Pudesse Altamirando explicar para Eleonora o que se passara no bar, poderia ao menos tirar esse peso do coração e, na melhor das hipóteses, dormir na sala, e não na rua.

      Depois do expediente, Altamirando, como de costume, foi limpar o peito com uma loura no bar. Supergelada, ela já estava encomendada ao telefone pelo Zeca, amicíssimo do peito nas boas e más horas da vida, enquanto ele, Altamirando, tomava a ducha indispensável no vestiário.

      Enquanto rolava umas azeitonas, uns tremoços e alguma pinga, chegou Jussara, mulata de seus um metro e setenta, bunda redonda, pele preta retinta, boca só carne, cabelo pela cintura – um pecado que deus pôs no mundo só pra tenta nossa fraqueza.

      Como todo mundo, Altamirando olhou a nêga de tudo que foi ângulo. E pensou: "ah, se eu fosse solteiro…".

      – E qué que tem? – perguntou Zeca.

      – Tem muito, meu chapa. Com Eleonora é assim: mijou fora do pinico, pode arrumar as malas, meu nêgo, e bunda de ema procurar sua turma.

      – Mas ela não precisa saber.

      – Eleonora sabe de tudo.

      – Conversa.

      – Tô falando. Aquela ali sabe até o que eu tô pensando, véio.

      – Não acredito!

      – Tô dizendo.

      – Não, cara, é… ela tá vindo pra cá!

      – Quem, Eleonora?

      – Oi.

      – Jussara!?

      – Posso sentar.

      – Onde?

      – Na cadeira… pelo menos por enquanto…

      – Po… pode, ué. Quer dizer… Ô Chico, mais um copo!

      – Já tenho o meu!

      – Chico! Suspende o copo!

      – Todo o dia eu venho aqui e você não me convida pruma cerveja.

      – É mesmo? Pôxa, sabe que… é que… bom, a gente…

      Ela ri. Chega bem perto da boca dele e diz:

      – Sabe que eu sou chegada em homem assim… indefeso?

      – É? Veja como são as co…

      – Altamirando!!

      Era Eleonora da porta do bar, mãos nos quadris, faíscas nos olhos cor de melado. Avança rebolando fortemente as ancas generosas, pára de braços cruzados diante da mesa. Jussara bebia tranqüila sua tulipa de cerveja. Fazia que nem era com ela o babado.

      – Altamirando da Costa Ribeiro, posso saber o que o senhor faz aqui com essa fulana?

      – Nôra, deixa…

      – Deixa o cacete! Tá pensando que eu sou o quê?

      – Não é…

      – Não me diga "não é o que você está pensando", Altamirando! Não é questão de pensar, é questão de ver! Explique-se!

      – Bom, nêga…

      – Nêga o escambau! E você, mocinha, vê se dá em cima de homem sem compromisso, que esse aqui tem dona, ouviu?

      – Não fala assim, bem…

      – O que é? Vai defender essa aí, vai? Agora cê deu pra defender puta?

      O tempo fechou. Jussara bebeu de um gole o resto da cerveja. Levantou-se com as duas mãos espalmadas na mesa e inquiriu:

      – Me chamou do quê?

      – De puta – foi a resposta cuspida.

      Zuniu o primeiro sopapo. Eleonora, face esquerda em fogo, agarrou nos cabelos inimigos e as duas foram pro chão. Altamirando, querendo apartar, tomou dois bofetes que viu estrela e perdeu o rumo. Zeca entrou no imbróglio só pra tomar um ponta-pé no saco que o paralisou para o resto da noite.

      Depois de muito bolarem no assoalho do bar, foram apartadas. Jussara tinha o lábio rompido, donde escorria um filete de sangue. Eleonora tinha a cara lanhada a unha e um olho roxo. Ambas estavam desgrenhadas e com algum rasgo nos vestidos.

      Jussara ainda dava pernadas enquanto era arrastada para longe do boteco. Eleonora ficou de pé no meio da roda de homens. Zeca continuava, olhos arregalados, dobrado sobre si perto dos banheiros. Altamirando tinha sumido.

      Já noite alta, enfiou a chave na porta da frente. Quando virou a maçaneta, cadê abrir? A mulher tinha passado o ferrolho por dentro.

      – Nôra! Abre a porta, nêga! Sou eu, Tatá.

      Silêncio. Depois de inúmeros chamados, sentou na soleira, fincou os cotovelos nos joelhos e esperou o dia amanhecer. Pudesse explicar-se, dormiria ao menos na sala, junto com Xodó, o gato.