– Vem meu amor.

      A mulher puxava uma coleira em direção a uma clínica. Parou e esperou o xixi.

      – Agora vamos. E foram. Ela puxando a coleira.

      Na porta da clínica:

      – Desculpe senhora, mas é proibida a entrada de animais.

      – Como proibido? E que animal você está vendo aqui?

      – Proibido, proibido, minha senhora. São normas da firma. Disse o segurança.

      – Você não está entendendo meu senhor.

      – Estou sim minha senhora. O doutor psicólogo me pediu para não deixar entrar animal na crínica dele.

      E a senhora no ouvido do segurança.

      – Não me force a falar alto meu senhor. Olhe melhor para o tal animal.

      E o homem olhou. Enquanto a mulher continuava baixinho, mas incisiva.

      – Não é um cachorro meu senhor. É meu marido. E se aqui é uma clínica de um psicólogo como o senhor mesmo falou, deveria ter desconfiado.

      – Oh! Me desculpe, mas é que está tão parecido.

      Neste momento o cachorro, digo o marido, latiu para o guarda.

      – Au, au, au, au.

      – Calma Alfredo.

      E assustado o guarda libera:

      – Pode entrar com o seu cachorro, digo, seu marido senhora.

      No hall da clínica, a mulher é abordada por uma recepcionista.

      – Minha senhora não é permitido…

      – Humm (forçando um sorriso). Não é um cachorro é meu marido.

      – Desculpe minha senhora.

      Depois de esperar uma meia hora a recepcionista, dirigindo-se para a mulher, indica o consultório e pede para que ela se dirija para lá com o seu cachorro, é, digo, com seu marido.

      Enquanto ela abre a porta e entra na sala, o médico, olhando a ficha em suas mãos, se aproxima todo sorridente:

      – Bom dia dona, dona, Cremi, Cremi…

      – Cremildina, bom dia. Forçando outro riso e continuando.

      – Meu pai era muito bem humorado.

      – Ah sim! Que cachorrinho lindo.

      – É sobre ele que venho falar com o senhor.

      – Desculpe dona Cremitina. Posso chamá-la de Tina, é um diminutivo carinhoso e muitos amigos
seus devem lhe chamar assim. E cutucando a mulher com um sorriso no rosto. Não estou certo?

      – Não! Porque meu nome não é Cremitina é Cremildina. E o médico, meio encabulado:

      – Ah! Desculpe. Bom, mas como estava dizendo, não atendemos animais, a senhora deverá ir a um veterinário. Veja, tenho inclusive um amigo meu que a senhora pode…

      – Meu senhor eu acho que o senhor está precisando de um psicólogo. Este não é um cachorro, é meu marido.

      – Ah desculpe minha senhora. É mesmo, vejam só, mas parece um cão policial. E a mulher mais tranqüila:

      – É porque ele era da polícia.

      – Ãããã! Mas como isto aconteceu? Chegando a mão para acariciar a cabeça do cachorro…

      – Marido!

      Digo, do marido da mulher.

      – Au, au, au.

      – Nossa ele morde?

      – Não. Só se estiver com fome. Mas eu acabei de alimentá-lo.

      – Certo. Como isto começou?

      – Bem doutor. Como já lhe disse, meu marido era um policial e, como todo policial, trabalhava muito e ganhava pouco. Honesto como um cão, nunca foi de se vender, nunca se deixou corromper, achava errado ter um outro emprego, de guarda ou do que quer que fosse, não extorquia, não roubava, não saia da linha. Eu não trabalhava, pois perdi meu emprego e, como já tenho mais de quarenta anos, não consegui mais trabalho.

      – Entendo. Acompanhava o médico.

      – Bom, as coisas foram ficando cada vez mais difíceis, os preços aumentavam o salário se reduzia. Com as dificuldades tivemos que improvisar. Passávamos as folgas do cachorro, digo, do Alfredo pensando em alternativas para esticar o salário. Foi aí que tivemos uma idéia de venda. Passamos uma semana vendendo o almoço para comprar a janta, a segunda semana vendendo a janta para comprar o almoço. Vendemos tanto que ninguém mais queria comprar. Todos já tinham almoço ou janta, menos nós. Começamos então a vender promessas. Pegávamos dinheiro em troca de promessas de um dia pagar. Pegávamos, pegávamos e pegávamos. Prometíamos, prometíamos e prometíamos tanto que um dia as promessas foram ficando escassas e ninguém mais queria, nem deus acreditava mais. Começaram até a nos evitar para que não oferecêssemos mais nenhuma promessa. Depois disto, sem dinheiro e com um monte de dívidas começamos a viver de juros. Pegávamos dinheiro dos parentes, que são os últimos a perder as esperanças, e jurávamos que um dia pagaríamos. Mais dinheiro e mais juros. Jurávamos, jurávamos e jurávamos. Juramos tanto que os parentes desistiram da gente. Mudaram de nome e de cidade. Por fim resolvemos vender sonhos.

      – Aquele bolinho.

      – Não doutor, sonhos mesmo, dava mais dinheiro. Vendíamos sonhos e mais sonhos, sonhos e mais sonhos. Só que duravam pouco tempo, logo viravam pesadelos e nós perdíamos os clientes.

      – Compreendo.

      – Pois é doutor. Tudo isto foi subindo à cabeça do cachorro…

      – Alfredo.

      – Digo, do Alfredo. Ele começou a entristecer, não sabia mais o que fazer, tínhamos utilizado tudo o que conhecíamos, não tínhamos mais nenhuma idéia. Passamos muitas necessidades nestas semanas. As coisas pioraram quando ele viu no noticiário a decisão sobre o aumento salarial. Foi tão pouco doutor, tão pouco, que até pensamos em pegar aquela promessa de aumento fabuloso para nós. Ia vender tanto. Bom, mas de tão triste o cachorro, digo, o Alfredo, passou a rude, estourava com qualquer um, até com seus superiores. De tanto se estourar, desrespeitou um coronel e foi demitido.

      – Certo. Continue, continue. Abanava com as mãos o médico.

      – Então. Depois de perder o emprego ficávamos os dois em casa o dia inteiro e aí tínhamos mais tempo para criar alternativas. Foi aí que veio aquela fabulosa idéia. Bom, no início eu pensei que fosse fabulosa e foi eu que tive doutor.

      – Que idéia, que idéia? Conte, conte dona Cremi, Cremi, Cremilina.

      – Cremildina.

      – Certo. Mas conte então.

      – Latir no quintal para economizar cachorro.

      – Entendi. Mas como vocês ganhariam dinheiro?

      – A princípio só economizávamos. Mas depois do cachorro…

      – Alfredo.

      – Isto, do Alfredo se acostumar, ele teve a idéia de fazermos isto, fazermos não, ele fazer isto nos quintais dos vizinhos. Ganhamos um bom dinheirinho com este trabalho. Mais aí. Aí deu nisto que o senhor está presenciando. E olhou para o cachorro…

      – Marido!

      Digo, para o marido. Neste momento o marido…

      – Cachorro! Quer dizer, marido, tá certo.

      Então, o marido fazia outro xixi no pé da mesa.

      – Certo. Agora a senhora quer que eu traga seu marido de volta.

      – Não doutor!

      – Não?!

      – Não. Eu vim aqui para saber se o senhor não está precisando de um cão de guarda em sua residência. Está?