Ganso
Sou João Pedro e três semanas era o tempo que eu tinha de casa, bairro, cidade, enfim, vida nova. No dia em que completei os vinte e um dias de mudança feita, recebi em minha residência uma correspondência e nela estava escrito em letras monstruosas: "CONVITE". Mais à frente, em letras menores: "J. Pedro, gostaríamos de contar com sua presença em nossa festa anual. Sua presença traria ao encontro um astral muito positivo". Embaixo vinham os organizadores: "Buda, Zen e Ganso".
Bem, Ganso foi um amigo da faculdade, então, por que não ir. Formal e detalhista, dobrei com cuidado e guardei o convite na gaveta de convites.
Lá estava eu, de terno e gravata, na hora e local marcados. Da casa à meia luz vinha um forte cheiro de incenso. Odeio incenso. Dentro da casa percebi que não conhecia nem o garçon, mas me restava o Ganso, que ainda não havia aparecido. Fora eu, o mais formal da festa tinha um pino no lábio inferior. Com um copo de alguma coisa na mão, observava o ambiente. Todos me olhavam; até os lustres. Alguns, para serem mais gentis, ao passar me davam "ois". Eu, como um pêndulo, respondia e esperava, ansioso e vermelho, o Ganso.
A festa ia rolando entre "zuns", "hãããs" e "unununs". Era um encontro de algum tipo de espíritas, budistas, não sei ao certo. Todos vestiam roupas… isto é, panos estranhos e eu… de terno.
Não estava mais agüentando aquela situação. A dúvida me fuzilava: vou embora. Não quero ver o Ganso. Afinal, faz 10 anos que não nos encontramos.
Foi no momento do meu desespero, e cãibra na perna, que as figuras de olhos fundos começaram a se abraçar e me convidaram para a estranha confraternização. Minha aflição aumentou, mas fui, pensando em perguntar: onde está o Ganso?
Bem, deixando de lado alguns desconfortos, um dos participantes me respondeu, por fim, que aqueles abraços eram, justamente, para receber o Ganso e os outros dois anfitriões.
Certo que meu antigo amigo era uma personalidade, e mesmo recebendo aqueles olhares que me acusavam de intruso, fui no embalo.
Abraçamos uns aos outros e ficamos diante de uma porta que, sob os gritos de 1, 2, 3, abriu-se e o Ganso apareceu.
Alívio?! Não, desespero. Buda era um pato "sagrado", Zen era uma galinha "santa" e Ganso… Bem, Ganso era um ganso mesmo.
Saí num desespero que deixou a todos perplexos. Mais tarde, em casa, descobri que J. Pedro era, na realidade, Jucelino Pedro, um antigo morador da casa, membro de uma seita desconhecida.