O evento foi feito em conjunto com a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e reuniu instituições e personalidades das Forças Armadas e Defesa Nacional, além de universidades e intelectuais. Dentre eles, estiveram presentes: Geraldo Magela da Cruz Quintão (Ministro de Estado da Defesa), Oliveiros S. Ferreira (jornalista, ex-Diretor de Redação de O Estado de S. Paulo e professor de Relações Internacionais do Núcleo de Política da Faculdade de Ciências Sociais da PUC/SP), Darc Costa (professor da Escola Superior de Guerra), Luís Manoel Rabelo Fernandes (Diretor Científico da FAPERJ), Othon Luiz Pinheiro da Silva (Diretor da empresa ARATEC), Marco Cepik (professor de Ciência Política da UFMG e do IUPERJ), Alan Paes Leme Athou (diretor do Centro Tecnológico da Marinha), Sérgio Chagasteles (Comandante da Marinha), Gleuber Vieira (Comandante do Exército), Carlos de Almeida Baptista (Comandante da Aeronáutica), Sérgio Xavier Ferolla (Ministro do Superior Tribunal Militar) César Benjamin (escritor e editor), Carlos Lessa (Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro), João Paulo de Almeida Magalhães (professor da UFRJ e da UERJ), Evandro Guimarães (Vice-Presidente de Relações Institucionais das Organizações Globo), Paulo César de Castro (Diretor de Formação e Aperfeiçoamento do Exército), Armando Amorim Ferreira Vidigal (Vice-Almirante e especialista em estratégia militar), Luiz Gonzaga Schroeder Lessa (Presidente do Clube Militar), Paulo Vizentini (professor do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da UFRGS), Roberto Dias (Diretor de Relações Institucionais da construtora Norberto Odebrecht). Para o professor Luiz Toledo Machado – de quem Princípios publica a exposição – “o seminário a que assistimos neste momento inscreve-se no rol dos fatos intelectualmente decisivos para o país e que poderá nortear os novos rumos da política brasileira de Estado.”

Desde o final do século passado a economia-mundo defronta-se, possivelmente, com a maior expansão geopolítica da história, a despeito do formidável impasse em que se encontra. Será necessário uma análise crítica profunda dos fundamentos tanto das relações internacionais (o Direito Público Internacional) como da teoria da “nova economia”, as quais produziram inúmeras guerras, intervenções militares, crises econômicas e financeiras continuadas.

As relações internacionais consubstanciam-se num ordenamento baseado na coerção econômica, política, ideológica e militar da parte dos Estados mais poderosos, desde que seus interesses se sintam ameaçados ou prejudicados.

A deliberada distorção da idéia de Hans Kelsen sobre um “Estado mundial e universal” inaugurou, no último pós-guerra, uma nova ordem jurídica internacional para assegurar no Ocidente a hegemonia dos EUA. Durval de Noronha Goyos Jr., especialista em direito internacional, observa a propósito que “os EUA tiveram uma participação decisiva na formação de todos os organismos/ tratados internacionais criados naquela ocasião, sendo aqueles de perfil econômico, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (atualmente Organização Mundial de Comércio) e detêm o controle absoluto do sistema. Na ONU, o mecanismo do Conselho de Segurança, ligado à Assembléia Geral, outorgou poder de veto às principais potências vencedoras, solapando assim os princípios democráticos da ordem mundial (…)

Impunha, assim, nas palavras de Hardt e Negri um aperfeiçoamento do imperialismo com uma nova noção de direito, um novo registro de autoridade e um projeto original de produção de normas e instrumentos legais de coerção”.

O sistema de economia de troca baseado no fetiche do mercado desregulado e na especulação financeira define-se pela geopolítica de expansão geográfica das economias hegemônicas, num contexto de relações internacionais altamente conflitantes com relação aos países do Terceiro Mundo. O capitalismo financeiro, como polaridade hegemônica, quebrou o equilíbrio dinâmico das forças mundiais levando a grande crise ao seu epicentro.O mercado adquiriu marcante característica patológica sobrepondo-se ao Direito Público Internacional fundado na idéia contemporânea de nação.
O perigo para a soberania dos Estados e mesmo para a paz mundial está na polarização que permite ao centro hegemônico violar o Direito Internacional mediante intervenção direta, e qualquer nação desde que suas ambições ou supostos interesses se sintam ameaçados ou prejudicados.

Na medida em que se agravam as perspectivas de colapso no núcleo do sistema globalizado, maiores serão as pressões sobre os países do seu entorno, o que ocasiona o rompimento do fio já tênue das fronteiras territoriais, econômicas e políticas. A proposta impositiva para o ingresso na Alca se inscreve nesse contexto. Caso o governo aceite a rendição, teremos a pura e simples anexação do mercado brasileiro aos EUA e o direito de intervenção econômica direta assegurado, inviabilizando definitivamente o nosso parque industrial já bastante reduzido. Em 1991, o capital estrangeiro respondia por 36% do faturamento dos 350 maiores grupos do País. Em dezembro de 1999 a participação atingia cerca de 55 % e, atualmente, chega a 70 % conforme os setores.

Todo o sistema, metaforicamente tratado como “globalização”, apóia-se em um núcleo ou em alguns núcleos de poder hegemônico tomados como paradigmas e fortemente sustentados por organismos internacionais, denominados multilaterais. Essa constelação comanda as políticas nacionais e, a pretexto de regulamentar as relações das finanças e dos mercados, transformou-se em instrumento de desregulamentação das legislações nacionais, utilizado na privatização dos serviços públicos, na flexibilização dos direitos do trabalho, da proteção social, da saúde pública e de outros direitos básicos imprescritíveis. As prerrogativas dos Estados nacionais foram transferidas para as burocracias internacionais em favor de grupos oligopolistas e financeiros,.anulando as expectativas de desenvolvimento e de qualidade de vida de três quartas partes da humanidade.

Desde o final do século passado, esses núcleos de poder vêm experimentando crises sucessivas e, neste novo século, a recessão e a corrosão das estruturas dos oligopólios globais norte-americanos, a longa agonia da economia japonesa e a estagnação européia, que foram os principais sustentáculos da globalização, apontam para o fim de um curto ciclo histórico. A crise estrutural tanto da velha economia como da nova economia está refletida no caótico desempenho do sistema financeiro volatizado que compromete as contas públicas, gera o endividamento exponencial impagável, produz a quebra do mercado acionário e a degradação das estruturas sociais.

Os países da América Latina enquadrados na área de influência dos EUA são os mais vulneráveis às crises da economia central em virtude do processo de desnacionalização e desindustrialização que sofreram, somado à extrema dependência dos capitais externos e ao endividamento que necessariamente terá de ser reestruturado.para a própria sobrevivência das nações dependentes. Vivemos num mundo em crise cuja natureza não é mais conjuntural – mas somente estrutural –, verticalizando as suas conseqüências altamente perversas para a humanidade.

Conceito de soberania

O conceito de política externa e defesa nacional que adotamos resume-se na implementação de uma política externa como expressão ou projeção da vontade e do poder nacional. Para tal fim, o País terá naturalmente de formular um projeto de nação autônomo para atravessarmos o século XXI – o que a nosso ver constitui objetivo nacional prioritário.

Diante do atual cenário crespuscular, a magna questão da defesa nacional com seus reflexos na política de relações externas nos países da América Latina passa obrigatoriamente por um projeto nacional que assegure a determinação interna do Estado. Mesmo no sistema de interdependência, os países periféricos podem e devem manter o poder de decisão autônomo tanto territorial quanto econômico, político, e cultural. Não se trata de isolacionismo, mas de autodefesa como.compromisso de toda a nação – ou, diria, da sociedade como pressuposto da cidadania e mesmo da sobrevivência.
Nossas reflexões diante do tema conduzem obrigatoriamente à Teoria do Estado Nacional, aos conceitos universais de soberania, de poder nacional, de desenvolvimento econômico, de poder militar, de interesse nacional, de vontade nacional.

Na realidade, o Governo é simplesmente locatário do Estado, consistindo na organização de cargos e pessoas na sua representação estatal. As formas de governo referem-se aos modos de formação dos órgãos essenciais do Estado. Pierre Renouvin, em “Introdução à História das Relações Internacionais” – livro clássico –, observa a dicotomia entre Estado e Governo quando este último é submetido à influência, ou mesmo pressão direta, dos interesses particulares ou ainda quando sua decisão se enquadra com o modo de pensar dos grupos financeiros interessados, geralmente estrangeiros, quando as finanças orientam a ação dos poderes públicos. Sem dúvida, ocorre que os governos dos países.financiadores, e mesmo empresas e bancos, passam a exercer de fato o controle dos investimentos.à revelia do interesse público nacional.

A despeito da permanente violação pelos países hegemônicos do Direito Internacional público, o princípio da soberania constitui, ainda, valor universal de respeito e equilíbrio entre as nações. Pelo menos teoricamente, o direito de titularidade da soberania como atributo de poder não é contestado na literatura política e integra atualmente nos países em desenvolvimento os direitos denominados de “terceira geração”. Esses direitos aparecem na Constituição de 1988 e na Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, contidos na Resolução 3 281 (XXlX) da ONU, aprovada por 110 países, inclusive pelo Brasil, em 12 de dezembro de 1974. A proposta de uma Nova Ordem Internacional contida na Carta resgata os direitos dos Estados periféricos dominados pelas finanças dos países de moeda forte e pelo poder militar (Resolução em Anexo) assim como busca regulamentar o sistema mundial em termos de equilíbrio e solidez.

Nos países periféricos – em que a expansão geopolítica ameaça as nações dependentes –, a formulação de um projeto nacional constitui objetivo imediato da nacionalidade e uma estratégia de defesa diante das intensas pressões dos pólos hegemônicos que anulam as prerrogativas estatais e costumam inviabilizar o desenvolvimento das nações. Melhor explicitando: a idéia de um projeto nacional próprio para o País dotado de imenso potencial territorial e demográfico significa a construção de um sólido sistema econômico nacional ao lado de uma visão estratégica do nosso papel no concerto das nações.

Globalização e questão nacional

A globalização coloca de maneira candente a pertinência do Estado e da questão nacional, entendida como tomadas de posição e respostas com que os Estados e as sociedades subdesenvolvidas terão de resistir à dominação esmagadora e alienante já que o espaço nacional diluiu-se diante da desterritorialização provocada pela economia mundializada. Ela ignora as fronteiras de tempo e espaço, elimina as exclusividades jurídicas dos Estados nacionais, movimenta livremente os capitais financeiros e produz a desterritorialização da produção e a transnacionalização dos mercados.
A questão nacional incorpora as relações entre poder e soberania territorial. A dimensão espacial constitui um dos pilares do poder material e de sua percepção simbólica.

De maneira concreta o País carece de uma regulamentação territorial e distribuição do potencial humano para a ocupação dos seus imensos espaços vazios, aumento da produção agrícola e exploração das riquezas minerais. A nova política nacional não deverá fazer concessões que coloquem em risco a autonomia territorial, particularmente na Amazônia, região altamente crítica para a segurança do País.

Em termos econômicos e políticos a determinação nacional desapareceu, substituída pelas decisões das instituições internacionais e pelos oligopólios das potências hegemônicas. Recente relatório do Fórum Econômico Mundial em Nova Iorque destaca que as 51 maiores empresas do mundo controlam os Estados e o mercado mundial.

Os princípios da soberania e da autodeterminação constituem mesmo no sistema de interdependência imanência do Estado. Eles não se limitam apenas ao direito de existir como Estado na sua base geográfica, mas encerram o direito de criar estruturas próprias, que assegurem na plenitude suas prerrogativas, não só quanto à proteção territorial e da cidadania, mas, sobretudo, quanto à defesa patrimonial e do mercado que a Constituição brasileira considera patrimônio nacional. A soberania constitui, assim, o pressuposto necessário do pensamento da universalidade, que informa o direito internacional, sem o que inexistiria a sociedade das nações e a interdependência entre as mesmas, regredindo a civilização ao estado de barbárie, do direito da força; que já vivemos.no presente histórico.

Já se questiona a irracionalidade dos fundamentos econômicos, políticos geopolíticos e da ordem econômica internacional, demandando uma análise de caráter epistemológico (estudo crítico dos princípios e hipóteses das ciências e teorias já constituídas e que visa a determinar o valor dos fundamentos lógicos da economia moderna) e mesmo axiológico (valores humanos e morais) das bases de nossa civilização. Observa-se hoje a própria caducidade e inutilidade do sistema criado no pós-guerra.

O alinhamento automático, no caso da América Latina, ao sistema monetarista de instituições como FMI e Banco Mundial levou os paises à renúncia de sua soberania, ou mais precisamente da sua autonomia quanto à faculdade de exercer a autodeterminação interna diante do jogo automático dessas instituições. Como conseqüência, as economias da região entraram em colapso. A falência do modelo beoliberal globalizador pode ser constatada no fato de que tanto os EUA como a União Européia estão retornando ao protecionismo, enquanto pregam a abertura incondicional dos mercados externos. A própria Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) constatando o evidente desastre dos países associados, desde o Consenso de Washington, em seu último documento bienal (“Globalização e Desenvolvimento”), passou a defender as políticas nacionais e regionais, sob a égide dos Estados, que terão de estabelecer novas estratégias e modelos. Trata-se de um início do confronto entre a questão nacional e o sistema hegemônico mundial dilacerado pela profunda crise no mercado financeiro. A maioria dos paises da América Latina e particularmente o Brasil, a partir do Consenso de Washington, abdicou da formulação de uma proposta de nação aceitando a “modernização” da nova ordem internacional e o controle das instituições multilaterais. O resultado aí está neste início do novo século.

O projeto nacional brasileiro

Temos que reconhecer que chegamos tanto no Brasil como em toda a América Latina a uma situação-limite de exaustão e colapso, em que entram em jogo princípios e realidades conflitantes. A execução de um projeto nacional de autodefesa atende aos Objetivos Nacionais e implica em que a economia e as finanças do País sejam geridas de maneira autônoma, sob a responsabilidade do Estado, de forma a fortalecer o poder nacional. O Brasil e toda a América Latina tornaram-se reféns do endividamento numa proporção antes desconhecida, engendrada pelo modelo hegemônico, o que nos conduziu ao controle externo pelos organismos multilaterais. As dramáticas demandas sociais reprimidas resultaram na degradação das estruturas sociais.

Da década perdida dos anos 80 do século passado, transitamos para a internacionalização da infra-estrutura física da nação, para um endividamento insolvável e para o enfraquecimento do poder nacional. Tanto a construção econômica da nação como da identidade cultural brasileira foram bruscamente interrompidas.

Indago se este não seria o momento de reflexão da Inteligência brasileira e latino-americana no sentido de uma crítica sem preconceitos supostamente ideológicos da nossa realidade, dos fundamentos econômicos, sociais e políticos do modelo adotado desde a última década do século passado. Diante dessa situação, torna-se urgente a formulação de um projeto socioeconômico e político de mudança do modelo, como tentativa última de preservação nacional.

O receituário que já vem sendo adotado pelo País desde os últimos acordos com o FMI, baseado no cumprimento dos contratos da dívida, exigindo a continuidade do câmbio flutuante, metas da inflação e política fiscal não será suficiente para recuperar a economia e superar a crise que atravessamos. O capital externo jamais poderá financiar o déficit crescente das contas correntes, que nos últimos oito anos atingiu a soma de 200 bilhões de dólares. Neste segundo semestre de 2002, o governo FHC, que já recorreu ao FMI em três oportunidades, está transferindo para o próximo ano a crise financeira substancialmente agravada.

A poupança interna foi subtraída pela internacionalização da economia nacional já inviabilizada. O problema crucial para o País não reside no difícil acesso ao mercado de capital volátil, mas na evasão ou sangria da poupança interna tanto em razão do endividamento, como pela via do CC-5 (que autoriza as empresas multinacionais, nacionais e pessoas físicas a transferir recursos em dólares para fora do País) e pela ausência de centralização cambial e regulamentação das remessas de lucros e dividendos para o exterior. A crise final do governo FHC está no fato de que somente neste ano até o presente as remessas em dólares para o exterior cresceram 67% e a dívida interna corrigida pela variação cambial aumentou 63,4 bilhões.

Ao lado da insuficiente identidade nacional dos estratos dirigentes, os pontos nucleares da nossa fragilidade tanto externa como interna perante o sistema internacional resumem-se:

1) No crescente endividamento público e externo dos últimos oito anos. A dívida líquida do setor público, aproximadamente chegou a 65% do PIB. Mais da metade de dívida federal em títulos encontra-se atrelada à taxa de juro overnight e outros 30 % indexados à taxa de câmbio. A dívida externa é superior a 250 bilhões de dólares, sem que se tenha ainda uma idéia mais exata, já que não existe controle de câmbio e de saída de capitais. Há de acrescentar-se ainda a dinâmica crescente do déficit nas transações em conta corrente, num país mergulhado em recessão, o que inviabiliza de fato os contratos e acordos internacionais e acelera a desvalorização do real em relação ao dólar, que subiu nos últimos três anos e meio cerca de 75%. Até junho do corrente ano o setor privado só conseguiu renovar 22% das dívidas vencidas no exterior. A despeito de no ano passado o governo ter pago cerca de 110 bilhões de reais, em juros e amortizações, aos credores internacionais, já se prevê o colapso das contas públicas. O endividamento é responsável pela crise cambial e desvalorização do real.

2) Na internacionalização da economia e na insuficiência do mercado interno; na ausência de acumulação interna de capital, na corrosão do tecido social decorrente do desemprego, subemprego e baixa renda per capita; nas fissuras territoriais e na ausência de um projeto de ocupação da terra; nas perdas patrimoniais com as polêmicas privatizações dos setores públicos estratégicos. As empresas públicas privatizadas respondem pelo impacto abusivo no processo inflacionário, ainda que administradas pelo governo. Mesmo nos EUA o rigor da legislação para o capital externo proíbe investimentos diretos estrangeiros no segmento estratégico.

3) Na relação entre o PIB (produto interno bruto) e a dívida externa e interna. Essa comparação costuma expressar a capacidade do poder nacional em termos econômico, político e militar e, no caso brasileiro, a dívida pública segundo dados oficiais já atingiu 65% do PIB, sem contar a dívida externa privada de cerca de 120 bilhões de dólares. Não obstante, estudos independentes apontam para uma dívida total interna, externa, pública e privada da ordem de 1,22 trilhões, correspondendo a cerca de 95% do PIB.

4) A tendência flagrante do pólo hegemônico está em obstruir, anular e congelar o poder militar, científico e tecnológico dos paises dependentes, tornando-os mais vulneráveis à dominação internacional. Num documento ainda válido, o Ministro Brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, quando Comandante da ESG, em 1994, depois de afirmar “que nossas perspectivas não parecem promissoras diante da mundialização, que agravou a dependência das regiões subdesenvolvidas e ao mesmo tempo aumentou a distância histórica em termos de etapas de desenvolvimento”, propunha a opção por um modelo nacional e destacava a “importância dos investimentos em áreas estratégicas, nem sempre de interesse exclusivamente para fins militares, mas correlacionados pelo seu significado em termos de expressão do Poder Nacional e seus reflexos diretos no segmento civil do parque industrial”.

Uma nação com as dimensões continentais do Brasil com imensas riquezas naturais, abrigando a quinta população do globo, dotada de quinze mil quilômetros de fronteiras físicas e com um litoral que se prolonga no mar territorial com 320 quilômetros de largura, está a exigir um adequado poder militar e tecnológico para a sua defesa.

A afirmação do papel constitucional das Forças Armadas, segundo conceito amplo de defesa, implica tanto na soberania territorial quanto na econômica, política, social e cultural.
Consoante o economista Ricardo Bergamini, baseado em dados oficiais, no período de janeiro de 1995 a maio de 2002, o governo FHC obteve uma receita total de 25,25% do PIB, tendo aplicado 29,58%, sendo que apenas 1,85 % foi destinado à Defesa. Um projeto militar tão decisivo como o da Calha Norte para a defesa das fronteiras ao Norte e Noroeste encontra-se praticamente congelado.

Num documento recente do Clube Militar, seu atual presidente o General do Exército, Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, demonstrava as preocupações pela “antevisão esboçada de se retirar das Forças Armadas condições para o cumprimento dos preceitos da Constituição Federal”.
Acontece que o FMI através de acordos controla indiretamente o Orçamento federal e exige ajustes fiscais draconianos, o que se reflete no enfraquecimento do poder militar.

É, pois, legítimo o propósito de formulação de um projeto alternativo, já que dentro do atual modelo dependente/neoliberal estamos previamente condenados. A reconstrução do Estado privatizado e submisso ao mercado integra com prioridade as reformas estruturais que a nação está a requerer.

O projeto nacional depende, em última instância, de uma decisão política soberana, respaldada na consciência cívica nacional, pois condiciona a reorganização e distribuição do produto social o que somente será possível com profundas mudanças na estrutura da sociedade. Na realidade, o desenvolvimento implica no crescimento do produto social e na sua distribuição equânime, na formação e ampliação de forte mercado interno. Fundamentalmente, o desenvolvimento econômico brasileiro não poderá continuar dependendo do financiamento externo, do capital especulativo, do modelo de mercado atualmente falido. Bloquear as condicionalidades externas e as internas constitui pressuposto básico para a nossa sobrevivência através de um projeto efetivamente nacional.

Nossas preocupações apontam para os próximos anos diante da perspectiva de agravamento ascendente da crise gerada desde o final do século passado. As exigências do FMI no último acordo são inviáveis, agravando o sangramento econômico e social do País. A proposta de corte orçamentário para 2003 de cerca de 50% incidindo na economia e na assistência social num País, de há muito estagnado e corroído pela miséria e desemprego, certamente conduzirá ao caos, de maneira a comprometer a ordem institucional, caso nos falte a coragem política de mudarmos o modelo.dependente.

O legado do atual governo deixa o País em situação econômica e administrativa de ingovernabilidade.

Luiz Toledo Machado é professor-doutor da Faculdade de Ciência Política da USP, presidente do Sindicato dos Escritores de São Paulo e do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas. Este texto reproduz sua exposição no seminário “Política de Defesa para o Século XXl” (Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados).

EDIÇÃO 67, NOV/DEZ/JAN, 2002-2003, PÁGINAS 35, 36, 37, 38, 39