Ciência e Tecnologia para a Vida
Por que perdemos tanto tempo? Em 1975, a renda per capita brasileira era o dobro da sul-coreana. E nosso PIB quatro vezes superior. No entanto, em 2001, o PIB per capita sul-coreano já era 2,5 vezes maior do que o brasileiro. Como explicar? Parte da explicação está neste fato objetivo: enquanto a Coréia do Sul investe, há 20 anos, 3% de seu PIB em ciência e tecnologia, só agora estamos investindo 1%! Seguidos governos ignoraram que a nova economia havia deslocado o eixo do desenvolvimento dos setores tradicionais para aqueles de emprego intensivo de conhecimento e tecnologia.
O desafio do governo Lula é inserir o Brasil na sociedade do conhecimento. Nessa perspectiva, a política estratégica do Ministério de Ciência e Tecnologia deixa de ser uma categoria em si para se justificar tão-só pelo seu valor fundamental: o humanismo. Assim, estará voltada para o fomento da pesquisa científica e para a inovação tecnológica, visando ao desenvolvimento a serviço da melhoria da qualidade de vida de nossa população. Qualquer projeto honesto de cidadania e melhoria de qualidade de vida tem como base a geração de emprego. E não se pode falar seriamente nem em desenvolvimento nem em crescimento se um e outro não tiverem como essência – alicerce insubstituível –, os avanços científicos e tecnológicos. Essa é a chave da competitividade, do progresso e da soberania.
Mas ainda não é tudo. O atraso em que nos encontramos impõe-nos a tarefa dupla de romper com o ontem e antecipar o futuro, preparando, desde agora, a formação de cientistas para os desafios que o progresso humano nos reserva para os próximos 15 ou 20 anos. Para alcançar esse objetivo, uma de nossas iniciativas é a articulação de universidades/institutos de pesquisa com os governos estaduais (e eventualmente prefeituras) e o empresariado.
Se ciência, tecnologia e inovação constituem a essência de qualquer projeto contemporâneo de nação, como elementos básicos para o desenvolvimento sustentável, somente o esforço concentrado de todos os agentes, por anos e décadas, poderá superar os dois desafios que se opõem a essa política de médio, e longo, prazos: 1) a limitação de recursos, agravada pelo quadro calamitoso das contas nacionais legada pela era FHC; e 2) o atraso relativo do país, especialmente na área da inovação tecnológica, que nos cobra a necessidade de crescer mais rapidamente para encurtar a distância que nos separa dos países desenvolvidos. Precisamos consertar esse avião em pleno vôo.
O desenvolvimento científico está sendo orientado por uma nova política de bolsas do CNPq e pela universidade, prestigiada, reaparelhada, com seus professores, mestres, doutores e pesquisadores corretamente amparados e estimulados. Não se pode esquecer, evidentemente, dos centros de excelência em ciência e tecnologia. E é preciso também incorporar nesse processo as universidades e centros de ensino superior privados. Enfim, para atender à demanda por novos cientistas, rompemos com políticas conservadoras, que congelaram as bolsas destinadas à pesquisa, com seus valores intocados havia sete anos. Além disso, elas estavam praticamente fechadas para jovens que saem da pós-graduação. Informação da Andifes revela que é de 45 anos a média de doutores bolsistas do CNPq.
A determinação do presidente da República não é só oferecer mais bolsas, mas também revisar seus valores com o MEC. Até o final do governo Lula, estaremos formando ao menos 10 mil doutores por ano, contra os 6 mil atuais. E isso não apenas multiplicando a formação tradicional, em vários casos, já superada, mas pensando nos desafios das novas profissões que o futuro exige para o desenvolvimento científico e tecnológico de todas as regiões. Com esses objetivos estarão unidos o MCT e o MEC, o CNPq e a Capes.
Esse esforço do poder público terá de associar-se à iniciativa privada, investindo em inovação, absorvendo e produzindo novas tecnologias, abrindo mercado para nossos cientistas. Não podemos continuar aqui com uma realidade invertida em relação aos países desenvolvidos, com o poder público arcando com 80% dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Só com uma parceria sem preconceitos poderemos alterar essa relação e melhorar a qualidade dos bens e serviços, aumentando nossa competitividade, substituindo importações e agregando valor a todos os itens de nossa pauta de exportações, inclusive de produtos agrícolas.
É preciso ficar claro que não se trata de retomar as cansadas políticas de incentivos fiscais ou de reserva de mercado que cevaram a construção de cartéis de atraso. O que propomos é um conjunto de ações para melhorar a qualidade da produção nacional, aumentar sua competitividade e suprir o país com produtos, bens e insumos que hoje importamos e que poderiam ser produzidos aqui, economizando divisas, gerando empregos, movimentando a economia. É o caso, por exemplo, da indústria aeroespacial e da microeletrônica. Esta foi responsável, em 2002, por um rombo de US$ 8 bilhões em nossa balança de pagamentos.
Para contribuir nesse processo, a Finep – reorganizada, recuperada, recapitalizada – voltará a apoiar, preferencialmente, as pequenas e médias empresas de base tecnológica. Os fundos setoriais do MCT, após a democratização de sua gestão, para assegurar transparência, desempenharão papel fundamental. Nesse sentido, a política de editais deverá ser revista para assegurar a participação dos Estados, a justa distribuição nacional de recursos e a possibilidade real de disputa por todos os segmentos da ciência brasileira. Dada a importância disso, que não cabe mais demonstrar, estamos criando, na estrutura do MCT, para reforçar o que já existe, uma coordenação específica para os estudos relativos à Amazônia e ao Nordeste, onde, ainda neste ano, instalaremos o Instituto Nacional do Semi-Árido. Temos certeza de que o BNDES e os bancos de fomento regionais estarão associados a esse projeto de desenvolvimento autônomo.
Para enfocar apenas uma área, entre várias da ciência e tecnologia que contribuem para alcançar esses objetivos, destacamos a informática, espinha dorsal de qualquer projeto contemporâneo de desenvolvimento científico e tecnológico. Para enfrentar os desafios, já fortalecemos a estrutura da antiga Sepin, que agora incorpora as políticas tecnológicas e industriais que devem ser desenvolvidas articuladamente. Também criamos uma subsecretaria adjunta de informática. Junto à nova Sepin funcionará ainda um comitê consultivo, integrado por agentes da sociedade civil e por representantes de setores que atuam na produção de software e de hardware, sem contar a reativação do Conselho Nacional de Informática e Automação que vinha funcionando precariamente. Além disso, os fundos setoriais, particularmente o Verde e Amarelo, serão vinculados à nova estrutura. O Ibict (Instituto Brasileiro de Informação Científica e Tecnológica) também será reestruturado, voltando-se para o fomento da pesquisa em informática. Entre outras ações de cooperação internacional, pretendemos efetivar com o governo alemão a internet 2, a rede de alta velocidade entre a Rede Nacional de Pesquisa e a rede alemã, Deutsche Forschungsnetz.
Tudo isso porque o projeto de desenvolvimento não pode ser isolado. Temos de superar a timidez colonial, que às vezes coloniza ideologicamente parte da elite, e assumir na América do Sul o papel que nossos irmãos nos cobram, ajudando-os no desenvolvimento científico e tecnológico, inclusive na formação de pesquisadores, mestres e doutores. O mesmo pode-se dizer dos povos irmãos da África; arrasada pela fome e pela Aids. Tudo sem afetar o fortalecimento de nosso intercâmbio tradicional com países como os Estados Unidos e a França ou sem deixar de ampliar a cooperação com países como a Ucrânia, a China, a Rússia e a Índia.
No final do mandato do presidente Lula, como ele deseja, o Brasil estará aplicando pelo menos 2% do PIB na área de CT&I, com os esforços do poder público e da área privada. Só assim poderemos recuperar o tempo perdido, ampliando e distribuindo renda para romper com a lógica cruel de um país rico com uma população pobre. Ou seja, o grande desafio do MCT é trabalhar o passado e o presente. Atualizar a pesquisa, o conhecimento científico, tecnológico e a inovação e, ao mesmo tempo, antecipar as sendas que deveremos percorrer amanhã, para que nossos sucessores não tenham de lamentar, como nós agora, tanto tempo perdido.
* Roberto Amaral é ministro de Estado da Ciência e Tecnologia.
EDIÇÃO 68, FEV/MAR/ABR, 2003, PÁGINAS 26, 27, 28