O sistema Monetário internacional
O presente artigo tem por objetivo contribuir na discussão sobre as restrições impostas ao desenvolvimento brasileiro e na construção de um novo modelo de desenvolvimento que permita a estruturação de uma sociedade mais igualitária com vistas à construção do socialismo. A busca desse novo modelo de desenvolvimento requer uma reflexão sobre o lugar do Brasil no mundo. Tendo em vista que esta é uma tarefa de grande envergadura, restringimos o escopo do presente artigo às relações econômicas no âmbito do Sistema Monetário Internacional (SMI) e suas implicações para países como o Brasil.
O tema abordado aqui é a moeda, o meio de troca, o dinheiro, a forma social do equivalente geral que permite à massa de produtores individuais realizar sua interação social através da troca. O sistema capitalista herda de relações mercantis pretéritas a ordem monetária, a partir da qual é estruturada a sociabilidade dos homens enquanto produtores de mercadorias. Não se trata aqui de retomar a monumental tarefa empreendida por Marx nos volumes II e III d’O Capital, mas tão somente de pontuar algumas características do equivalente geral que se deve ter em mente ao discutirmos tal assunto.
A moeda é um fenômeno social. Como tal ela guarda fundamentalmente três características: 1) meio de troca (é através dela que se expressa o tempo de trabalho social que caracteriza a moeda como equivalente geral de todas as mercadorias); 2) unidade de conta (a divisibilidade da moeda é a característica que possibilita que ela seja usada como medida para os diferentes valores); e 3) unidade de entesouramento (na medida em que representa valor, a moeda é escolhida como forma de acúmulo de valores ou entesouramento, na medida em que se espera que este não se corrompa ao longo do tempo). Estas características são válidas para as moedas individuais dos diferentes países. Além disto, os preços em cada moeda refletem, dentro da tradição marxista, as diferentes produtividades do trabalho social. Ao tratarmos com um sistema internacional isto engendrará alguns problemas, como veremos adiante.
Um breve histórico do Sistema Monetário Internacional (SMI)
Grosso modo podemos resumir a história do sistema monetário internacional após a morte de Marx em quatro fases:
A primeira, a fase do chamado “padrão-ouro”, durou até a I Grande Guerra, patrocinada pela Inglaterra, a então potência dominante. Esse sistema era caracterizado por sua rigidez: os países convertiam suas moedas em ouro com base em uma taxa fixa e deviam pagar a diferença de seu comércio internacional em ouro a seus parceiros ao final de um período. A emissão de moeda estava limitada ao montante em ouro disponível nos Bancos Centrais dos diferentes países. Com isto, uma crise de insolvência tendia a paralisar completamente um país que perdesse suas reservas, uma vez que existe um mínimo necessário de moeda para garantir a circulação de mercadorias numa economia. O pressuposto ricardiano deste modelo é o de que ele se auto-regularia, com uma baixa dos preços das mercadorias exportadas, e ocorreria a recuperação da balança comercial e, em decorrência disso, o ouro voltaria a fluir.
A principal crítica a este modelo radicava na diferença de produtividade de os países condenarem aqueles menos desenvolvidos a uma situação de eterna queda dos preços de seus produtos de exportação e, portanto, a crises constantes, que levavam à entrada e saída dos países do SMI. Este período é marcado, ainda, pela ausência de controle dos fluxos de capital.
De fato, o padrão-ouro clássico nunca foi realmente universal, estando restrito aos países capitalistas avançados e à periferia capitalista que tentava imitá-los, e mesmo assim, com nuances como o uso da prata na França e nos EUA.
O período entre as duas guerras mundiais é um período de crise do SMI, com o abandono por parte de muitos países do padrão-ouro e pela criação de controles aos fluxos de capital. É sob esta situação que se constrói grande parte dos experimentos de Estados de bem-estar social na Europa, a política do New Deal nos EUA, e a política de substituição de importações na maior parte dos países latino-americanos. Políticas baseadas na intervenção estatal no campo produtivo e pela regulação social da produção com vistas à obtenção do pleno emprego. Enquanto isso, outro tipo de experimento social está sendo construído na URSS.
Com o fim da II Guerra Mundial, estabelecem-se os alicerces do moderno SMI. São criadas, a partir dos acordos de Bretton Woods, as atuais instituições que controlam o sistema monetário internacional, em particular o FMI e o Banco Mundial. A pedra de abóbada desse edifício é o chamado padrão dólar-ouro, que estabelece que o dólar será mantido a uma taxa constante para conversão em ouro e que as demais moedas deverão lastrear-se no dólar, cabendo aos bancos centrais administrar suas taxas de emissão com base num limite seguro de reservas internacionais de forma a evitar ataques especulativos e garantir a liquidez das diferentes economias. O período do dólar-ouro corresponde aos chamados “trinta anos dourados” do sistema capitalista, onde uma combinação de ação estatal para a construção do estado de bem-estar social e de uma posição “benevolente” dos EUA (devido a uma cotação apreciada do dólar) permitiu a reconstrução das economias das potências ocidentais destruídas pela guerra. Além disso, nesse período começam a esgarçar-se os mecanismos de controle do fluxo de capitais, com o surgimento das chamadas “praças off shore” – países que estabelecem legislações permitindo o uso do dólar como moeda pelos bancos nacionais, com pouca ou nenhuma fiscalização sobre o volume de crédito concedido.
A eliminação, ou o relaxamento, dos controles sobre o volume de capitais financeiros leva a que o volume total de ativos denominados em dólares escape ao controle do Federal Reserve (o FED, banco central dos EUA). Além disso, devido ao fato das taxas de conversão das principais moedas européias terem sido fixadas de forma arbitrária abaixo de seu valor com relação ao dólar, os Bancos Centrais europeus, em particular França e Inglaterra, acumularam volumes crescentes de dólares e começaram a instar por sua conversão em ouro, pressionando as autoridades norte-americanas que relutam em fazê-lo. O crescimento das empresas multinacionais incorpora os lucros internacionais ao fluxo do capital mundial, pressionando os sistemas nacionais no sentido de gerar dólares que garantissem tais fluxos. Os sucessivos ataques à moeda norte-americana, através da cotação do ouro, que se dão a partir de 1960, atingem seu ápice entre 1971 e 1973, quando o governo norte-americano rompe a conversibilidade do dólar em ouro e desvaloriza a cotação da moeda.
A conversibilidade da Balança de Pagamentos de fato leva o sistema a uma situação em que os governos perdem o controle dos fluxos de capital.
O fim dos Acordos de Bretton Woods leva à adoção de políticas diferentes pelos diferentes atores. Enquanto EUA e Japão, com grandes PIBs e volume de comércio, adotam a livre flutuação, a Europa inicia as discussões para a unificação monetária, criando o Sistema Monetário Europeu (SME), e os países periféricos buscam defender-se através da adoção de taxas fixas de conversão. As chamadas praças off shore, paraísos fiscais como as Ilhas Caimã, Bermudas e Hong Kong, adotaram uma política de currency board, estabelecendo a conversibilidade de suas moedas com o dólar ao par, limitando a emissão de moeda nacional dentro de parâmetros de segurança.
Embora houvesse a esperança de um retorno a uma conversibilidade do dólar, os EUA empurram o FMI a reconhecer a nova realidade e impõem sua posição aos demais países. Todos devem, a partir de então, buscar o equilíbrio externo de suas Balanças de Pagamentos como forma de proteger as respectivas moedas nacionais. Com isso, o choque do petróleo ocorrido em 1974(1) é financiado com uma política expansionista pelos principais países ocidentais, com a inflação tornando-se o principal problema dos anos 1970.
Embora a meta aparente seja a estabilização monetária, de novo, o mercado financeiro é o principal beneficiário do novo arranjo que garante a livre flutuação. Ao entrar nesse jogo, os Bancos Centrais partem sempre do pressuposto de que sairão perdendo para garantir a estabilidade. Vemos assim que não é uma característica própria apenas do BC brasileiro perder sempre para a banca.
A década de 1980 é marcada pela alta de juros norte-americana e por um dreno internacional de recursos para este país como resultado do forte endividamento do Estado americano com vistas ao financiamento do projeto Guerra nas Estrelas, que acabou por constituir-se no último “ato” da Guerra Fria. Enquanto os europeus refugiam-se no SME e o Japão faz uso de sua capacidade produtiva, os demais países do bloco capitalista, em especial a América Latina, paga a conta. A competitividade japonesa é desmontada com a desvalorização do dólar frente ao iene (e então é a vez dos japoneses também pagarem a conta).
Os europeus às voltas com seus próprios problemas constroem um novo arcabouço institucional onde, como resultado da vontade de unificação, são imolados os setores não competitivos, implicando em grandes ondas de desemprego ao longo dos 20 anos finais do século passado, o que é reforçado pela anexação da Alemanha Oriental pela Alemanha Federal. Como corolário a esta política os países deveriam ajustar suas economias a condições de ajuste fiscal restritas e promover a independência de seus bancos centrais.
O SMI constrói-se assim como um arcabouço institucional, onde uma potência hegemônica, os EUA, garante o curso de sua moeda como equivalente geral mundial, estabelecendo uma hierarquia estrita entre seus membros constituintes em favor do mercado, em especial do mercado financeiro.
As conseqüências da flutuação para a periferia
Historicamente, a periferia sistêmica funcionou como válvula de escape para as flutuações do capital nos países desenvolvidos seja sob a forma de mercados para a absorção de crises de superprodução, seja como produtores de insumos cujos preços eram os primeiros a ser achatados nos momentos de reversão do ciclo econômico.
A circulação do capital financeiro em escala global introduziu novas formas de dominação e hierarquização de tais mercados. De um lado, através da entrada de capital na forma de Investimento Externo Direto (IED) produtivo, que, ao mesmo tempo em que estimula o desenvolvimento da produção, coloca fora do controle nacional a administração do excedente extraído e pressiona a balança de pagamentos para a geração das divisas necessárias ao envio dos lucros para as matrizes. Esta é a forma da crise vivida no período de Jango e que resultou no Golpe de 1964 no Brasil e que permanece em aberto, tendo sido potencialmente aprofundada pelo modelo neoliberal de desnacionalização de nossa economia.
Um segundo tipo de conseqüência é gerada pela desnacionalização de grande parte de nosso setor financeiro e pela dependência nacional dos capitais externos (tanto o Estado quanto o setor privado), que implica numa gigantesca punção financeira sobre nosso parque produtivo na forma de juros.
Além disso, juntamente com o desenvolvimento do SMI no último quartel do século passado, dá-se o desenvolvimento dos chamados mercados de commodities, mercadorias padronizadas em escala global, cujo preço passa a ser estabelecido no mercado de futuros sediado em Nova York. Esse tipo de determinação de preços embute em escala global um componente especulativo que afasta o preço das mercadorias de seu valor real (basta que tomemos, por exemplo, o petróleo ou o açúcar), ou que, mesmo refletindo o preço internacional, força a alta de preços internos nos países produtores mais competitivos – seja por estabelecer este preço “na média” mundial, seja por atrelar seu valor ao dólar implicando variações de preço como reflexo das variações da moeda norte-americana. O comportamento de parcelas dos setores produtivos passa assim a espelhar-se na postura especulativa do mercado financeiro, provocando retenção de estoques e/ou desovas que instabilizam ainda mais economias já bastante vulneráveis.
Tais ajustes institucionais amarram o Estado-nação a um “quarto poder” (ou quinto já que a mídia se pretende tão poderosa), pretensamente intocável que garante a soberania do mercado sobre a gestão da moeda. Isto se dá em termos nacionais através da conversibilidade via currency board, que assume os preços internacionais e repõe o problema da conversibilidade nos marcos do velho padrão-ouro, ou através de políticas de manutenção da conversibilidade “a qualquer custo” como forma de manter constante o fluxo de capitais especulativos.
Embora diferente do currency board a livre flutuação acentua o problema inflacionário, internalizando, como inflação, a flutuação externa e facilitando os ataques especulativos de todo tipo, mas em especial os provocados pelos “estreitamentos” do mercado, que possibilitam a alguns bancos jogar pesadamente contra o governo como vimos diversas vezes no final do ano passado às vésperas de vencimento de títulos denominados em dólares.
A própria idéia de um Banco Central independente é contrária à democracia, pois retira da política a possibilidade da condução da gestão do equivalente geral, garantindo a socialização das perdas nos momentos de baixa e o lucro do setor financeiro e das empresas oligopolistas nas fases ascendentes do ciclo. Renunciar ao BC como instituição de controle político por parte da sociedade é renunciar aos últimos laivos de soberania nacional sobre os mercados. É cristalizar as condições assimétricas e fortemente hierarquizadas do mercado mundial condenando o país à posição de colônia informal.
Alternativas para a política monetária
Discutir alternativas em face das condições dadas parece difícil dado o primado do pensamento único. É evidente que gostaríamos de propor um sistema monetário socialista pronto e acabado, mas este não seria socialista, pois teria prescindido da participação social democrática em que os homens encontrassem sua nova medida, e as condições objetivas para tanto estão bastante distantes. Entretanto, algumas idéias podem auxiliar na discreta subversão do atual padrão e outras devem ser lançadas para o debate, tanto em âmbito nacional, como também para os demais países, na expectativa de construir-se uma alternativa viável de restrição das “forças de mercado” e de sua socialização.
Do ponto de vista da condução interna com uma taxa de câmbio flutuante, ao abraçar a sabedoria da teoria econômica tradicional, as atuais autoridades monetárias estão cometendo um imenso equívoco – além de contrariar tudo o que foi dito pelo Presidente Lula durante a campanha.
A idéia de se elevar os juros e restringir o crédito como forma de combater a inflação parte do pressuposto de que esta é provocada por uma demanda aquecida. Mas a condição do mercado brasileiro é justamente a inversa, exceto para os setores astronomicamente ricos que são justamente os beneficiados pela alta dos juros. E também, na economia brasileira qual é o resultado de juros altos? Além da óbvia recessão, nos setores oligopolizados a alta dos juros é automaticamente repassada para os preços como forma de garantir-se a rentabilidade e, voilá, o país é brindado com uma pequena inflação de mark-up(2), e se realimenta com nossa tradição inercialista. Junte-se a isso a cultura alarmista das revistas Veja da vida, e o dragão da inflação está de volta.
Em termos teóricos, os neoclássicos estão desprovidos das armas necessárias a demonstrar como se dá esse processo, mas do ponto de vista marxista podemos propor uma interpretação que implica necessariamente num desajuste estrutural inflacionário: devemos partir da idéia de que a massa total de valores produzidos na economia sob a forma de mais-valia é extraída necessariamente em processos produtivos nos diversos setores e só então repartida nas formas específicas de rendimento – lucro, aluguel, royalties e juros além dos impostos. Disto se deduz que um aumento desmesurado da taxa de juros implica num achatamento da rentabilidade do setor produtivo que se torna paulatinamente e cada vez mais, incapaz de manter sua competitividade por não dispor dos recursos necessários à acumulação ampliada do capital (segundo reportagem publicada na FSP de 16/2, no Brasil, mais da metade da lucratividade das empresas não financeiras é transferido aos bancos na forma de juros).
Tal visão, entretanto, não é a que o capitalista tem do processo. Para ele, o financiamento bancário é visto como custo, e, portanto, ao chegar-se ao limite da reprodução simples, na qual o capitalista entende que estaria “trabalhando” para o banco, sua tendência é de repassar seu “aumento de custos” socializando sua perda através de uma alta nos preços. A restrição ao multiplicador bancário e a alta dos juros da taxa Selic, além de onerar os cofres do próprio governo, empurram a economia para uma trajetória inflacionária que se pretende combater, atuando de forma inversa ao esperado, além de indiretamente, via inflação, achatar os salários. A inflação é, portanto, em parte resultado do conflito distributivo entre os setores capitalistas produtivos e o setor bancário, embora muito em breve alguém vá dizer que a culpa é dos trabalhadores que querem a reposição dos salários.
É necessário contrariar a sabedoria convencional. Já vimos como o vetor inflacionário está fortemente relacionado ao câmbio e às altas taxas de juros. Como combater esse desajuste? Creio que dificilmente encontraremos saídas que estejam relacionadas a “deixar a mão invisível do mercado fazer o seu trabalho”. É necessária a intervenção reguladora do Estado.
Com relação aos preços das commodities, já foi ventilado mais de uma vez na imprensa uma forma bastante simples de evitar a alta dos preços domésticos: deve-se efetuar a introdução de um imposto de exportação que iguale os preços domésticos aos externos de forma a forçar a venda doméstica dos insumos e socializar, através do Estado, os ganhos competitivos, que dificilmente são resultado de tecnologia, pois concentram-se em empresas agrárias ou extrativas. Uma legislação, que facultasse ao Ministério do Planejamento ou da Fazenda esse ajuste fiscal de forma ágil, evitaria a difusão das oscilações de preços para a economia. Isso poderia ser usado até mesmo para se constituir um fundo de subsídio a outros produtos importados que sofrem altas bruscas.
Outro problema que deve ser atacado pela raiz é a alta lucratividade dos bancos brasileiros, que segundo, reportagens da Folha de S. Paulo de meados de fevereiro, atingiam a marca de 24,5% no ano de 2002 – os mais altos do mundo. Isso se deve não só aos altos juros pagos pela Dívida Pública, mas também ao spread (diferença entre o custo de captação e a taxa de juros cobrada dos tomadores) cobrado pelos bancos (25% para empresas e 57% para pessoas físicas ao ano) nas operações privadas.
Esta hipertrofia do setor bancário – cujas receitas ascenderam a R$ 123 Bi, algo como 5% do combalido PIB nacional –, nos dá a dimensão da necessidade histórica de se estabelecer limites à lucratividade desse setor, seja através de impostos, seja através da fixação dos spreads em percentuais que não estejam tão próximos da barbárie e permitam aos capitais produtivos e aos consumidores respirar (quanto da inadimplência da qual os bancos se queixam não é resultado de sua própria política de juros extorsivos?).
A regulação dos desajustes internos, entretanto, não é suficiente. Vimos na primeira parte deste artigo, como a moeda, ao longo da história, foi utilizada como meio de transmissão da renda dos países menos desenvolvidos para os mais ricos, perpetuando a assimetria, e a hierarquização, mundiais.
Os interesses a serem contrariados são colossais. O “mercado”, este ente fantasmagórico antropomorfizado, estende seus tentáculos de forma furiosa sobre as diferentes sociedades que compõem o concerto das nações. No entanto, o “mercado financeiro” pode ser entendido como os interesses de uns 50 grandes bancos e 300 instituições financeiras, além das empresas coligadas. Neste sentido, ele é um inimigo visível e não tão coeso. O oligopólio global é um espaço de cooperação e conflito, onde as empresas buscam posicionar-se junto aos Estados em detrimento de seus adversários, cabendo, portanto, estratégias individuais de cooptação.
A estratégia de criação de uma moeda comum para o Mercosul é válida, mas deve ser entendida como um passo no sentido de um acordo mais ambicioso. Lênin ironizou em seu debate com Kautsky a idéia de criação de uma moeda mundial. De fato, então, as condições históricas não estavam dadas. Em 1944, esta era a proposta de Lord Keynes, derrotada pelos norte-americanos ávidos por estabelecer sua hegemonia global. Hoje, tal idéia impõe-se à ordem do dia junto com o questionamento da arrogância imperial da potência dominante. Esvaziar o poder do dólar é esvaziar o poder da máquina de guerra norte-americana sem se disparar um tiro.
Insere-se evidentemente nessa proposta a Taxa Tobin, como fonte de recursos para reversão dos efeitos do sistema capitalista, mas também como possível método de financiamento da ONU ou de outras instituições internacionais mais democráticas que possam ser construídas. A própria taxa Tobin poderia ser utilizada como mecanismo para incentivar o esvaziamento do dólar como moeda do comércio internacional e direcionamento para uma nova moeda através de alíquotas diferenciadas.
A construção de restrições às finanças globais passa pela construção de uma nova autoridade financeira internacional que possa de fato agir como autoridade regulatória, devendo para isso inclusive deter a capacidade de emissão de uma moeda mundial. Essa autoridade deveria ser composta de modo eqüitativo entre as diferentes nações de forma a não se reproduzir, como no caso do FMI, as assimetrias previamente existentes. Na prática, o FMI transformou-se na correia de transmissão dos imperativos do capital financeiro parcialmente globalizado, mas ainda fortemente centrado nos EUA e em seus sócios do G7, contra o resto do mundo, ditando de forma autocrata, receitas elaboradas segundo o ideário neoliberal e baseadas numa teoria econômica cada vez mais esclerosada, despregada da realidade da dinâmica da economia mundial.
*André Rego Viana é economista e doutorando em sociologia pela FFLCH/USP. O autor agradece as contribuições e críticas da socióloga Milena Bendazzoli ao texto original, evidentemente isentando-a de quaisquer erros e omissões por ele cometidas.
Notas:
(1) Os choques do petróleo ocorreram em 1974 e 1979 devido a decisões por parte da OPEP (organização dos países exportadores de petróleo) de limitar sua produção, forçando assim a alta dos preços o que implicou em ajustes para as demais economias do mundo.
(2) Inflação de mark-up é o termo em economês para o processo de formação de preços onde a empresa em vez de tomar os preços no mercado, determina, devido a seu tamanho ou força, a taxa de lucro que será auferida após a apuração dos custos.
Referências:
Chesnais, François, (1996) A Mundialização do Capital. Editora Xamã, São Paulo.
Marx, Karl; (1984) El Capital: crítica de la economía política. Siglo Veintiuno Editores, 14ª Ed., México DF/Madrid/Buenos Aires.
Oliveira, Francisco de, (1977) A economia da dependência imperfeita. Editora Graal, Rio de Janeiro.
Tavares, Maria da Conceição & Fiori, José Luís, (1993) DesAjuste Global e Modernização Conservadora. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro.
EDIÇÃO 68, FEV/MAR/ABR, 2003, PÁGINAS 42, 43, 44, 45, 46