A cidade arde
Teus olhos grandes, graúdos, marrons,
marrons de duas castanhas em chamas.
Neles há uma outra cor.
É por isto que quando as manhãs são claras
há um leve verde-cana sobressaindo.
A tua voz, os teus cabelos
no ponto mais alto da praça,
os punhos em gestos,
o coração arfante e quente
e o teu discurso
e tua canção
e o teu rosto
resvalam-se nas pétalas, nos pardais
indo como uma flecha, uma bala,
ou um beijo,
atingir o coração da juventude
que te observa, que te escuta.
É Setembro
e o céu de tão azul faz doer os olhos.
Com as mãos abertas
apontas à rua
à passeata.
Agora, ondas juvenis revoltas
alagam as avenidas,
alargam a cidade despertando-a:
"Vem, vamos embora…"
E eu jamais esquecerei
de tua mão buscando
o dorso de uma bandeira vermelha,
entre tantas que desciam a avenida,
para acariciar e proteger
— por uns dez segundos —
o teu rosto de pele branca
róseo de sol, gotejante…
porque é meio dia, agora,
e a cidade arde.
Os Sonhos e os Séculos – Adalberto Monteiro
Círculo Azul Livros – Goiânia – 1991.
Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).