Outro dia… na verdade tem aí uns meses – recebi uma mensagem na internet pedindo que eu respondesse a umas perguntas sobre telenovela. Era um trabalho de pós-graduação. Respondi, recebi o obrigado da entrevistadora e toquei pra frente.

      Passado um tempo, encontrei a pós-graduada. “E o trabalho, como ficou?”. Depois de me contar as venturas e desventuras de uma universitária brasileira, entregou-me uma cópia. Levei pra casa, pus na estante e nada de tempo para ler.

      Há três dias, atacado pela insônia, resolvi encarar o texto. Li tudo com muito interesse, até que cheguei no capítulo relativo às entrevistas.

      Aproximadamente, trinta foram os entrevistados. Eles foram divididos em muitas categorias, dependendo do assunto versado pelo texto. Eis que descubro que sou o entrevistado de número quatro e que sou, pasmo!, preconceituoso.

      Embatuquei: “Eu, preconceituoso?!”. Não que a autora tenha dito assim com essas palavras, sem elegância. Nãão: fui posto no rol dos preconceituosos dentro de um contexto bem amplo: sou um comunista que tenho uma certa visão elitista de cultura.

      Confesso que fiquei incomodado. Ser comunista e ser preconceituoso, mesmo com novela, não é uma coisa que nos deixe à vontade.

      Fui ao computador. Tinha arquivado a entrevista. Reli.

      De fato, dentro da ótica da autora, posso ser considerado até um conservador. Pois a telenovela é encarada por ela como um produto popular, que não é recebido passivamente pelas massas e é olhado com preconceito pela intelligentzia, sobretudo acadêmica.

      O assunto dá muito debate – que não me interessa nem um pouco nesse momento. O que me ocupa é o fato de ser um preconceituoso com o povo. Sim, porque, ao ter preconceito com novela, no fundo tenho com o povo que a vê. Por extensão, se não gosto de axé, de breganejo ou pagode de cabelo amarelo, olho o povo do alto de meu preconceito acadêmico.

      Meu deus! Serei uma fraude? Um comunista de meia tigela? O que faço?: penitencio-me no altar da Revolução? Leio e faço resumo de O Capital? Decoro o Manifesto do Partido Comunista ajoelhado no milho? Lacero o corpo a foice? Macero os dedos a martelo?

      Na indecisão, ligo a tv. Agora, para me redimir, vou assistir Mulheres Apaixonadas! Não, melhor: começo com Malhação, encaro Kubanacan e vou até sair no ar. E no domingo, Faustão, combinado com Gugu. Sem esquecer o Show de Calouros e o Topa tudo por dinheiro.

      Volto à tese, já antecipadamente vingado: “Agora quero ver você me chamar de preconceituoso!”. Termino a leitura. E descubro que a autora é generosa: ela reconhece que a telenovela de fato perdeu muita qualidade no último período. Ou seja: posso até ser preconceituoso, mas as novelas também não andam cumprindo com sua parte nesta relação.

      Ufa! Fui dormir mais tranqüilo… quer dizer, mais ou menos tranqüilo. Acabei sonhando com a Cristiane Torloni me lançando olhares lânguidos e proferindo trechos de Sabrina e Bianca, de Bárbara Cartland.