No tempo de uma educação rigorosa, muitas vezes autoritária, pois que o País vivia sob o regime autoritário, a professora costumava conferir o asseio nos cadernos e verificar se os alunos deixavam orelhas nos livros, muito dos quais se conservavam impecáveis até o último dia de aula, alguns, por não serem utilizados. Quando além das orelhas, o aluno tinha que explicar um borrão, uma mancha; a vida desse pobre se transformava num inferno, pois a professora tomava explicações perante a classe.

      Por essa época, líamos "A vaca voadora", a história de uma certa vaca que tomou um elixir de levitar. Meu pai, vendia salsinha na feira e exigia que eu o acompanhasse, o que me rendeu o apelido de salsinheiro.

      Estava então o salsinheiro sentado no caixote, lendo "a vaca voadora", quando um feirante que mexia com o óleo do caminhão, com suas mãos ásperas, tomou bruscamente o livro e disse conhecer a autora. Folheando, contou toda a história e dizia que alguns detalhes foram de sugestão sua. Eu, entusiasmado com a história, não percebia que o livro estava ficando em petição de miséria.

      Chegou o dia em que a professora, e toda a classe, aguardavam a minha justificativa e, por um lapso de tempo, talvez eu tenha pensado em falar a verdade, mas, a verdade é que todos os olhares voltados para o meu constrangimento, pareciam já sentenciar eu ter feito aquilo com as próprias mãos e, a verdade realmente, pareceria fantasiada. Demorei infinitos segundos para soltar o desgastado argumento repisado pelos alunos: "deixei o livro na mesa e minha irmã menor pegou e…"

      A professora fez um pequeno sermão, aproveitando para advertir a todos os que "esqueciam os livros em cima da mesa" e deu logo o assunto por encerrado. Acabou o ano letivo e a verdade é que nunca mais encontrei o feirante, a professora ou uma vaca que voasse.