– Ladrilhava tudo.

      Assim começou Demóstenes Antunes seu repto contra a praia. Voltado para o mar, mãos para trás, olhos abarcando o máximo da massa líquida, era como se decretasse um futuro perfeito. Tivesse ali uma espada, apoiaria nela seu punho peludo. A areia, ferida pela ponta aguçada da lâmina, rangeria no metal, enquanto o orador proferiria seu discurso.

      – Não diz besteira, Dedê. Magina. Praia não é piscina, meu bem.

      O que havia feito para merecê-la era o que não atinava. Onde estava com a cabeça quando a chamou para dançar no baile do Clube Militar? Tá certo que, há trinta anos, era gostosa como o quê. Mas, por que casara? Enquanto olhava o laquê da esposa, fantasiava as mil maneiras de afogar uma baleia – sobretudo se ela estivesse usando um maiô lilás cavado e cheio de babados rosa-choque.

      – Água de coco?

      Era Homero, seu cunhado. Diante de si, um coco com dois canudinhos a modo de antenas. Agradeceu. Ficou olhando o coco, hamletianamente.

      – Tá geladinho.

      Era Homero mais uma vez – magro, calvo, pele baça, olhos ávidos.

      Demóstenes Antunes deu uma golada. É, de fato estava geladinho. Sorveu o líquido rapidamente e devolveu a fruta ao cunhado, que correu ao quiosque para que a partissem.

      – Aonde vai, benzão?

      – Caminhar.

      – Nesse sol?!

      Fitou os enormes óculos escuros. Pensou numa mosca.

      – Preciso queimar gordura. Volto logo.

      Cabeça baixa, reflexivo, andou toda extensão da praia até às pedras. Sentou-se num rochedo. Olhou para o mar. Lá estava, onipotente, senhor dos mil tridentes, indevassável. Ah, o mar, essa conquista e perdição.

      Estava nessa inspiração quando lhe veio, súbita, a vontade de urinar. O que fazer? Ali era impossível. Não parava de passar gente. E nem uma moita por perto.

      O jeito é entrar na água. Foi. Mas o mar estava bravo. As ondas rebentavam violentas, uma atrás da outra, no corpo dos banhistas. Demóstenes, a cada tentativa de relaxar a uretra, era esmurrado pelas vagas. Impossível mijar.

      Voltou à praia. Sentou-se na beira das águas e ali, como se estivesse a contemplar a paisagem, aliviou-se. A areia absorveu tudo.

      Já pensou se fosse ladrilho?