Fila do banco. Eu lá, aguardando minha vez, e uma doida tagarelando. Tagarelando, não, berrando, que era pra todo o mundo ouvir:

      – … porque meu pai era advogado. Advogava para Perdizes inteira. E você veja: eu, filha única de advogado, hoje estou passando fome. Minha filha faz direito na FMU. Pago mil reais de mensalidade. Me ajudar depois? Se ela sair das minhas costas, já é um grande alívio. Na época da ditadura é que era bom. Não tinha esse negócio de nêgo vir pra cá tomar o que é nosso. Tava bom de mandar metade de São Paulo de volta para o nordeste. A vida não é pra quem trabalha, é pra quem é esperto. Acho que vou mudar meu nome para Maria Santander. Olha! Até fica bonito, hein? Maria Santander… Sonoro. Quê, minha filha, vou pagar só essas contas. Pra pagar mais, só se eu penhorasse minhas jóias. A senhora veja que agora meu café da manhã é pão com presunto e queijo. É, veja você a que fui reduzida, eu, filha única de advogado. Agora vem esse Lula com a cara de pau de propor um por cento de aumento. É um absurdo. Que desemprego o que, meu filho! Só não trabalha quem não quer. Sempre teve crise, e nem por isso meu pai deixou de trabalhar. Vê aí o seu José. Não é, seu José, que o senhor sempre trabalhou? Olha aí. Agora aposentou. Mas pra quê o senhor quer mais dinheiro, seu Zé? Põe aqueles meninos pra trabalhar! Mas minha filha tá se formando, precisa estudar… Não, não vem com essa, não. Não, essa história de coitado não cola comigo, não. A gente é que se faz. Não aceito isso de oportunidade. O senhor não concorda comigo?

      A conversa era com esse cidadão que vos fala. A dona, já rolava umas horas, falava e buscava apoio no meu olhar.

      – Não, minha senhora, não concordo com absolutamente nada do que disse. E pediria que se calasse e nos poupasse de suas asneiras.

      Eu era o próximo. Fiz o depósito e me retirei, deixando, sob o ar condicionado, almas lavadas e um silêncio de viúvas.