Ela havia perdido seu avião e com ele sua passagem de primeira classe para Florianópolis. Como seu compromisso era inadiável foi forçada, e muito a contra-gosto, a comprar uma passagem na rodoviária de São Paulo. Claro que ela mandou seu empregado até ao terminal rodoviário. Do guichê ele liga dizendo que o ônibus leito estava lotado e que, para o horário que ela precisava, só tinha um ônibus convencional. Daqueles que vão parando em todos os lugares, param até na vendinha de dona Cremilda para comprar uma maria-mole para o motorista. É verdade, em Joinville tem uma vendinha e a dona se chama Cremilda. A Maria-mole dela é muito boa.

      Indignada pela imposição do compromisso e mais ainda por ter que usar suas roupas compradas em Paris numa condução de quinta categoria, ela foi forçada a viajar no tal ônibus.

      Pulemos então todos os impropérios ditos por ela de seu escritório na Paulista até a Rodoviária do Tietê. Pulemos também aqueles que saíram de sua boca do estacionamento, onde foi deixada por seu motorista, até o banco do ônibus já em movimento, saindo de São Paulo. Falemos apenas que ela teve que atravessar todo o terminal se equilibrando com seu salto Luiz XV, carregando sua pequena bolsinha, de óculos escuros, repondo em seu ombro a todo o momento o xale de seda e se esquivando de todos os vendedores ambulantes que encontrava pelo caminho.

      O ônibus já ia a "todo vapor" pela rodovia. Era noite e muitos já dormiam (dava para saber pelo ronco), quando o motorista parou a condução e informou que devido à duplicação da BR 101, ele teria que ir pelo interior de Santa Catarina. Informou que a estrada que pegariam estava esburacada e pediu paciência aos seus passageiros. A maioria não se preocupou com o desvio, mas uma pessoa teve certeza que não estava em um de seus melhores dias. Mas ainda tinha muita água para rolar, não digo bem água. Quando o ônibus entrou no desvio todos perceberam que a estrada de chão era cruel. Ela descobriu o que era estrada de chão. Descobriu também que sua menstruação estava pronta para descer e que ela teria que fazer uma manobra feminina e rápida para não sujar a roupa. Quero pedir desculpas a todos pelas palavras que terei que usar em determinados momentos, mas não poderei evitá-las, como por exemplo esta de sujar a roupa, queira ou não é uma verdade.

      Certo. Rapidamente, na medida do possível devido aos seus saltos, ela levantou segurando em tudo que podia e foi até o minúsculo banheiro daquele ônibus que não parava de balançar. Bateu-se para um lado e para o outro mas chegou onde queria. Dentro do toalete ela mal podia se curvar e o máximo que conseguiu foi 15 graus. Baixou sua saia com uma só mão, a outra segurava no puta-merda, aquele gancho feito para nos agarrarmos e evitar uma queda. Com a saia baixa, a bolsa numa saliência da parede que insistem em chamar de pia, ela retira delicadamente o absorvente de sua bolsinha, neste momento o carro passa por um buraco e projeta seu corpo para frente e para traz ao mesmo tempo. "Puta-merda", era ela agarrada ao gancho, o rosto colado no espelho e o modess na outra mão. Com muito cuidado ela abriu o pacotinho menor do objeto, retirou o protetor do adesivo, baixou a calcinha aos poucos, uma baixada, uma segurada no gancho, outra baixada, outra segurada. Os buracos não davam trégua, suas pernas amarradas por aquela saia justa (nos dois sentidos convenhamos) e por aquela minúscula calcinha, as esbarradas nas paredes era inevitável, seus cotovelos, muito usados para se protejer, já doíam. Com o absorvente em uma das mãos, ela foi para a primeira tentativa de colocá-lo na calcinha. As mulheres que lêem este texto sabem perfeitamente que é quase impossível colocar absorvente com uma única mão. Estou certo? Pois bem, nossa amiga percebeu isto logo e teve que ir à luta. Tirou de vez a saia, colocou um pé numa extremidade do banheiro e o outro na extremidade oposta. De pernas bem abertas, ela percebeu que a calcinha subira e, com a inclinação que estava não havia possibilidade de colocar o objeto. Fechou mais as pernas, o ônibus passou em outro buraco e novamente ela perdeu o equilíbrio e quase enviava a mão no vaso sanitário. Quando olhou para espelho, viu que o modess estava grudado em seu rosto, tirou violentamente dominada de raiva, o ônibus passou no buraco e absorvente foi para o vaso.

      Ela abriu de novo a bolsa, o ônibus no buraco e sua unha quebrada, o ônibus no buraco e seu xale de seda no chão úmido do banheiro. O batom em sua boca já estava na altura da orelha, seu penteado era coisa do passado, seu taileur amassado e seu humor arrasado.

      Com o absorvente de novo na mão, ela retira a proteção do adesivo e vai para uma nova tentativa. Um animal estranho passa correndo na frente do ônibus, o motorista freia bruscamente, ela se desequilibra e o absorvente sai de sua mão para ficar grudado no teto do banheiro.

      Ela já sentia algo escorrer por sua perna e, antes da terceira tentativa passou a mão, o ônibus no buraco, sua mão no espelho e atrás dela o rosto. Agora com uns tons de vermelho no rosto ela parte para a nova tentativa, depois de muita dificuldade consegue dobrar a aba do sexto modess na calcinha. Quando vai levantar a saia, outro buraco faz com que ela passe as unhas na perna e rasque a peça produzida em Paris.

      Depois de muito esforço, de muitos modess grudados pelas paredes do banheiro e completamente suada, ela consegue se compor. Sua blusa branca por baixo do taileur sujo, está mais imunda que um pano de chão, sua saia rasgada, seu rosto sujo de sangue, seus cabelos despenteado, seu batom borrado, sua perna arranhada, seu humor lá em baixo, mas ela sobe no salto Luiz XV e abre a porta do banheiro. A luz por traz dela dá um ar de superioridade, de ficção (tipo Allien, o retorno) e, a pesar de todos os olhares, ela sai majestosa e imponente, como estivesse em uma passarela, desfilando para a multidão.