Ardil
Fome de luta, fome de guerra. Lucrécia recolheu-se à casa, armou-se de suas essências e esperou. Quando ele chegou, embriagado de álcool e becos sem saída, ela pôs a mesa e abriu um vinho. Ele grunhiu um riso gutural. Passou a mão em suas nádegas, em seus seios, babou em seu pescoço alvo e fresco.
Num esforço, ela o afastou portando seu melhor sorriso. Serviu-lhe o prato cheirando a sabor; encheu-lhe o copo de bebida. Sentou-se e bebeu com ele. Nos olhos, mil promessas e um enigma que o excitava e confundia.
Quando a polícia o despertou pela manhã, viu o corpo dela estendido na cozinha, próximo ao fogão, sobre um fundo vermelho. Seu rosto, coberto de hematomas, era uma máscara de agonia.
Atônito, confuso, procurava lembrar da noite anterior. Ela sorria. Sim!, ela sorria! Como poderia matar seu sorriso? Estava bêbado, é verdade, mas ela, desta vez, não parecia infeliz. Ele tentou arrastá-la para cama, mas caiu. Caiu? Já não sabia. Sim, caiu, mas foi na cama. Ela o havia levado até lá. Ele a chamou, pediu… um beijo?, água?, que não fosse? Depois… depois, meu deus, e depois?! Achava que havia dormido. Não poderia ter-lhe feito nenhum mal dormindo, não é mesmo? Não, não lembrava do que sonhou.
Algemado, foi levado para a delegacia. Julgado, foi condenado a mais de trinta anos. A faca, encaixada sob o fogão, não podia dizer nada em seu favor. Tampouco o sonífero, que descansava no pequeno saleiro dentro do armário.