A derrota da linha política de União Nacional, somada às mudanças ocorridas no movimento comunista internacional, especialmente com a criação da Agência de Informação dos Partidos Comunistas (Cominform), no final de 1947, levou os comunistas brasileiros a realizarem um balanço crítico de sua atuação. Em 28 de janeiro de 1948, Prestes lançou um manifesto, que seria conhecido como Manifesto de Janeiro. Nele há uma dura autocrítica da atuação do Partido no seu breve período de legalidade.

Afirma o documento: “Diante das ameaças cada vez mais fortes da reação fomos silenciando cada vez mais a respeito dos nossos objetivos revolucionários e caindo insensivelmente nos limites de um quadro estritamente legal e de pequenas manobras (…). Essa tendência direitista se caracteriza ainda pela sistemática contenção das lutas das massas proletárias em nome da colaboração operário-patronal e da aliança com a burguesia-progressista”.

A posição do conjunto da burguesia brasileira de apoio à cassação do registro do Partido, e de seus parlamentares, e em defesa da aliança político-militar com o imperialismo norte-americano, levou os comunistas a fazerem uma releitura do papel da “burguesia nacional”, particularmente de sua fração industrial, no processo da revolução brasileira.

Os comunistas mantiveram sua concepção sobre as duas etapas da revolução no Brasil: a primeira democrático-burguesa e a segunda socialista, mas a composição da frente encarregada da realização das tarefas da primeira etapa da revolução foi alterada e as próprias tarefas iam além daquelas apregoadas por eles no período anterior a 1948.

Os comunistas começaram a romper com a visão que possuíam sobre a transição de uma etapa a outra da revolução; não mais deveria existir uma “muralha da China” entre as duas etapas, uma etapa se imbricaria com a outra num único processo.

O Manifesto de Agosto e as eleições de 1950

Em agosto de 1950 Prestes lançou um novo manifesto. O que caracteriza o novo documento foi o seu menosprezo à luta institucional. Propunha a formação imediata de uma “Frente Democrática de Libertação Nacional”. Segundo esse Manifesto, a etapa democrática e popular já abria o caminho para a revolução socialista.

Grabois afirmou ainda em 1950: “O cumprimento do programa da FDLN (…) acertará um golpe de morte na grande burguesia que em nosso país (…) passou-se completamente para o lado do imperialismo e não apresenta quaisquer interesses nacionais”. Defendeu que “para acabar com o domínio do imperialismo no país é indispensável também derrubar do poder (…) a grande burguesia e liquidá-la como classe”. (Grabois, M., “O Programa da Frente Democrática de Libertação Nacional”, in: Problemas, nº 29, ago/set de 1950). Por isso mesmo, na luta pela libertação nacional “não poderia haver qualquer conciliação com a grande burguesia”. Após o Manifesto de Agosto o sectarismo político foi ainda mais acentuado. Todas as organizações políticas existentes, exceto a dos comunistas, foram colocadas no campo do imperialismo.

A discussão sobre a sucessão presidencial começou a ganhar corpo no final de 1949. O Partido considerava as divergências surgidas em torno do processo sucessório como um simples meio de iludir os trabalhadores e afastá-los da alternativa revolucionária. Para os comunistas as eleições passaram a ficar definitivamente em um segundo plano dentro do seu plano de ação.

Por outro lado, Dutra até o último momento do seu governo buscou tomar medidas visando restringir ainda mais o espaço político para o Partido Comunista. Em agosto foi estabelecido um “atestado de ideologia” para os candidatos que buscavam concorrer às eleições. Aproveitando-se disso o TSE cassou as candidaturas de Diógenes Arruda e Pedro Pomar no Estado de São Paulo. Estas medidas discricionárias do governo, com apoio das classes proprietárias e da grande imprensa, reforçaram ainda mais o “antiparlamentarismo” nas fileiras comunistas.

Em setembro de 1950, Prestes lançou uma Carta Aberta na qual apresentava os “candidatos populares” para eleições proporcionais para deputado estadual e federal e conclamava o voto em branco para presidente e governadores. O tom do documento era também antieleitoral. Para ele não seria através de eleições que os trabalhadores poderiam resolver os seus problemas fundamentais, seria preciso uma solução revolucionária, que já estaria expressa no Manifesto de Agosto. (Prestes, L. C., “Carta Aberta de Prestes ao Povo Brasileiro”. In: Voz Operária de 23/9/50).

Não é de se admirar que com essas diretivas o conjunto do Partido não tenha sido ganho para a campanha dos candidatos populares. A intervenção dos comunistas no pleito ficou bastante abaixo de sua influência política real junto aos trabalhadores. No entanto, a derrota não foi completa. O sindicalista e dirigente comunista, Roberto Morena, se elegeu deputado federal pelo Distrito Federal. Apesar da diretiva comunista de voto em branco, Vargas ganhou a eleição com uma grande margem de votos sobre o segundo colocado – cerca de 48,7% do eleitorado.

Em relação à expressiva votação de Vargas os comunistas comentaram: “Mesmo aquela parcela das massas que votou em Getúlio, na verdade quis votar contra a fome e pela justiça social, contra a guerra e pela paz, contra o imperialismo e pela democracia (…) a votação dada a Getúlio deve-se principalmente ao fato de que ele se apresentou como candidato de oposição ao governo ditatorial de Dutra, ocultando o caráter reacionário de sua candidatura com a máscara de uma descarada demagogia social e antiimperialista e das mais cínicas promessas”. (Problemas, nº 32, jan/ fev de 1951).

Os comunistas estavam certos em procurar compreender, ainda que posteriormente, o conteúdo do voto popular dado a Getúlio. Mas, ao contrário das massas operárias, não conseguiram ver e compreender as diferenças existentes entre o projeto político representado pelo governo antioperário de Dutra e um futuro governo “trabalhista” de Vargas.

Os dois governos, para eles, eram “governos de traição nacional, instrumentos servis nas mãos do imperialismo norte-americano”.

O perigo de guerra iminente e a luta pela paz

O principal fator que impulsionou a política do Partido, especialmente o seu sectarismo político, foi uma certa visão sobre a situação internacional. Para os comunistas o mundo estava à beira de uma nova guerra mundial e era preciso fazer um grande esforço para isolar e derrotar o imperialismo norte-americano – e de fato a guerra da Coréia colocou o mundo à beira de um conflito mundial de grandes proporções. Para eles, o conjunto das classes dominantes estava ao lado do imperialismo norte-americano e a favor de uma guerra contra a URSS. Intimamente ligada à idéia da guerra iminente estava a tese da tendência de fascistização da política das classes dominantes. Para os comunistas não haveria como implementar qualquer plano de guerra, particularmente contra a URSS, sem ao mesmo tempo reduzir as liberdades democráticas.

No cenário interno, tanto Dutra quanto Vargas mantinham o país no campo dirigido pelos Estados Unidos. O que os comunistas não viam era que, embora o Brasil, sob o governo Vargas, se mantivesse dentro da órbita norte-americana, e mantivesse formalmente os compromissos internacionais para a “defesa do hemisfério ocidental”, havia contradições que não eram de todo insignificantes e que, em certo sentido, determinariam os “ziguezagues” da política getulista. Podemos mesmo afirmar que, grosso modo, é possível dividir o governo Vargas em duas fases: a primeira (1951-1953), na qual ele estava mais integrado aos interesses norte-americanos, e uma segunda (1953-1954), em que aumentaram as contradições entre o projeto de desenvolvimento varguista e os interesses do imperialismo norte-americano. Seria justamente essa contradição que levaria à sua derrubada em agosto de 1954.

Em abril de 1951 o presidente norte-americano solicitou pessoalmente a Vargas que enviasse uma Divisão de Infantaria para a Coréia. Em junho de 1951 foi a vez do secretário-geral da ONU solicitar tropas brasileiras. O governo brasileiro buscou então barganhar o seu ingresso no conflito coreano com uma ajuda mais expressiva por parte do governo e dos banqueiros norte-americanos. Afinal, a participação nessa guerra era tremendamente impopular, inclusive dentro do próprio governo e nas forças armadas.

A pressão norte-americana sobre o governo brasileiro para o fechamento de um acordo militar recrudesceu após a explosão da terceira bomba atômica soviética em outubro de 1951. Esta pressão culminou no estabelecimento do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos.

Vargas, passando por cima do próprio Conselho de Segurança Nacional, autorizou também a remessa anual de 5 mil toneladas de areias monazíticas para os Estados Unidos.

Em seguida, o governo firmou um acordo secreto pelo qual a aeronáutica norte-americana ficou autorizada a fazer fotos aéreas do território brasileiro, com objetivos de elaboração de plano estratégico para defesa do continente. Medidas que afrontavam descaradamente a soberania nacional e geraram protestos inclusive dentro do governo e nas Forças Armadas.

Os comunistas brasileiros, a exemplo dos comunistas de todo o mundo, iniciaram uma campanha pela paz, contra o envio de tropas à Coréia e a utilização de armas atômicas. Em março de 1950, o comitê permanente do Congresso Mundial dos Partidários da Paz, reunido em Estocolmo, lançou um apelo pela proibição da bomba atômica numa campanha de assinaturas em sua defesa. Os comunistas brasileiros se destacaram nesse movimento e, segundo Diógenes Arruda, a campanha em defesa do Apelo de Estocolmo conseguiu mais de 4,2 milhões de assinaturas.

Campanha “o petróleo é nosso”

No início de 1948, o governo Dutra enviou ao Congresso um projeto de Estatuto do Petróleo de conteúdo privatista. Abriu, assim, no Parlamento e na sociedade a disputa entre nacionalistas e entreguistas. Em setembro de 1948 os nacionalistas organizaram a Convenção de Defesa do Petróleo. A sessão inaugural foi presidida por três generais e acabou sendo dissolvida a bombas de gás e tiros pela polícia especial. O debate em torno da questão do monopólio estatal do petróleo começava a adquirir um caráter explosivo. Até o final do seu governo, Dutra não havia conseguido aprovar seu projeto.

A campanha em defesa do petróleo foi retomada em 1951, com a iniciativa de Vargas de regulamentar definitivamente a questão do petróleo brasileiro. O projeto criando a Petrobrás, como empresa de economia mista, foi enviado ao Congresso Nacional no final de 1951, transformado imediatamente em alvo dos setores nacionalistas – o movimento em defesa do monopólio estatal já havia adquirido um caráter de massas. A pressão popular fez o governo recuar e estabelecer o monopólio sem a participação do capital estrangeiro, mas manteve o caráter misto, admitindo a presença do capital privado nacional. O recuo do governo isolou os nacionalistas radicais, no qual se incluíam os comunistas. O projeto foi aprovado na Câmara em setembro de 1952.

No senado, onde as forças entreguistas eram maioria, o projeto foi alterado favoravelmente aos trustes norte-americanos. Mas as emendas privatistas foram derrubadas na Câmara dos Deputados e o projeto estabelecendo o monopólio estatal foi aprovado em julho de 1953.

A greve de 1953 e o golpe contra Vargas

Em 26 de março de 1953, os comunistas estiveram à frente de uma das maiores greves operárias da história brasileira que durou cerca de um mês, envolveu mais de 300 mil trabalhadores e teve um forte impacto na vida política nacional. A greve se iniciou com os trabalhadores têxteis e metalúrgicos e depois envolveu os trabalhadores na indústria de cerveja, de tintas, de vidros, de gás, construção civil, sapatos, doces, conservas, telefônicos, gráficos, entre outros.

Visando recobrar o terreno perdido para os comunistas no movimento operário, como resultado desse surto grevista, o presidente Getúlio Vargas indicou João Goulart para o Ministério do Trabalho. Sua primeira medida foi anunciar um reajuste de 100% no salário mínimo, uma reivindicação dos comunistas, o que lhe custaria uma contundente oposição por parte dos patrões e dos setores conservadores das forças armadas. Mesmo a destituição de Goulart não aplacou a oposição de direita. Vargas decidiu então manter a radicalização do regime, visando aproximá-lo das classes populares. No primeiro de maio de 1954 num ato inesperado Vargas fez um discurso anunciando o reajuste de 100% do salário mínimo. Vargas sinalizou assim para uma mudança de rumo na sua política econômica e social e apontou novamente para uma aliança preferencial com as classes populares. O Partido não compreendeu esta inflexão, mas a burguesia brasileira sim e iniciou uma oposição sistemática ao governo que só acabou com a derrubada e suicídio de Vargas.

A tentativa de assassinato do jornalista oposicionista Carlos Lacerda, e a morte de um major da aeronáutica, ambas ocorridas em 5 de agosto de 1954, foram pretexto para que um golpe de Estado fosse dado contra Getúlio. Em 24 de agosto, diante do golpe militar consumado, o presidente Vargas se suicidou. As condições desse suicídio e especialmente o teor antiimperialista da sua carta-testamento levaram a uma verdadeira rebelião popular. As redações dos jornais e sedes dos partidos oposicionistas foram atacadas pela multidão enfurecida. A massa tentou também atacar a Embaixada norte-americana, encarada como principal patrocinadora do golpe.

Os comunistas que, até então, se aferravam na sua postura de oposição sistemática ao governo, tentaram se colocar à frente das massas e dirigir sua fúria contra os símbolos do imperialismo norte-americano e políticos e organizações pró-norte-americanos. Dando uma guinada na sua tática, os comunistas se aproximaram dos trabalhadores e políticos getulistas. Afirmaram: “O momento exige que trabalhistas e comunistas se dêem fraternalmente as mãos e que junto lutemos em defesa das leis sociais conquistadas” e apelaram para que os “operários e operárias, camaradas trabalhistas” reforçassem “as fileiras do Partido Comunista”. Os documentos do Partido não faziam nenhuma autocrítica da posição assumida diante do governo Vargas. No entanto, sob o impacto da morte de Vargas e da redução das tensões internacionais, a tática comunista se tornou mais flexível e menos sectária. Passou a propor uma política de alianças em que fossem envolvidos outros partidos como o PTB e o PSB, além de setores de outros partidos fora do campo democrático e popular.
IV Congresso

Em novembro de 1954 ocorreu, em São Paulo, o IV Congresso do Partido Comunista do Brasil. O conclave foi inteiramente realizado na clandestinidade e dele participaram mais de 60 delegados.
No Informe e no Programa do Partido que seriam aprovados manteve-se a idéia da necessidade da derrubada revolucionária do regime e a reafirmação da existência de duas etapas na Revolução brasileira, uma antifeudal e antiimperialista e outra socialista, mas a transição não seria mais encarada como duas etapas de um mesmo e único processo e sim duas etapas mais ou menos estanques. Como conseqüência dessa alteração da estratégia mudou-se também a posição em relação à burguesia nacional.

Prestes defendeu a formação de uma “frente democrática de libertação nacional”, cuja base seria constituída “pela força indestrutível da aliança operária e camponesa”. Desta frente além dos setores populares participariam também uma “parte dos grandes industriais e comerciantes”, que também sentiam “a concorrência dos imperialistas norte-americanos” e sofriam “os efeitos da política econômica e financeira do governo de latifundiários e grandes capitalistas”. Afirmou Prestes: “No que concerne às relações com a burguesia nacional, o Programa do Partido não só não ameaça seus interesses como defende suas reivindicações de caráter progressista, em particular o desenvolvimento da indústria nacional (…), as necessidades já maduras do desenvolvimento da sociedade brasileira, que exigem solução imediata, são exclusivamente as de caráter antiimperialista e antifeudal. A burguesia nacional não é, portanto, inimiga; por determinado período pode apoiar o movimento revolucionário contra o imperialismo e contra o latifúndio e os restos feudais”.

Apesar da crítica ao esquerdismo presente na tática do período imediatamente anterior, o programa proposto continuava subestimando o papel das eleições: “Embora as eleições devam ser aproveitadas pelo povo em sua luta, elas não passam, nestas condições, de uma farsa para tentar esconder o caráter despótico do atual regime”. Para os comunistas a Constituição de 1946 era “no essencial um código de opressão contra o povo”. Estas posições foram rapidamente alteradas.

O programa refletia ainda a conjuntura internacional de agudização do conflito entre Estados Unidos e URSS. Resumiu-se, praticamente, ao ataque aos interesses do imperialismo norte-americano no país. Afirmou Prestes: “Se bem que o Brasil seja um país semicolonial, submetido à exploração de diversos grupos imperialistas, o Programa do Partido dirige seu gume contra o imperialismo norte-americano, exigindo o confisco de todos os capitais e empresas pertencentes aos monopólios norte-americanos que operam no Brasil, a anulação da dívida externa do Brasil para com o governo dos Estados Unidos e dos bancos norte-americanos, a expulsão do Brasil de todas as missões militares, culturais, econômicas e técnicas norte-americanas”. O avanço do reformismo

No final de 1955, o Partido apoiou a chapa Juscelino Kubitschek e Goulart para a presidência e vice-presidência da República. Para consolidar essa aliança os comunistas apresentaram um programa-mínimo de quatro pontos: liberdade democrática e legalidade para o Partido; uma política externa de paz; melhores condições de vida para os trabalhadores e medidas de reforma agrária; e defesa de uma política nacional de petróleo e minérios.

No entanto, Juscelino se elegeu por uma pequena margem de votos. A oposição direitista afirmou que a vitória eleitoral só pôde ocorrer graças ao apoio dado pelo proscrito Partido Comunista e, portanto, não deveria ser reconhecida. A reação conservadora depois de colocar na ilegalidade o PC do Brasil queria cassar até mesmo o direito de voto dos seus militantes e simpatizantes. Mas esta era uma tarefa impossível de ser realizada nos marcos de um regime democrático.

A direita passou a advogar então a tese de necessidade de “maioria absoluta” de votos para reconhecimento da vitória eleitoral dos candidatos à Presidência. Por trás das manobras golpistas estavam: a UDN, o presidente da Câmara de Deputados, Carlos Luz e o próprio presidente da República, Café Filho. Armou-se, até mesmo, um esquema militar para impedir a posse do eleito. No entanto, no dia 11 de novembro o ministro do Exército, General Teixeira Lott, deu um golpe militar preventivo para garantir a posse do eleito. O presidente do Senado Nereu Ramos foi indicado provisoriamente presidente da República e Juscelino pôde finalmente assumir em janeiro de 1956.

O presidente não conseguiu cumprir sua promessa de legalizar o Partido, mas lhe garantiu a possibilidade de agir mais abertamente, sem repressão, adquirindo uma situação de semilegalidade. Em março de 1958 Prestes e a direção nacional voltaram à vida legal com a revogação do mandado de prisão preventiva existente desde a cassação em 1948. O ambiente nacional e internacional, com o arrefecimento da guerra fria, criou um clima propício para proliferação de ilusões reformistas.
Em fevereiro de 1956 realizou-se o 20º Congresso do PCUS, no qual Kruschev apresentou um “relatório secreto” e abriu uma nova fase na política do PCUS na qual predominou o reformismo. As notícias desse Congresso chegaram ao país através da imprensa burguesa e inicialmente foram negadas pela direção comunista – tais notícias foram apresentadas como falsificações criadas pela agência de inteligência norte-americana.

Depois de vários meses a delegação brasileira voltou ao Brasil trazendo as informações oficiais e somente no final de agosto se reuniu o Comitê Central para discutir as resoluções do 20º Congresso. Na reunião ocorreram duras críticas ao secretariado e principalmente ao secretário de organização, Diógenes Arruda. Nem mesmo Prestes escapou às críticas.

Em outubro, à revelia da direção do Partido, foi aberto um debate através da imprensa partidária, num claro desrespeito ao centralismo-democrático. Surgiu com força uma corrente que passou a defender teses liquidacionistas, seu principal expoente era Agildo Barata. Este acabou sendo expulso do Partido e formou com outros dissidentes um grupo nacionalista não proletário.

Iniciou-se então uma luta acirrada entre duas concepções no interior do Partido. Em agosto de 1957, por suas posições contrárias às teses reformistas que vinham ganhando corpo no interior da direção do Partido, João Amazonas, Maurício Grabois, Diógenes Arruda e Sérgio Holmos foram destituídos da comissão executiva e do secretariado do Comitê Central. Os seus lugares foram ocupados por Giocondo Dias, Mário Alves, Carlos Marighella e Calil Chade. Coincidentemente dois meses antes, em junho, haviam sido destituídos do presidium do Comitê Central do PCUS Molotov, Kaganovich e Suslov, antigos e respeitados dirigentes bolcheviques.

Estes afastamentos foram necessários para que Prestes conseguisse uma tranqüila maioria, o que lhe permitiu aprovar as teses reformistas e mudar o rumo político do Partido. No início de 1958, numa reunião do Comitê Central, João Amazonas e Maurício Grabois foram os únicos a votar contra o documento que ficaria conhecido como Declaração de Março, elaborado por uma comissão “ultra-secreta”, criada pelo próprio secretário-geral. Este documento consolidou a guinada à direita do PCB. E desarmava o povo ao afirmar que o processo de democratização seria “uma tendência permanente” e por isso mesmo poderia “superar quaisquer retrocessos e seguir incoercivelmente para diante”. A Declaração considerava a burguesia como “uma força revolucionária” e que existiria a “possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a revolução antiimperialista e antifeudal” no Brasil, graças à conjuntura internacional “favorável à classe operária e ao movimento de libertação dos povos”. (“Declaração Sobre a Política do PCB”.

Começavam, assim, a ser definidas mais nitidamente, duas tendências no interior do Partido: uma reformista e outra revolucionária. Essas duas tendências opostas iriam se enfrentar duramente nos debates preparatórios ao 5º Congresso do Partido.

Augusto César Buonicore é historiador e membro do Comitê Central do PCdoB.

EDIÇÃO 67, NOV/DEZ/JAN, 2002-2003, PÁGINAS 54, 55, 56, 57, 58