– Laerço vai no bar do Maneco e compra uma caixa de foisfo. Mas oh, vem logo que o foisfo é pra fazê o armoço e esquentá o leite do minino que já começou a chora.

      Era sábado dez da manhã, o sol brilhava lá fora. Laércio levantou da cadeira de onde via o Globo Esporte, tomou o último gole de cerveja, coçou a barriga, bocejou, pegou o dinheiro que estava sobre a geladeira, colocou a camiseta do flamengo, calçou aquela havaiana gasta e com um prego atravessado na correia por baixo da sola e saiu.

      – Vê lá heim Laerço, num vai ficar tumando cerrejinha, não. Quem trabaia é eu e tu só fica veno jogo. Se tu num vortá logo te quebro com a mão de pilão.

      – Tá muié, tá bãu. Só vou pegar o foisfo. E foi. 

      Foi realmente com o propósito de comprar o fósforo. Chegou no bar, sentou-se a à á (escolha um) mesa e pediu:

      – Maneco manda uma bem geladinha.

      – Tá saino.

      Neste momento Laércio lembrou. 

      – Não Maneco, tou doido. Não é uma loirinha não.

      – Ah tá! É uma moreninha.

      – Não doido. Foi a muié que pediu pr’eu vir. O que era mermo que ela quiria? Ajuda aí Maneco.

      – Oh Laerço. Era o Gilbison (conhecido como Negão) que chegava. 

      – E aí Negão. Tudo em riba?

      – Tudo maluco. Vamo na sinuca?

      – Vamo. 

      E o Maneco: 

      – Mas Laerço…

      Laércio havia esquecido de novo. E com o giz na ponta do taco:

      – Maneco cadê a cerrejinha que eu pidi?

      – Já vai, já vai.

      – Negão tu já era. Vou gãiá todas. 

      E o bar ia enchendo, todos seus vizinhos, camaradas, amigos e chegados iam chegando. Laércio envolvido no bilhar, na conversa, nas piadas, nas cantadas para as loirinhas e moreninhas que iam passando e nos goles nas loirinhas e moreninhas que iam descendo. Só de vez em quando lembrava que sua mulher havia pedido para ir ao boteco, mas àquela altura, ele só agradecia, achando que ela o havia expulsado de casa para limpá-la melhor.

      Foi acender um cigarro e neste momento ele quase lembrava dos fósforos, não fosse ter entrado no bar seus companheiros de samba: Julinho da Cuíca, Bento do Cavaco, o Guiomar, Crecêncio (com r mesmo) e o Vandeco. Todos de instrumentos na mão (instrumentos mesmo, os musicais, entenderam?). Laércio que dominava o cavaquinho já foi se abancando e começando a tocar.

      O clima estava em alta, o samba do Monarco rolando, a galera na palma da mão quando, de repente, o silêncio, só o Laércio, de cabeça baixa tocava o cavaquinho. O Bento, que estava ao seu lado e com o olhar fixo para a porta do bar o cutucou:

      – Laerço, Laerço, Laerço… 

      – Qui foi doido?!

      Quando ele ergueu os olhos lá estava, de pé na porta, o sol batia por traz dela e uma poeira entrava no boteco. De lenço na cabeça, avental na cintura e a mão de pilão na mão.

      Neste momento tudo fica claro em sua mente e ele grita desesperado:

      – Maneco o foisfo!