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    Comunicação

    Os sonhos e os séculos

    Há milênios num ponto perdido da América, numa densa noite, um índio olhando a lua desejou toca-la. Percorreu distâncias e do alto da mais alta árvore da Amazônia lançou sua flecha para em seguida, triste, vê-la cair no podre das folhas. Já atônito, em febre, já meio louco, aprisionou o maior pássaro da América. Ora […]

    POR: Redação

    3 min de leitura

    Há milênios
    num ponto perdido da América,
    numa densa noite,
    um índio olhando a lua
    desejou toca-la.

    Percorreu distâncias
    e do alto da mais alta árvore da Amazônia
    lançou sua flecha
    para em seguida, triste,
    vê-la cair
    no podre das folhas.
    Já atônito, em febre,
    já meio louco,
    aprisionou o maior pássaro da América.
    Ora ordenava,
    ora implorava à ave:
    – Pousa na lua, pousa na lua.
    Liberto,
    O pássaro ruflou suas grandes asas
    e por um segundo voou em linha reta
    e ameaçou atravessar a lua
    como uma lança,
    mas corrigiu seu curso
    e pousou em algum lugar ao norte.

    Jamais aquele índio poderia imaginar
    que somente muito, muito tempo depois
    seu sonho
    se tornaria realidade.

    Ah! que desgraça será
    se o meu sonho de acariciar teus cabelos
    tiver a mesma sina do sonho
    daquele indiozinho tupi!
    Posso vê-lo, daqui, sozinho
    no abismo amazônico
    buscando fórmulas
    inventando engenhos
    numa luta pertinaz
    contra a ditadura das
    limitações de seu tempo,
    de tal forma que,
    quando nem pedra polida existia,
    ele, nas areias de um rio
    que só milhares de luas depois
    se chamaria "Araguaia",
    desenharia algo semelhante
    ao que chamamos "espaçonave".

    Ah! minha lua
    conspira contra as leis do cosmo
    faz uma revolução em ti,
    liberta-te do jugo
    desta estúpida órbita circular.

    Não, não te proponho
    a anarquia da trajetória dos meteoros.
    A força do meu carinho
    nos permitirá percorrer os oceanos,
    as estações das árvores e dos caminhos de ferro,
    as cidades libertadas e por libertar,
    a cordilheira do Andes, a Sierra Maestra,
    os caminhos onde combatiam Zapata e Pancho Villa,
    o vale do Mekong
    e cada veia e cada artéria de nosso país
    – O universo todo.

    Ah! minha lua
    reduz a velocidade de tua translação
    à potência da velocidade da luz
    e sai dos trilhos que circundam a Terra!
    Não, não caia no mar,
    melhor pousar no Araguaia
    que em vez de sal
    possui açúcar e,
    tu já o sabes, sangue nas águas.

    Eu lá estarei
    no teu manso pouso
    a me espantar como os camponeses
    com as passadas largas dos espíritos
    de uns homens vermelhos e guerrilheiros
    que muito, muito mais ousados,
    do que eu e o indiozinho tupi
    lançaram-se para tomar não só a lua,
    "mas o céu todo de assalto".

    Os Sonhos e os Séculos – Adalberto Monteiro
    Círculo Azul Livros – Goiânia – 1991.

     Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).

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