Ela
Subiu a ladeira acompanhada de um séquito de olhares. Todos lhe miravam a bunda poderosa, magnífica; os meneios moles das cadeiras; o bailado dos braços nus; o movimento delicioso das costas expostas.
Dona de si, inocente do estrago nos corações, passeava sua cor de melado pelo bairro. Os cachos dos cabelos batendo na cintura, uma das mechas riscando em ondas o lado direito do rosto suado, o corpo prestes a estourar o vestido florido, os pés coloridos na sandália baixa.
Entrou no mercado. Antonio do Caixa parou bestificado com um reboliço no peito. Toda vez que ela aparece, ele perde o rumo de casa. Erra nas contas, não diz coisa com coisa. A moça vai embora, fica com ela agarrada na idéia pelo resto do dia. Quando tudo vai entrando nos eixos, olha ela de novo desarrumando-lhe a vida.
Tímido que só um menino, não encontra jeito de chegar junto. Já ensaiou um monte diante do espelho de seu guarda-roupa. Não houve cara ou gesto que o convencesse. Pensou em mandar bilhete, flores, recado por moleque ou alguma conhecida dela, mas um engasgo desgraçado mantinha-o petrificado, vibrando na indefinição.
– Quanto é?
Cristo Jesus! Não é que ela tá falando com ele!? Olha pra esses olhos – duas noites em que me perco. Olha… Sorrindo? Ela tá sorrindo?!
– Que foi? Não quer me vender o xampu não, é?
– Hein?
– O xampu! Não quer que eu compre?
– Ô, desculpa. É que… hm!: Quatro e oitenta.
Ela expandiu o riso com tanto gozo que algo se deslocou dentro dele: uma massa de sentidos e comoções afloraram-lhe aos olhos. Na pele escura, a única lágrima rolou, cristalina.
Ela suspendeu o riso e franziu a testa pequena. Antonio ergueu-se solene, tomou-lhe a mão de dedos compridos e beijou intensa e devotamente. Tornou a sentar, teso. Registrou o valor e passou o troco. Enquanto mirava fixo a máquina, suas orelhas queimavam e sua consciência martelava “burro, burro, idiota, cretino”.
Ela pegou seu pacote e saiu da mercearia, lenta e pensativa. Desceu a ladeira arrastando a sandália e maquinando consigo. Antonio, alheio aos protestos da fila, observava tudo aquilo se indo, e punia-se, mudo. Como podia ser tão mané?
Passada meia-hora, o telefone toca. Alô? O estabelecimento todo se admira dos olhos arregalados do nêgo. Era ela.