Saiu estressado do aeroporto. Vinha de uma palestra que acabou não acontecendo. Passara o dia na cidade zanzando, porque não tinha vôo antes da noite. Um inferno.

      Pensou em pegar um ônibus. Depois pensou na demora que ia ser para chegar em casa. "Vou de táxi", decidiu.

      Um senhor baixo, cabelos grisalhos há muito solicitando um corte, bigode basto cobrindo os lábios, era o primeiro na fila do ponto. "Já vi tudo: chego em casa só amanhã".

      – Está livre? – perguntou ao motorista

      – Sim, senhor.

      Embarcou. O gol carecia de um banho. Mas tudo bem. O cheiro por dentro até que não era ostensivo. Passados minutos de trajeto, o velho soltou dois palavrões. Era daqueles que dirigiam xingando todo mundo. Era corno pra cá, puto pra lá, viado do caralho por aqui, zé buceta por acolá.

      Na avenida Pedro Álvares Cabral disparou:

      – Ped'Alves Cabral… Grande sem-vergonho!

      – Como?

      – Na minha época de quartel, tinha lá um cabo metido a sabedor de história. Falou os lures desse Cabral. Eu, que não ia com as fuça do sujeito, disse a ele que esse Cabral era o maior safado da história. De herói não tinha era nada. Trouxe pra cá um bando de puta, de ladrão, de gente que não presta. Depois trouxe os preto. Por isso que essa merda tá o que tá.

      "Puta que pariu! Além do furo em Goiânia, tem ainda esse velho desbocado e racista. Eu mereço".

      – Ganhei foi cadeia por três dias. Mas deixe que eu mais um amigo armamo pra ele depois. Enchemo o cu dele de cachaça. É, seu cabo, o senhô devia subir de patente, você sim é comandante e essas coisa pra enrolar melhor o cidadão. Rapaz, o cabra ficou bêbo e aí nós chamou a PE. E com a PE não tinha acerto. Foi preso e ainda tomou sabão do coronel – riu um riso gutural de prazer – Aquele preto safado. Que ele era preto também, aquele um. Vei mexer comigo, taí, conheceu. Que lá na minha terra a gente prefere gastá uma bala a perdê tempo com bicho ruim.

      "Vou saltar. Que cara filho da puta. Aposto que é malufista, quer ver?"

      – Buraqueira, hein? Qué que o senhor tá achando da Marta?

      – Da prefeita?

      – É.

      – Olhe, eu votei no Malufo. Mas ela tá recapeando aí as rua, botô perua pra levá os minino pra casa… Acho que vai indo aí.

      – É. Mas, e os ônibus? Teve aumento aí outro dia, não foi?

      – Esses dono de empresa são é uns safado. É só vinde a mim e ao vosso reino nada.

      – Mas a greve foi dos motoristas?

      – Tá! Conluiado com o patrão. Assim qualquer um faz greve.

      – E a taxa de lixo.

      – Isso é uma safadeza! Veja que o cidadão trabalha só pra pagar imposto? Mas, quer saber, esse povo também é tudo uns bosta. Tem que se fudê mesmo. Bando de analfabeto: descasca uma bala, joga na rua; come fruta, joga na rua. E mija nos canto. E até fralda de merda de minino joga nos córrego. Tá até certo cobrar.

      – Então o senhor apóia a prefeitura?

      – Olhe, seu minino, não é que apóie não. Aquela história de casamento de viado, por exemplo, isso não admito. Que deus fez macho e fêma é pra encaixá nos devido conforme. Briôco é pra cagá, não é pra dá. Agora, enquanto ela tiver fazendo aí umas coisinha, a gente não acha ruim não.

      Chegaram na Pompéia.

      – Quanto?

      – Vinte e sete e vinte. Vixe! Acho que não tenho troco. Olha aí, não tenho.

      Olhou bem pra cara do velho. "É mesmo um filho da puta. Vai me levar trinta conto numa viagem que não vale nem os vinte e sete".

      – O senhor tem recibo?

      – Tenho.

      – Então põe aí trinta.

      – Quer que ponha mais?

      Enquanto o velho preenchia o recibo, ele o mirava, com um misto de raiva e curiosidade.

      – Não, põe só trinta mesmo.

     – Prontinho. Muito obrigado e uma boa noite.

      Pegou o recibo. Enquanto o carro arrancava, ficou ali na calçada pensando um mundo de paradoxos.