Ia pelas rodovias
do não,
vinha pelos doídos
domínios
do cão.
De onde eu vim,
ninguém sai são.
Por vezes,
minha sede
mergulhava
em oásis,
mas logo
a garganta
em compulsiva
drenagem
escarrava areia e sangue:
tudo era miragem.

Só aplaudia o amor
no teatro,
só o achava verdadeiro
no palco.
Às vezes criava coragem e entrava
em cena:
o foco de luz
e o rumor das gargalhadas.
Um palhaço em lágrimas:
era este o papel
que na vida representava.

Andarilho,
assim ia
pelas vias do nada.
Maltrapilho,
Um chapa de um fardo de chagas.

Quando eu vi
agosto era um cão louco
pastando brachiaria.
Borboletas amarelas
eram ipês alados.
Os calangos
tão cor das pedras
fugiam para o
interior delas.
O céu de um azul nipônico,
kurosawaniano.

Assim ia vagando.
Quando dei por mim
estava num
pomar abandonado.
Decrépitas fruteiras
entre espinhos
e garranchos.
Pés de jambo
confundindo-se
com árvores ordinárias.
Aquelas domésticas plantas
haviam se asselvajado.
Os espinhos das laranjeiras
lembravam esporões
de galos de idade avançada.

Foi quando ela
surgiu linda
e reluzente
no meio daquela aridez toda.
Estava no alto,
tão camuflada
que escapou da percepção
atilada
das aves famintas.
mas minha poesia a percebeu.
Minha fome a farejou,
minhas mãos guerreiras
a conquistaram.
Minha vida mudou
desde que te mordi,
fruta temporã.

Verbos do Amor & Outros Versos – Adalberto Monteiro
Goiânia – 1997

Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).