Não me chamo Silva. Sou Vieira de nascimento. Vieira dos Santos, pra ser mais exato. Tenho todos os dedos da mão, uma língua solta e prefiro refazer a reformar. Em comum com o Silva mandatário da nação, tenho raízes nordestinas e o projeto de mudança que o elegeu e que ainda anima o país.

      Toco no assunto por conta de matéria publicada ontem neste Vermelho sobre a exposição Brasil da Silva, que rola aqui em São Paulo, no Sesc Vila Mariana. A referida trata da identidade brasileira e tem os Silva como fio condutor.

      Diz lá o texto que não há consenso entre os estudiosos sobre a origem do nome Silva. Uns dizem que tem a ver com a Península Ibérica do século I; outros, com o Brasil dos seiscentos.

      Eu, da minha parte, não arrisco opinião. Falo do que sei. E o que sei é que o Santos que figura em minha carteira de identidade é coisa inventada.

      Meu avô paterno chamava-se Manoel Timóteo Gomes. Era um cidadão chegado à boemia, tocador de violão, fazedor de serestas. Casou-se com dona Maria José Vieira Hora, primeira filha da renca produzida por Dona Maria da Glória e seu Mané Vieira.

      Seu Mané Timóti era branco tanto quanto uma pele pode ser, considerando o sol sergipano, e dona Mazé, cabocla, da pele jambo, de mais ou menos um metro e meio, cabelos negros lisos e brava como o quê. Não sei do segredo dessa união de elementos tão díspares. Sei que ela era devota de Maria, a santa mãe de Jesus; e ele, do pinho, instrumento de malandro. Sei também que o velho – à época um moço – não topava com o Gomes de seu sobrenome. Achou que era o caso de mudar. E passou a chamar-se Manoel Timóteo dos Santos. Consequentemente, seus onze filhos passaram a assinar Vieira dos Santos (os meninos, a vida inteira; as meninas, só até casarem com aqueles que as governariam até que a morte, deles as separassem).

      Curiosamente, minha avó continuou assinando Maria José Vieira Hora, assim como sua irmã, Carmozita, que é minha avó materna, casada com um Araújo. Meu pai e minha mãe, portanto, primos, traziam o Vieira comum a quem descende dos Vieira Hora: só que ele, filho de Timóti, veio com o Santos inventado. Ela, por força dos costumes e das leis, dispensou seu Araújo, real, e ficou com a ficção.

      Eu, da minha parte, não teria do que reclamar, não fosse essa mania de querer saber o porquê e o como das palavras: não bastassem o vinho – sangue de Cristo –, representado no Vieira, e o panteão de todos os santos católicos, sou Elder, raiz arcaica do inglês older, que significa o mais velho e que veio a dar em missionário. É só olhar os mórmons com seus crachazinhos nos bolsos das camisas onde se lê “Elder Fulano de Tal”. Para completar, meu nome é em homenagem a Dom Hélder Câmara, bispo de Olinda – hoje, falecido; em 1966, vivo e fazendo sermão no rádio em defesa da mulher.

      Sou, portanto um missionário plantador das uvas dos santos. Trabalho e devoção combinados. “Serás padre”, estavam a conspirar os astros.

      Mas a vida, caprichosa como ela só, me deu Baco por divindade, a palavra por arma e uma revolução por missão: virei comunista.