Carta a José
Pensei muito antes de escrever-te – em tuas palavras, em teus atos, em teus livros. Pensei nas noites varadas agarrado a uma jangada cruzando o atlântico – não em busca de Miami, mas do sul, do espaço entre a América e a África onde aportar a Ibéria. Pensei em Blimunda, Sete-sóis, nos trabalhadores de Mafra; pensei em Münster.
Pensei. E, agora, resolvo te escrever. E escrevo para dizer que continuo com Cuba.
Continuo com a Ilha por não concordar com sinais de igualdade que equilibrem, numa mesma balança, atos tão distantes entre si quanto o genocídio de uma nação inteira e a punição dos que conspiram contra um povo soberano.
Confesso que me entristeço. A morte me repugna e tenho horror à guerra: elas mutilam, apartam, tiram de nós os que amamos. Mas mais me entristece um intelectual, que nos ensinou a ter responsabilidades, proferir irresponsabilidades nos jornais.
Se te põem uma faca no pescoço, com que te defenderás? Teus livros? Que diabos de comunistas seremos nós, se recusarmos todas as formas de promover e defender a liberdade? Que humanismo é esse que dilui as fronteiras de classe em nome de direitos que as perpetuam?
Estou com Cuba. Estou com o Estado que não se permite ingenuidades de democracia.
Estou com Cuba. Estou com a Revolução. Estou com a vida.