Dona Anita subiu na laje e foi pendurar umas roupas. Quem olhasse de baixo, veria alguém que planava, mãos erguidas em busca do espaço. Já quem observasse da janela defronte, veria uma parca lutando contra o vento sob o sol da tarde.

      Dona Anita tem 66 anos. Gosta de carne seca, mas não pode comer, por causa do sal. Gosta de doce de manga, mas não pode nem experimentar, por conta do açúcar.

      Um dia, sua filha flagrou-a com um talho de goiabada cascão entre duas fatias de queijo meia-cura. Ralhou com a velha. Enquanto a filha falava, Dona Anita ia mordendo com calma os pedaços. Findo o discurso, e o último bocado, a senhora encarou a cria e decretou:

      – Passei minha meninice toda com fome, comendo carne uma vez por ano. Agora, que tô velha, com minha casa e os filhos criados, não posso comer? Um fute! Pois como e morro de barriga cheia.

      Estendidas as roupas, Dona Anita se deixou ali, olhando o Grajaú todo, as casas amontoadas, as ruas vazias. Respondeu à saudação do vizinho, coçou a coxa esquerda plena de varizes, lembrou seu velho: sete anos estirado na cama, sem poder falar, nem se mexer. Só ver o teto. Lembrou das grandes fraldas feitas de lençóis, do peso do corpo chagado nas costas, da morte no sono.

      É… Vida.

      Pensou na filha. Riu. Eternecia-lhe sua preocupação, mesmo inútil. Por que inútil? Porque havia muito, muito tempo para morrer.