Pais e filhos
Eles já estavam casados há mais de três filhos, já haviam passado muitos problemas e soluções juntos, já tinham sido felizes e a morte ainda não havia os separado. Seus filhos já haviam passado pela infância, pré-adolescência e estavam curtindo a adolescência. Não queriam mais aqueles “oh, cotocosinho, filhinho lindinho, que bochechudo, que isso, que aquilo…” que todos os adultos falam para as crianças. Afinal, já não eram mais crianças.
Não paravam em casa, os fins de semana eram à base de praias, viagens, baladas e muita curtição. Alguns fins de semana se estendiam por toda a semana. Outros fins de semana duravam meses.
Um dia, quando um dos filhos chegou em casa vindo de uma viajem que fizera para não sei onde, para fazer não sei o que, os pais não reconheceram aquele homenzarrão, ele havia deixado a barba e o cabelo crescerem, entrava pela porta adentro com um violão embaixo do braço e falando: “E aí velha? E aí velho?” Foi um deus nos acuda. Os pais se esconderam atrás do armário, a mãe dizia que ia chamar a polícia enquanto o pai gritava: leve tudo, leve tudo, mas deixa minha tchutchuquinha aqui!
Os filhos entravam e saíam e não lhes davam atenção. Cuidavam da própria vida, colinho do papai e da mamãe eram coisas do passado.
Os pais não agüentavam mais aquele desprezo, eram como fantasmas naquela casa. Tinha que fazer alguma coisa. Amavam-se muito e amavam os filhos, mas as coisas não podiam continuar como estavam. Foi então que decidiram sair de casa. Isto mesmo, não agüentavam mais o desprezo. Iam alugar um apartamento e terem a sua própria vida.
Numa noite em que conseguiram reunir todos os filhos em volta da mesa, o pai anunciou:
– Filhos… Éh… Quer dizer… Vamos… Vocês viram a Hora do Brasil ontem?
– Que isso velho, fala logo.
– É pai, fala aí, temos que sair vai ter um “showzasso” na praia hoje.
– Fala Tonho. Disse por fim a mãe.
– Certo! Vou falar. Nós vamos embora!
Foi uma confusão generalizada. Todos falavam ao mesmo tempo. Como iam embora? Por que aquilo? Não estavam bem? Não gostam mais da gente? E quem ia fazer a comida? Quem vai matar as baratas? Perguntou a mais nova. Isto é de sua responsabilidade pai. Com quem fica o carro? Conosco hora, disse um dos filhos. Mas respondam: Por que vocês estão indo embora?
– Vamos embora – falou o pai com cara de criança chorona – porque vocês não ligam mais pra gente. Vocês não nos amam mais. Vocês só querem saber da gente quando é para fazer comida.
– Ué! Mas esta não é a idéia?!
– Nós somos menos importantes aqui do que aquele vaso de plantas. Continuou a mãe
– Para com isso mãe. Gostamos bastante daquele vaso de plantas.
– Se vocês não ligam mais para sua mãe, imagina pra mim. Pai tem tanta importância quanto um papel queimado. – Disse o pai melancólico.
– Ôh! Velho!
– Não me chame de velho. Disse o pai.
– Tá bom meu jovem!
– Também não me chame de jovem com esta ironia toda. E querem saber? Eu e sua mãe vamos viver nossa vida, coisa que já não fazemos há… Há… Há mais de três filhos.
Arrumaram as malas e saíram. Iam ficar em um hotel até que conseguissem alugar uma outra casa. Quando passavam pela igreja, se esconderam e ficaram de olho na casa. Queriam mesmo era chamar a atenção dos filhos. Qualquer semelhança com o comportamento infantil é mera coincidência.
Acontece que os filhos perceberam quando os pais se esconderam. Talvez se não tivessem percebido, não teriam feito tanta questão que os dois voltassem.
– Eles querem mesmo é chamar a atenção. Querem que nós imploremos para voltarem e, se querem saber, são realmente mais úteis aqui.
Com esta conclusão simularam desmaios, choros, tentativas de suicídios e até briga entre eles. Uma das irmãs saiu à rua aos prantos e gritos: Volta pai, volta mãe, onde vocês estão, não vamos conseguir viver sem vocês!
Os dois, completamente inocentes a tudo, e tomados de sentimentalismo, voltaram correndo, abraçaram os filhos, choraram juntos e foram para a cozinha preparar uma comida bem gostosa.