundial de Alternativas/CETRI; a Organização Continental Latino-americana e Caribenha de Estudantes – OCLAE; a Via Campesina; a rede 50 Years is Enough; o Jubileu Sul, da Igreja Católica; o Fórum Social de Gênova; o Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo – CADTM; as centrais sindicais CIOLS e CMT. E vários outros totalizando aproximadamente 80 organizações-membro.
FSM é regido por sua Carta de Princípios, que foi aprovada pelo Conselho Internacional em 10 de junho de 2001. Segundo a Carta, o FSM é “um espaço aberto de encontro para aprofundar a reflexão, para um debate democrático de idéias, elaboração de propostas, livre intercâmbio de experiências e articulação de ações eficazes por parte das entidades e movimentos da sociedade civil que se oponham ao neoliberalismo, e ao domínio do mundo pelo capital ou por qualquer forma de imperialismo, e que se empenhem na construção de uma sociedade planetária orientada por uma relação fecunda entre os seres humanos e destes com a Terra.” (Carta de Princípios do FSM)
Conforme um outro trecho da Carta de Princípios, o FSM é “um processo de caráter mundial. Todos os eventos que se realizem como parte desse processo terão dimensão internacional”. O FSM “não pretende ser uma instância de representação da sociedade civil mundial (…) as reuniões não têm caráter deliberativo (…) não se constitui em uma instância de poder, a ser disputado pelos participantes em suas reuniões”. O FSM é um “espaço plural e diverso, não confessional, não governamental e não partidário, que articula de maneira descentralizada e em rede as entidades e os movimentos. (…) Não devem participar do Fórum Social Mundial representações partidárias nem organizações militares. Poderão ser convidados a participar, em caráter pessoal, governantes, e parlamentares, que assumam o compromisso desta Carta”. Partidos políticos, parlamentares e governantes não participam enquanto delegados, somente como convidados ou observadores.
Com relação à sua formação, o Conselho Internacional – CI, está aceitando propostas de novas adesões com a condição de ser uma entidade internacional e que esteja de acordo com a Carta de Princípios. Está sendo discutida uma regulamentação das atribuições do CI e dos critérios para a sua composição e para as novas adesões.
A proposta em discussão dá ao Conselho Internacional a clara função de principal instância de responsabilidade política do FSM, hoje ainda bastante concentrada na Secretaria Internacional. Pela proposta, o CI faria “uma avaliação estratégica permanente da luta contra a globalização neoliberal e do papel nela cumprido pelo FSM, sem, no entanto, pretender se transformar em comando do processo do Fórum e muito menos do movimento mundial de luta contra globalização neoliberal”. (In: “Estrutura política e Organizativa do FSM”) O Conselho Internacional passaria a se chamar Comitê Internacional.
O espectro político-ideológico dos participantes do FSM é vastíssimo e dentro do FSM existem articulações essenciais como a importante Aliança Social Continental, formada por movimentos sociais das Américas com a bandeira da luta contra a ALCA. Por iniciativa da Aliança Social Continental e de outros movimentos e redes de outros continentes, no 2º FSM, em Porto Alegre, foi realizada a fundamental Assembléia Mundial dos Movimentos Sociais que aprovou uma declaração política com o nome de “Resistência contra o neoliberalismo, o militarismo e a guerra: pela paz e pela justiça social” e uma agenda de atividades e mobilizações. Existe a proposta de criação de uma rede internacional de movimentos sociais, que também faria parte do FSM, pois este também é um “espaço de articulação, busca fortalecer e criar novas articulações nacionais e internacionais, entre entidades e movimentos da sociedade”.
O 1º FSM, em 2001, ficou conhecido como o Fórum anti-Davos e foi caracterizado pelo debate de diagnóstico da realidade mundial sob a “ditadura de mercado” do neoliberalismo. Nele, reuniram-se 18 mil participantes de 117 países e 2 mil jovens no Acampamento Intercontinental da Juventude – AIJ. Já o 2º FSM, em 2002, caracterizou-se pela discussão das alternativas à globalização neoliberal, congregando 51 mil participantes de 131 países e 15 mil jovens acampados. E, ainda, ficou marcado pela contestação à política belicista dos EUA e pela luta contra a Alca.
A partir do 2º Fórum, para ampliar a mundialização do FSM – ainda muito concentrado nas Américas e no Oeste da Europa –, estão sendo estimulados os Fóruns Regionais (Fórum Social Europeu e Fórum Social Asiático) e os Temáticos (Fórum sobre a crise do modelo neoliberal, na Argentina; e Fórum sobre a Amazônia). O objetivo da chamada mundialização é aumentar a participação de regiões, como África, Ásia e Leste da Europa.
O objetivo do 3º FSM, de 23 a 28 de janeiro de 2003, novamente em Porto Alegre – RS, é continuar o debate sobre diagnóstico e alternativas, mas dando ênfase para a relação destes com as estratégias para a resistência e as conquistas almejadas. Será fortemente marcado pela vitória das forças antineoliberais no Brasil e pela ameaça de guerra imperialista contra o Iraque.
O 3º FSM deve reunir 100 mil pessoas e terá cinco eixos temáticos. As suas atividades serão desenvolvidas em Conferências, Painéis, Mesas de Diálogo e Controvérsia, Seminários e Oficinas. Como nos dois primeiros, nele também haverá – alguns dias antes ou durante o 3º FSM –, o Acampamento Intercontinental da Juventude; o Fórum Parlamentar Mundial; e o Fórum de Autoridades Locais.
As organizações-membro do CI, em articulação com a Secretaria Internacional, podem sugerir temas, subtemas, nomes de pessoas, entidades e movimentos para a composição de todas as atividades do FSM – com exceção das oficinas, que são propostas e organizadas diretamente pelos delegados participantes do evento. O 4º FSM, em 2004, está previsto para ser realizado na Índia, e o 5º FSM, em 2005, deve voltar a Porto Alegre.
iferentemente do que possa aparentar, o FSM não é apenas constituído por “novos movimentos sociais”. Somente a composição da Secretaria Internacional desautorizaria essa afirmação. De fato, como já foi dito, há espaço para todos os que lutam contra o neoliberalismo, embora haja mais espaço para alguns. Na verdade, é falso o debate entre os “novos” e “antigos” movimentos, pois, o essencial para se avaliar um movimento não é a sua idade, mas sim a sua orientação política.
Os movimentos precisam discutir as estratégias de como derrotar a globalização neoliberal e o imperialismo. Certamente essas estratégias passam pela acumulação de forças visando, por um lado, à conquista do poder político e ao fortalecimento de estados nacionais, democráticos e soberanos; e, por outro lado, ao reforço do internacionalismo e da resistência dos povos. Em suma, a orientação política é o fator mais importante para caracterizar os movimentos populares. O FSM, sem dúvida alguma, é um espaço fundamental para fazermos esse debate.
EDIÇÃO 67, NOV/DEZ/JAN, 2002-2003, PÁGINAS 65, 66, 67