Onofre
Onofre acordou muito assustado, teve sua noite atormentada por terríveis pesadelos. Durante toda a madrugada teve sonhos envolvendo mortes assustadoras, sonhou com pessoas que já morreram, com dentes que caiam (antigamente sonhar com dentes caindo era sinal de morte na família) e finalmente com sua própria morte. Foi uma morte demorada, primeiro passou por uma grave doença que começou com uma tontura e fortes dores de cabeça, agravou-se sua gastrite a ponto de transformar-se em uma feroz úlcera e por fim sofreu um fulminante ataque cardíaco.
Onofre sentou-se na cama de sobressalto e encharcado de suor. E apesar de só ter 30 anos entrou em pânico. Passou o dia preocupado, tudo era motivo para achar que estava à beira da morte. Passaram-se os dias e sua fixação aumentava. Numa tarde, quando passeava com sua companheira, quase foi ao chão com uma forte tontura. Todas as imagens que já haviam se esmaecido em sua memória voltaram com muita intensidade, lembrou de todo o sonho, da dor de cabeça, do dente que caia, da tontura.
Desesperado foi imediatamente ao médico que lhe solicitou diversos exames. Daí até sair o resultado foi como se passasse uma eternidade. Todos os dias Onofre cortava alguma coisa que pudesse complicar sua saúde. Nas rodas de amigos era sempre "não posso isto, não posso aquilo, tenho que cuidar da minha saúde, abusei muito nestes últimos cinco anos, não devo viver muito, talvez o médico diga que só tenho vinte anos ou menos, aquela tontura vai acabar comigo".
Outro dia os amigos foram ao samba, local que a presença de Onofre era quase religiosa. Ele não estava. No outro dia perguntaram por que e ele disse que as noitadas e a cerveja eram prejudiciais à sua saúde, não podia continuar com aqueles exageros. E já imaginava o que ia perder se morresse dali a vinte anos.
Um dia destes encontraram Onofre de pé na frente de uma igreja evangélica. Com um daqueles jornais de péssimo gosto, mal diagramado e poluído visualmente na mão, Onofre parecia um pêndulo, desanimado, balançava de um lado para o outro e, com um olhar perdido, estendia o jornal para as pessoas que passavam e não o pegavam. Foram falar com ele.
– Onofre?
Seu olhar fixo para o infinito não enxergava ninguém. Passaram a mão espalmada pelos seus olhos e repetiram.
– Onofre? Oh Onofre. Tudo bem com você?
Depois de algumas insistência ele olhou.
– Ãããhhh!?
– Você está bem?
– Ah! Estou sim. E vocês?
Respondeu ainda com aquele olhar de quem tem certeza de que vai morrer.
– Você recebeu o resultado dos exames?
– Ainda não. Semana que vem. Mas agora estou com deus.
– Oh rapaz, cê nem sabe se está doente. Para com estas coisa. Tô sabeno que você não foi mais pro samba. Craudete te procura toda noite, daqui a pouco num vai mais te procurar. Logo você, Onofre, que nunca faltou no samba.
– Não preciso mais disto, agora estou na paz do senhor.
– Ih Onofre. E o jogo do Curintia? Cê vai né? Num vem me dizer que num vai mais ao estádio. Olha, Onofre, até deus tem time.
– Não cometa sacrilégio! Já te disse, vou morrer tenho que pensar nas coisa lá de cima.
– Mas Onofre, você nunca foi dado a este tipo de coisa, rapaz!
E assim passaram os dias. O dia de retirar os exames e o dia de entregá-los ao médico também vieram. Diante do doutor, Onofre impaciente pergunta "e aí doutor quanto tempo eu tenho?".
O doutor acostumado com neuróticos tal qual nosso amigo, fixa bem o olhar em seu paciente e diz com toda aquela seriedade e pompa que só os médicos têm.
– Pois é Onofre, o caso é realmente sério e imagino que você já tenha percebido.
– Tudo bem doutor. Estou preparado, pode me dizer quanto tempo tenho.
– Você tem exatamente seis, Onofre.
– Seis doutor, seis o quê? Seis anos, seis meses, seis semanas, seis dias? E o médico com um ar de galhofa responde olhando para os segundos do relógio:
– Seis, cinco, quatro, três…
Neste momento Onofre foi ao desespero.
– Vou morrer! Vou morrer!
– Calma Onofre, foi só uma brincadeira. Você não tem nada meu filho. Seus exames não deram nada a não ser…
– A não ser o quê?
– A não ser gazes.
– Gazes? Perguntou Onofre misturando sentimentos de alegria e vergonha por ter pago tanto mico (como dirão seus amigos).
– E o que devo fazer doutor?
– Peidar meu filho, peidar.