Sumo de cebola
Um clã inteiro
— netos, genros, filhos —
festeja as bodas de ouro.
Adiante, a algazarra de um aniversário.
Noutra mesa, um patriarca
narra aos descendentes e herdeiros
as bravatas, os brasões
e o que é mais importante:
as propriedades da família.
A casa cheia,
as mesas repletas,
todas fartas.
Um bêbado esbraveja,
reclama ao garçom
a qualidade do vinho.
Uma senhora parcimoniosa
exige explicação detalhada
de cada tostão da conta.
Nisto entram cinco pessoas.
Eram negras e eram crianças.
Sujas, em farrapos.
Vendiam rosas vermelhas
e uma delas chorava.
Esta que soluçava
interpela um casal que namorava:
— Oferece uma rosa pra ela
como prova do seu amor.
O homem que amava
explica à mulher:
— Espremem cebola nos olhos
para que o choro nos cause dó, pena.
A mulher, numa tirada
instantânea e irônica, exclama:
— Que bom vendedor ele é!
E sorriram e continuaram se beijando.
A criança ficou ali chorando,
vendo a cena
com o buquê na mão.
Chorando de fome, de ódio, sei lá,
de sono,
ou de nojo daquilo tudo,
ou simplesmente como fora denunciado:
por causa de sumo de cebola nos olhos.
Verbos do Amor & Outros Versos – Adalberto Monteiro
Goiânia – 1997
Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).