Em 14 de janeiro, escrevi um texto em que falava de Léo, um rapaz da periferia de Guarulhos, do qual tinha perdido contato. Pois neste final de semana, na madrugada de sexta para sábado, tive notícias dele: foi assassinado numa briga de rua.

      Recebi a informação ainda zonzo de sono. Tinha acabado de adormecer e fui desperto pela campainha do telefone. Fiquei sem saber o que dizer, o que pensar. Uma mescla de dor e ódio, com doses consideráveis de angústia e desamparo, abriu-me um rombo por dentro. Sentado no colchão, pus a cabeça entre as mãos e só pude dizer, diante de uma mulher preocupada com seu homem triste: “Tá tudo errado… Tá tudo errado…”.

      Léo morreu com um tiro na nuca. Estava, com conhecidos, diante de uma faculdade, ou em suas imediações, conversando. Numa brincadeira, destas brutas em que rapazes como Léo se metem, um deles chutou a bicicleta do outro. Começou uma briga. O dono da magrela saiu na pior. Léo tomou as dores. Também apanhou. Bateu em retirada e voltou armado. Atirou para o chão. A bala ricocheteou e atingiu de raspão a perna de seu parceiro. No meio da confusão, alguém encostou o cano na base de seu crânio e disparou. Léo caiu de bruços já morto. Sua face, no impacto, feriu-se. Encerrava-se ali menos de duas décadas de vida.

      A mãe de Léo recebeu a notícia na cadeia. Há cerca de 15 anos, foi encarcerada por tráfico. Identificado o portador, perguntou: “Você está me trazendo más notícias, não é? É o Léo?”. Ouvindo a confirmação, desmaiou. Só foi autorizada a ficar cinco minutos junto ao caixão do filho, sem a presença de outros parentes, sem o abraço com que uma das filhas a quis confortar. Ganhará a liberdade daqui a mais ou menos quinze dias e terá um filho a menos.

      Não fui, nem ao velório, nem ao enterro de Léo. Dele, guardo esse sentimento de incompletude: a saudade do que poderia ter sido sua vida – que é a pior das saudades.

      Disseram-me que no enterro havia muitas crianças e jovens. Tantos, que chamaram a atenção. “É porque a alma é boa”, declarou uma senhora presente. De fato, segundo crença popular, crianças afluem assim a enterros quando a alma do morto é boa, sem máculas, nem pecados graves.

      Não sei se Léo era sem pecados. Sei que queria ser arquiteto e tinha a sensibilidade dos artistas – como seu xará de Florença, Leonardo da Vinci. Nascido e criado na periferia, agredido constantemente pelo pai, solto no mundo, pagou por essa ousadia. Sua memória se resumirá aos familiares e a dois textos de um poeta que não pôde e nem poderá fazer nada.