Chegamos. Ela estacionou o carro na frente de casa. Diferente do que todo homem fala, minha mulher dirige muito bem. Melhor até do que muitos homens por aí. Claro que não digo isso a ela. Afinal, onde fica minha fama de machão. Já pensou do que uma mulher é capaz com uma informação desta na mão?

      Pois bem, ela saiu do carro e eu fiquei pra trás. Afinal, quem é que vai levar todas as compras que fizemos? O machão, é claro.

      Não eram muitas coisas, estavam todas no banco de trás. Coloquei-as para fora e, quando fui fechar a porta do passageiro, percebi que ela havia esquecido de travar a porta do motorista. Com as mãos carregadas de compras, me estiquei todo. Nestas horas, não sei por que mágicas razões, os produtos adquirem vida própria, e lá se vai a cartela de ovos para fora do sacola plástica, em salto suicida rumo ao piso do carro. A marcha, teimosa, insiste em me cutucar a barriga. Merda!

      Apertei o pino da porta do motorista, travei a porta do carona e bati.

      Tal qual foi minha surpresa ao ouvir, logo após ter batido a porta, minha mulher falando tranqüilamente de dentro de nossa casa: "Querido, cuidado para não fechar o carro! A chave está na ignição!".

      Imaginem minha cara de desespero. Eu, com um monte de saco nas mãos – saco de supermercado, é bom que se esclareça – olhando para o infinito com vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Na realidade, eu só não chorei porque a vontade de rir foi maior.

      É claro que eu não falei nada para ela. Um chefe de família, o homem da casa, não podia dar uma dessas. Que furo, não se tocar de que a chave estava na ignição.

      Estava pois obrigado a dar um jeito naquela situação para, depois, poder dizer: "Bonito, heim? E se eu não tivesse visto e fechado o carro!?".

      Mas isto era para depois. Agora, tinha que dar um jeito de abrir o carro.

      Primeiro, precisava colocar as compras em lugar seguro (Não podia acabar perdendo também as compras). Como a lixeira estava limpa – eu mesmo a havia lavado -, e as compras estavam em sacolas, tive a brilhante idéia de colocá-las lá. Não é possível que algum ladrão pense em roubar lixo.

      Procurei um fio, alguma coisa que pudesse passar pelo vidro, com um pequeno laço e agarrar o pino para destravar a porta. "A linha de costura que compramos", lembrei todo feliz. Retirei a linha de um dos sacos e comecei minha empreitada, certo de que isto daria resultados. Afinal de contas, para que servem todos aqueles filmes que assisti?

      Vira daqui, vira dali e nada. Já tinha gasto quase todo o carretel. Estava todo suado, e, minha mulher, sem entender porque eu não entrava. Lá pelas tantas, minha carteira caiu debaixo do carro. Nervoso, deitei no chão para pegá-la. Inexplicavelmente, havia ido parar lá no meio, longe de qualquer possibilidade de resgate fácil.

      Passaram alguns carros, um caminhão e eu esperei para sair só depois que a rua acalmasse. Acalmou e eu saí.

      "Vou arrebentar o vidro", pensei. Como é que fazem nos filmes? O cotovelo! Meti-o na janela do motorista. Minha mulher, ouvindo os gritos de dor, veio me encontrar aos pulos diante da casa, segurando o braço e com olhos cheios d'água.

      Eu, é claro só a percebi no momento em que ela estava do meu lado, com aquela tradicional pose de mulher desconfiada, indignada e dona da razão. Você sabe, já deve ter ocorrido com você: elas ficam lhe encarando, sérias e com as duas mãos na cintura.

      Eu parei imediatamente e fingi que estava passando mal. Vi que não havia convencido. Então fingi que limpava o vidro do carro. Tirei a camisa e lá vou eu. Ela ficou menos convencida ainda. Quem, em sã consciência, iria limpar o vidro de um carro que acabara de sair do lava-rápido, ainda mais com uma camisa imunda daquelas. É que, depois de todas minhas tentativas de abrir o carro, minha camisa, antes limpa, parecia um pano de chão.

      Aí, só me restou entregar a deus. Certamente ela iria dizer: "Mas você é uma anta mesmo! Como deixa a chave dentro do carro?".

      Pois bem amigos, fosse só isso, estava de bom tamanho. Mas o que veio foi mais desesperador.

      – O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO? – Era ela, quase gritando.

      – Pois é amor, você demorou me avisar… Tranquei o carro com a chave dentro. Estava tentando abri-lo com uma linha. Também, não sei como uma pessoa sai do carro e deixa a chave na ignição!?
Pensei em entrar solando. Afinal, o ataque é a melhor defesa. Tipo, chegar na ofensiva, colocar o adversário na retranca, fazer o inimigo recuar, jogar o dito cujo na lona… Mas o que estou falando?! Não é um inimigo, é minha mulher!

      – Pois é, meu amor – começou ela, pausadamente e com os olhos injetados – também não sei como é que uma pessoa fica tentando abrir um carro com uma linha inútil, quando tem no bolso da calça, quase caindo no chão, a chave reserva.

      – Ããã! Como não pensei nisto antes?!

      – E as compras? Perguntou ela furiosa.

      – Estão… na… PELO AMOR DE DEUS! PAREM ESSE CAMINHÃO DE LIXO!!