Anastácia chegou em casa cansada de embrulhos. Despejou tudo na cama do quarto do casal, foi até o das crianças abrir a cortina, catou uma meia no chão e foi ao banheiro, lavar mãos e rosto.

      Que dia! Tanta gente para presentear. E o dinheiro tão curto. Será que Dona Dalva vai gostar da correntinha? Bom, se não gostar também, dane-se, que já está fazendo é muito de lembrar da jararaca. Arnaldo é que tem razão: sogra tinha que ter só dois dentes: um pra abrir cerveja e outro pra doer à noite inteira.

      Cuidar da janta. Ih, esqueceu de tirar a mistura do congelador. Vamos de ovo e hambúrguer – paciência. Sal tá acabando. Amanhã tem compra.

      Deu a ave-maria, chegou Norberto. Ois, beijinho na testa, careta para os ovos na pia. Tomou da toalha no varal da área de serviço contígua à cozinha e foi ao quarto buscar roupa limpa.

      – Qué isso?

      Voltou à cozinha.

      – Nastácia, que é aquele monte de embrulho na cama?

      – Presente.

      – Pra quem?

      – Pra todo mundo, ué. Tem sua mãe, suas irmãs, o povo lá de casa, os meninos… Natal, meu filho; tá pensando o quê?

      – Mas que Natal, Nastácia? Natal foi ano passado.

      – Que ano passado, Berto. Mané ano passado. É pra esse ano mesmo.

      – Mas nós tamo em janeiro!

      – E daí? Cê não tá vendo a inflação, não? Me admira você, bancário, não prestar atenção nessas coisas. Prevenir, meu filho.

      – Cê endoidou? Como você me sai pra comprar presente para o natal , que só vai rolar no final do ano, e nem me diz nada?

      – Tem que pedir autorização agora?

      – Autoriz… Quanto você gastou?

      – Fui na 25 de março. Tudo lembrancinha…

      – E vai pagar com quê, posso saber?

      – Co…

      – Se disser que é com dinheiro, eu te mato.

      – Ai, que stress! Mata nada. Mata o quê?… Parcelei.

      – Ai, meu… deus.

      – Dei uns pré-datados e o resto botei no cartão.

      – Não acredito…

      – Cê devia era me agradecer, Norberto. Tô pensando em nossa família, nos meninos, que ano passado tiveram que dividir presente, tá?

      – Mudou o governo, maluca.

      – Maluca é sua vó, viu? Não fala assim comigo! Droga, merda! Porcaria de vida!

      – Não precisa chorar também, ô…

      – Ah, vai pro inferno. A gente pensândo… pensândo no me-e… lhor… e… e… ah, deê-xa pra lá!

      – Vá, vá… deixa disso. Vem cá. Pronto, não precisa essa água toda. Também, nêga… Bom, deixa quieto. Fica calma…

      Fungada.

      – Comprou o que pra mim?

      – Um pijama lindo.

      – Não acredito.

      – Mas é sua cara, Berto…

      – Não a-cre-di-to!