Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    Comunicação

    Sem jeito a dar

          Tendo o dia acabado tão mal, como Durvalina podia estar em paz? A jornada até que começara bem, com o sol e a notícia da chegada da encomenda que fizera a Humberto de Mariana, filha de Quim. Mas aí, foi o marido chegar, a coisa começou por não prestar. O homem entrou em casa […]

    POR: Redação

    4 min de leitura

          Tendo o dia acabado tão mal, como Durvalina podia estar em paz? A jornada até que começara bem, com o sol e a notícia da chegada da encomenda que fizera a Humberto de Mariana, filha de Quim. Mas aí, foi o marido chegar, a coisa começou por não prestar. O homem entrou em casa daquele jeito, chumbado. Disse umas duas asneiras, implicou com os miúdos, fez careta pra janta.

          "Que foi, Zé Inácio", foi a pergunta feita por ela de mãos na cintura e olhar de esguelha e "Teréssa! Assunto meu!", foi a resposta mal-criada e pastosa que ele conseguiu dar do meio da sala, onde bamboleava.

          Ficaram assim se olhando, ela com os braços a modo de asa de cântaro, ele de ombro direito caído e mão pendente.

          – Tá olhando o quê?

          – Sua cara lisa.

          – Olha como cê fala, Durvaliina…

          – Eu falo o que eu quiser, porque essa boca aqui é minha que deus me deu foi pra é falar o que penso e acho.

          – Não me estorva, não, que eu hoje tô é com a moléstia!

          – Cê tá é com a cachaça, isso sim. Pensa que não lhe conheço? Qué que se passou pra tu encher assim a cara?

          – Já disse que é assunto meu; de macho. Tem nada que mulher se meter.

          Durvalina olhou pela janela:

          – Cadê as mula?

          – Qué que tem as mula?

          – Quedê que não vieram?

          Silêncio.

          – Fala, homem! Cadê as mula?

          – Vendi.

          – Vendeu?

          – Vendi.

          – Como vendeu, Inácio? Cê enmalucou?

          Zé Inácio se pôs a chorar. Botou as mãos na cabeça e começou a gemer "ai, minhas mulinha! Ai minhas mulinha! Tadinha delas, Durvalina", que a mulher se apavorou:

          – Inácio, qué isso homem de deus!? Inácio, homem, se controle! Nininha, minha fia, corre ali e chame seu Jaime! Corra! Fale comigo, Inácio. O que foi, rapaz?

          – As cobra, Durvalina.

          – Que tem as cobra, homem?

          – As cobra picou minhas mulinha.

          – Valei-me, minha santa…

          – As bichinha tão lá estirada no pasto… ô, meu deus…

          Chegou seu Jaime, o farmacêutico. Ouviu a história e só pode balançar a cabeça.

          – O que vai ser de nós, seu Jaime? – perguntou Durvalina – Aquelas mula era o que nóis tinha pro de comer. E agora?

         – Agora é botar esse homem pra dormir. E não posso dar nada. Se misturar com a cachaça é capaz d'ele bater com as nove. Deita aí, Ináço. Deita homem. Assim. É, eu sei. Mas tudo se ajeita. Isso. Amanhã, quando ele acordar, a senhora me chame. Boa noite.

          Durvalina olhou o marido largado na rede. Mirou os filhos. Depois, foi pra porta, mão no queixo, e ficou lá pensando em tudo, mas pensando em nada. Ao fim, vaticinou:

          – É bem verdade: quando o urubu tá com azar, o debaixo caga o de cima e ainda ri.

          Sentou na soleira e nem pôde chorar.