Nunca relembre tanto
Dois amigos se encontram numa festa de reencontro, promovida pelos colegas da turma que estudou na Escola Estadual Dionísio Gomes de Oliveira e, depois de vinte anos separados, se abraçaram como dois irmãos que há muito não se viam:
– E aí cara, quanto tempo né?! Poxa como tenho saudades daquela época. Como brincávamos, como ríamos, como namorávamos – com as meninas, vamos deixar isto bem claro –, como curtíamos…
– Como brigávamos também, né? Nós dois estávamos de mal, lembra?
– Claro que lembro, meu amigo. Mas isto foi coisa de criança, coisa do passado. Eu nem lembro mais qual foi o motivo. Você, por exemplo, lembra qual foi o motivo?
– Não, não lembro mais. É mesmo cara, coisa do passado. Que bobagem a minha.
Falava, enquanto tentava, inconscientemente, lembrar qual o motivo os fez ficar vinte anos sem se falar.
– E aí cara como vai sua família? Você casou não?!
– Casei, cara! Mas ainda moro aqui em Florianópolis. Estou na rua Esteves Júnior, passa lá para conhecer meu filho e tomar um chimarrão qualquer dia.
– Com certeza, meu. Só não posso por estes dias, tenho que voltar para São Paulo, minha mãe estará me visitando, volto amanhã mesmo.
– Sua mãe!
– Que é que tem minha mãe?!
– Ela foi o motivo.
– Motivo?! Motivo de que?!
– O motivo de nossa briga! Lembra? Você ficou com raiva de mim, porque eu disse que a sua mãe era muito bonita e todo dia andava pela nossa rua o dia inteiro.
– Estou lembrando agora. Mas não foi bem isto que você disse. Você disse que minha mãe era curtida e todo dia dava pra sua rua inteira. Você pensa que sou esquecido?!
– Não cara. Houve uma falha na comunicação aí. O que eu disse foi o que acabei de repetir. Não me aborreça.
– Lhe aborrecer?! Você diz isto de minha mãe e pede que eu não lhe aborreça. Quem você pensa que é?! Mais respeito com minha velha, seu, seu, seu publicitáriosinho de fundo de quintal.
– Olha aqui ô, advogado de porta de cadeia! Você sempre foi assim estouradinho. Já lhe disse que não foi isto que falei. E não fale como se eu estivesse falando de sua mãe velhinha, quando eu falei, ela ainda valia a pena…
– O que!? Seu ignobe infame…
E se atracaram no chão do mesmo modo que fizeram vinte anos atrás, os amigos tiveram que separar, eles se foram e quem sabe, daqui a vinte anos, possam se reencontrar novamente.