– Você me ama? – ele pergunta cheio de aflição.

      – Amo. – responde ela distraída com a cutícula

      – Me ama como?

      – Como?

      – Como você me ama?

      – Ah, sei lá, Humberto. Te amo e pronto. – e tasca-lhe um beijo estralado nos lábios pálidos.

      – Ah, Zira! Cê não sabe conversar?

      – Que foi, Beto? Não gosta mais do meu beijo?

      – É que você só que saber de beijar. Me diz: por que você me ama?

      – Olha, Humberto, vamos fazer assim: fica combinado que eu te amo, e você entende isso como quiser, certo? Ótimo, agora me dá um beijo que tenho que entrar.

      – Mas já?! Por quê?

      – Vai começar a novela. Tchau.

      E ele fica ali, plantado, olhando o último adeuzinho da mãozinha piquitinha e cherosinha de Alzira. Ai, meu Deus, que ainda morro disso!

      Humberto trabalha na venda de Dona Mercedes e comete versos. Tem um ar assim meio doente, cabelos negros e uma avidez que excita Alzira. Em seus 20 anos, parece não ter mais que 17. Freqüenta uma roda de cineclubistas no centro da cidade e manda seus escritos para qualquer periódico que os aceite. Chegou até a participar de um concurso. Ficou entre os dez primeiros colocados. Recebeu uma dúzia de exemplares da antologia para distribuir. Sua mãe exibe o livro para todas as visitas que recebe no quarto e cozinha do Jardim Míriam.

      Alzira tem 19 anos e parece ter 19 anos mesmo. Baixa, cabelo castanho claro encaracolado, pele puxada pra clara, já conhecia Humberto de vista. Reparou mesmo nele no bar, quando foi comprar refrigerante para o almoço de domingo. Deu-lhe um sorriso de obrigada e foi o que bastou para receber em casa, pelas mãos de um menino, um poema. Não entendeu bem aquilo, mas logo viu que era pra ela. Não sabia que era tão bonita. Daí para enrabichar-se pelo sujeito, foi mais dois poemas em menos de três dias.

      Vendo a novela, não conseguia deixar de pensar nas bobagens do namorado. Esse Beto era mesmo um bobo. Vê se pode: desde quando amor tem porquê?

      Em casa, Humberto escrevia com fúria. Entenda como quiser… pois sim. E disparou:

Não entenderei como quiser
seu Te Amo.
Entenderei como ele o é.

Amar já possui suas próprias
aspas,
todas do mundo,
com suas mensagens caladas…

Não. Entenderei teu amor
como ele se me apresenta.
Entenderei como algo meu
sem escritura ou posse,
nascido de mim e de ti
como um filho,
como uma rosa e o terceiro
lado da vida…
Como a vida em meus
olhos e em teu peito
escondida.

Sim. Entenderei teu amor
e o aceitarei
com o compromisso
de quem amor tem pra
dar e não espera paga
ou prenda.
Entenderei e aceitarei
teu amor
como quem aceita um negócio,
um trato,
um contrato
que aos dois liberte
e elimine ausências.

      Passou a limpo, corrigindo aqui e eali, assinou, meteu num envelope e mandou um moleque entregar. Dali a pouco o telefone toca:

      – Beeto.

      – Oi meu amor…

      – Me leva pra ver o Senhor dos Anéis?

      – Alzira, você recebeu o poema?

      – Recebi.

      – Leu?

      – Lógico que li.

      – E então?

      – O que você quer saber exatamente, Humberto?

      Pegaram a sessão das dez.