Receita para um País Olímpico
Ao ser empossado ontem num ministério fortalecido – agora sem a companhia do Turismo, Agnelo saboreou uma vitória particular. Cerca de 400 pessoas prestigiaram a cerimônia, no subsolo do primeiro prédio depois da Catedral. Entre elas, os nadadores Fernando Scherer e Gustavo Borges, o atacante de vôlei Giovane, o tri-atleta Leandro Macedo, o capitão do tetra, Dunga, e o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman. Depois de transmitir o cargo para seu sucessor, Caio de Carvalho elogiou: “Você está de parabéns. Foi uma posse de presidente”.
Médico formado pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o baiano de Itapecetinga, Agnelo dos Santos Queiroz Filho, 44 anos, terá a responsabilidade de chefiar o primeiro ministério exclusivo para o esporte na história do Brasil. Trabalhar com o menor orçamento da Esplanada surge como o primeiro desafio. A estrutura de trabalho só deve ser definida em 45 dias. O cargo de secretário-executivo, porém, já tem dono: Gil Castelo Branco, que acompanha Agnelo há anos num rigoroso trabalho de fiscalização do uso dos recursos públicos.
Nesta entrevista exclusiva, o ministro elege o investimento nas escolas como a principal estratégia para transformar o Brasil num país olímpico. Agnelo pensa em incentivos fiscais, revela proposta para reduzir a dívida gigantesca que os clubes têm com o Estado e promete alterar a Lei Pelé.
O esporte ganha um ministério exclusivo, fato inédito na história do Brasil. A estrutura já está definida?
Agnelo Queiroz – Nosso objetivo é criar três secretarias que possam tratar os grandes temas do esporte no Brasil: de rendimento, em que poderia estar o desenvolvimento de ciência e tecnologia voltado para o esporte; a parte educacional, com o esporte escolar e o universitário; e a de inclusão social e participação. Vamos dar uma grande prioridade a esse instrumento de inclusão via esporte, com projetos extremamente baratos e atrativos. Devido à situação do país, à crise em que vivemos, vamos iniciar os trabalhos com a estrutura atual. Teremos 45 dias para montar uma estrutura definitiva.
Serão mantidos programas do governo anterior?
Agnelo Queiroz – Sem dúvida. Há um pronto, com as Forças Armadas; chamado Força no Esporte. Vamos usar as estruturas físicas e instrutores para atingir áreas carentes de equipamentos esportivos. Há outras propostas de democratização, iniciativas que foram tomadas, como a moralização do futebol e o programa Esporte Solidário, que vamos aperfeiçoar porque é muito limitado. Estamos tratando de uma política nacional, de governo. Tem de atingir milhões. Conversei com o Conselho Nacional dos Atletas sobre a Bolsa-Atleta, um projeto que está redondo, depois de dois anos debatendo com os atletas. Não precisa nem de regulamentação. Hoje, antes da aprovação concreta, temos R$ 3 milhões para o projeto.
Como driblar a falta de recursos?
Agnelo Queiroz – É muito pouco, mas temos planos ousados para ampliar o orçamento. Já era uma angústia nossa. A lei das loterias (Lei Agnelo-Piva, que direciona 2% dos recursos das loterias para o esporte olímpico e para-olímpico) é um sinal disso. Garante um recurso para o desporto olímpico e para-olímpico de cerca de R$ 50 milhões por ano, o que para o Brasil é muito. Principalmente porque não se trata de garantir recursos só em ano de olimpíada. Vamos ampliar as fontes de financiamento, sabendo dessa situação econômica difícil que vivemos. Temos uma proposta de incentivo fiscal ao esporte, nos moldes da Lei Rouanet, para demonstrar que abrir mão de determinada receita pode ser um grande investimento. Um bom exemplo é o projeto Esporte Solidário, que gasta R$ 20 por criança por mês. Um presidiário custa R$ 300, R$ 400 por mês. Então, vale a pena. Vamos também pensar no bingo como receita para o esporte.
Mas o bingo é um grande problema. Sempre houve casos de corrupção e desvio de dinheiro…
Agnelo Queiroz – Precisamos de uma legislação federal, e não uma legislação estadual, que é inconstitucional. Temos a idéia de a Caixa Econômica Federal assumir definitivamente os bingos porque tem experiência e seriedade. Se for algo organizado, nacional, com as cartelas numeradas, que possibilite uma fiscalização maior, a Caixa topa. Sobretudo porque vamos discutir o percentual que vai para o Ministério, em torno de 9% para o Fundo do Esporte. O resultado social do bingo compensaria.
O último levantamento sobre número de quadras, ginásios, piscinas, professores e escolas de educação física foi feito em 1971. Haverá um novo censo?
Agnelo Queiroz – Como é que você faz uma política de esporte com dados de 30 anos? Queremos fazer uma nova pesquisa, com a ajuda de federações e do próprio IBGE. Nessa avenida que é o esporte educacional, queremos dar uma preferência de recuperação de quadras nas escolas, de forma que a comunidade possa utilizá-las nos fins de semana. E vincular sempre com a instrução e com o treinamento regular. Isso ajuda a manter a escola. Não é chegar lá, quebrar e ir embora. Quem treina todos os dias ajuda a preservar.
Haverá, então, uma ligação muito grande entre os ministérios do Esporte e da Educação. O fato de o ministro da Educação, Cristovam Buarque, ser, como o senhor, um político de Brasília ajuda na parceria?
Agnelo Queiroz – Ajuda demais. Na primeira reunião ministerial, antes da posse de Lula, falamos muito em funcionar em equipe. Todo mundo sabe que, no governo Fernando Henrique, havia uma completa dicotomia das áreas. Conheço o Cristovam, já trabalhamos juntos, e isso vai facilitar um entrosamento maior na questão do esporte como parte do plano pedagógico da escola. Outra idéia é reforçar os jogos estudantis, com etapas estadual e nacional e premiação, também no caso dos universitários.
Existe uma preocupação, entre atletas e dirigentes, de que o governo petista priorize a inserção social e esqueça o esporte de rendimento…
Agnelo Queiroz – Dar prioridade à inserção social não significa colocar em segundo plano o esporte de rendimento. Principalmente porque o esporte de rendimento será o grande instrumento de estímulo para o esporte social. Um atleta de referência que seja um propagandista da nossa política é fundamental para o sucesso do programa de estímulo para nossa juventude. Também tem a auto-estima do país, a unidade nacional, trazer os grandes eventos, ser referência mundial.
Isso significa apoio financeiro para os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio?
Agnelo Queiroz – Será fundamental. Temos o compromisso público do Lula para ajudar. É um investimento que se paga com os próprios Jogos e fica para o Brasil. Vamos ter uma atitude positiva, ofensiva, determinada, e não de espectador. Queremos trazer também uma olimpíada, uma copa do mundo e os campeonatos mundiais das modalidades. Vamos nos antecipar, saber o que precisa para se credenciar, que investimento fazer agora.
O esporte de rendimento, hoje, no Brasil, depende do patrocínio de várias empresas estatais. Esse apoio financeiro do governo para as confederações será mantido?
Agnelo Queiroz – Tem de haver uma relação profissional. A empresa vai discutir o custo e benefício do patrocínio. Não tenho dúvida de que é importante colar a imagem da empresa com a do esporte e ganhar dinheiro com isso. O Banco do Brasil é o maior exemplo. Ganhou carteiras novas, diminuiu a faixa etária de seus clientes. Isso é uma estatal investindo em seu povo e ganhando dinheiro. Há certas áreas que não têm esse retorno econômico. Aí é que entra o Estado para fazer as análises. Não se pode pegar todo o recurso publicitário para fazer doação.
Qual será o papel do Ministério nas votações da MP 79/2002, que trata da moralização do futebol, e do Estatuto do Torcedor?
Agnelo Queiroz – Nossa visão é dar prosseguimento a essas iniciativas porque elas vão ao encontro do objetivo da sociedade, que é a moralização do futebol. Com o Estatuto, não é só o torcedor que vai ser beneficiado, mas o clube também. Somos os melhores do mundo dentro de campo, temos de ser também fora de campo, seja na defesa do cidadão ou na administração dos clubes. Prestar contas é fundamental. Vamos tratar isso em um âmbito mais geral, que é o Estatuto do Esporte, para aglutinar toda a legislação, não só no futebol, mas em todas as modalidades. Aí você tem estabilidade jurídica e instrumentos de fiscalização, até com a participação do Ministério Público, da Justiça.
Mas Eurico Miranda, presidente do Vasco, disse que não vai prestar contas, como exige a MP do futebol…
Agnelo Queiroz – Vai sofrer as sanções da lei. O clube é privado, mas tem um interesse público. Então tem de dar satisfação ao público. Mas quero também dialogar, saber como fazer para melhorar a saúde financeira dos clubes. Vou adiantar aqui uma proposta, sobre a situação de endividamento dos clubes com o próprio Estado. Queremos discutir o pagamento dessas dívidas com a troca de programas sociais do clube. Você já imaginou o que seria uma escolinha do Flamengo no Piauí, dirigido e pago por eles? Seria um sucesso extraordinário. O clube pode fazer isso com o futebol e com outras modalidades.
É possível acreditar no esporte como prioridade?
Agnelo Queiroz – Agora temos um ministério específico. O próprio Lula disse ser um apaixonado pelo esporte e pediu para acioná-lo para ajudar nas parcerias que vamos fazer. E vou acionar muito. Será justamente em um governo de esquerda que ficará marcada na história do Brasil a importância do esporte. Estamos ainda muito longe de enxergar como os países desenvolvidos enxergam o esporte. Mas podemos estabelecer as bases que tornem irreversível o desenvolvimento do esporte no Brasil em todas as áreas, com o desenvolvimento humano. Como conseqüência disso, vamos ganhar muitas medalhas, vamos virar um país olímpico.
EDIÇÃO 68, FEV/MAR/ABR, 2003, PÁGINAS 64, 65, 66