Tomou o ônibus no Jardim Damasceno. Não deu uma hora, desceu. Dirigiu-se até a quitanda logo em frente ao ponto, comprou umas mixiricas e saiu descascando uma. Com um gomo na boca, parou em frente a uma banca de jornal e perguntou pelo endereço que trazia escrito num papel.

      Já na segunda mixirica, parou defronte o portão. Tudo quieto. Cortina fechada, será que saíram? Apertou a campainha. Nada. Apertou de novo. Lá dentro, latiu um cachorro. A porta de vidro lateral desenhou uma silhueta difusa. A maçaneta mexeu. No limiar, surgiu uma senhora baixa, avental na cintura, costas curvas.

      – Pois não?

      – Edelmira.

      – Prazer, Amália.

      – Não, quero falar com Edelmira.

      – Não tem nenhuma Edelmira aqui, não senhora.

      – Aqui não é o 272?

      – É.

      – A senhora mora aqui faz quanto tempo, se faz favor?

      – Quarenta anos.

      – Puxa vida. Tenho certeza que é essa casa… Eu morava logo ali em frente e aqui morava uma amiga minha, a Edelmira…

      – Como era?

      – O quê?

      – A Edelmira.

      – Era assim uma pessoa muito especial, sabe? A gente jogava queimada aqui de frente e…

      – Não, minha filha: não é o que ela fazia, mas como era a aparência dela.

      – Muito boa. Tinha uns cabelos pretinhos, os olhos também. Vivia de maria-chiquinha, era dessa altura assim… Morava no 272, tenho certeza.

      – Há quanto tempo foi isso?

      – Uns vinte anos… vinte e cinco, talvez.

      – Olha, senhora, isso aqui já mudou de número muitas vezes. A última eu já nem lembro quando foi. Vai ver o 272 era em outra casa.

      – É, pode ser. Bom, de qualquer maneira, brigada. Vou procurar.

      Andou a rua até o fim. Não lembrava de nenhuma dona Amália. Tava na rua certa? Tava, tava sim. Olha aí a placa. A terceira mixirica estava podre. Só se aproveitavam uns quatro gomos. Procurou uma lixeira para jogar fora, mas não achou nenhuma. Paciência. Largou a fruta na sarjeta e voltou pra casa. Na porta do barraco, tomou um susto:

      – Qué queu tô fazendo aqui do lado de fora?

      – Donde cê vem, Delmira? – era o marido, vexado.

      – Lugar nenhum. Acho que vim buscar alguma coisa cá fora. Me esqueci o que era.

      – E esse guarda-chuva, é pra quê?

      – Guarda-chuva? Oxên'! Sei não.

      – Tô dizendo que cê tá variando…

      – Variando o quê! Sô lá mulher de variar…

      – Delmira, cê já foi caçá lembrança de Marianinha, não foi?

      – Marianinha?…

      – É, Marianinha, nossa filha, que deus carregou.

      – Apodreceu, Manuel, apodreceu…

      – O que apodreceu, Delmira?

      – As mixirica. Apodreceu tudo.

      Entrou no quarto, sentou na beira da cama e danou a chorar.