Homem ao mar
Fagundes construiu a embarcação para que coubessem todos os amigos. Intentou fazê-la forte, de modo que chegassem a bom porto sem sustos graves. Concluídas as obras, convidou seus pares – parceiros e parceiras da cidade de Metáfora.
É verdade. Nome esquisito para uma municipalidade. Mas é que a atividade econômica essencial da comunidade é justamente a produção de imagens, ícones, símbolos. O lugar ficou famosíssimo depois que construíram um monumento ao poeta João Cabral – a seus pés, um galo cantando.
A idéia da viagem nasceu no bar A Capa Escarlate, de propriedade de Ulisses de Almeida, antigo mascate que resolveu, após muitas andanças, se arranchar em Metáfora e lá montar boteco.
Fagundes gostou da dica e pôs mão à obra. Juntou uma meia dúzia de malucos e muita madeira e danou-se a serrar, martelar, emendar, aplainar. De repente, tava tudo pronto.
No dia da partida, teve gente que refugou. Uns acharam o barco pequeno demais para caber nele. Outros o consideraram grande demais e, a aventura, demasiado arriscada. Mas, enfim, zarparam. Mal a barra desaparecia, escaleres abordavam a nau e novos tripulantes pediam ingresso. “Sejam bem vindos”, exclamou Fagundes. “Panos ao vento!”, completou à marujada.
Mais de ano passaram no mar. Aportaram muitas ilhas. Em cada uma, alguém saltava e outro embarcava. Ao fim e ao cabo, Fagundes se viu um dos raros que iniciaram a viagem e ainda perduram. Em sua cabine, passou a curtir saudades do bar de Ulisses: recorda Yolanda, a renascida, e seus porres de bombeirinho – a primeira a saltar – que ficou lá pelos Açores. Lembra de Benedito, o praiano, cuja melancolia congênita e seu esforço por ser o que não era e nem podia tornaram insuportável a companhia dos amigos. Lamenta a partida magoada de Josué, o cheio de idéias, que adorava misturar pinga com mel. A última baixa foi Yasmin, a esquecida. Foi-se com sua eterna insatisfação consigo e com a vida.
Fagundes olha agora o vasto das águas. Rememora cada um e todos. Nunca lhe passou pela cabeça desistir. Logo ele, de todo mundo o mais impulsivo, ponderava agora sobre os rumos a tomar.
Decidiu-se por permanecer. É hora de aportar. E que melhor porto se não o mar?