Um acaso do destino
Positivamente, Armando está frito. Comeu dona Soraia no hall da escada de incêndio do prédio dela e agora todo mundo tá sabendo. Culpa da dona, segundo Armando, que danou a gritar entra, entra, entra, como se tivesse alguém na porta e ela no banho.
Seu Juvenal, o engalhado, logo tomou ciência do fato, jurou nosso amigo de morte bem matada e sofrida. Juntou a parentada, armou todo mundo e despejou-os pela cidade. Não havia boteco, birosca, casa conhecida, praça que os vingadores da honra ultrajada não tivessem batido em busca de sua presa.
Armando escondeu-se no quarto de Filó, a bicha mais paneleira de nossa municipalidade. Escândalo era seu nome e a boca produzia mais indecências do que a atriz Dercy Gonçalves poderia suportar. Ninguém iria buscá-lo ali, sabedores de suas preferências sexuais e de seu asco por Filó e pessoas de seu convívio.
Fora dar nos aposentos da “moça” por um desses acasos do destino. Escorraçado da casa de Maricota, sua noiva, à base de insultos impublicáveis, deu de cara com Ostójio, irmão de Juvenal. O homem era míope, e estava parado em frente ao portão da moça limpando os óculos. Armando prendeu a respiração, foi saindo de lado e, quando ganhou uma certa distância, disparou.
Na esquina, Filó lixava as unhas na porta da pensão. Armando, em pânico, passa por ele para, logo em seguida, voltar e gritar:
– FILÓ!!
– Ai, credo! Que horror! Que sustinho você me deu!
– Me esconda!
– Eeeu?! Nunquinha. A única coisa que eu escondo, meu amor, você não quer me dar. E depois, se seu Juvenal descobre, olha eu arrombada! Nem morta.
– Filó, pelo amor de deus!
– Não meta deus nisso, que é feio!
Ficou olhando, medindo, pensando. Depois continuou:
– Vai, entra, seu estrupício!
Quando Filó chaveou o quarto por dentro, Armando já estava debaixo da cama, montando uma espécie de pequena barricada com os vários pares de sapatos de seu anfitrião.
– Ai, credo, Armando, deixe de viadagem e saia daí.
– Eles vão me matar, Filó.
– Quem manda ser tabaréu e comer aquela bruaca. Agora taí, se mijando todo.
Armando, ao ouvir isso, tencionou levantar-se de sopetão e bateu a cabeça no estrado da cama.
– Au! Caralho!
Saiu de seu esconderijo.
– Quem tá se mijando aqui? Sou lá homem de me mijar? Tô é mais me protegendo, que sou muito novo pra morrer… Além de gostoso.
– Bom, que você é mortal eu posso ver – disse Filó, se aproximando com voracidade nos olhos – Agora, se é gostoso, isso a gente precisa de conferir…
– Ô, Filó… Olhe… Éé… Muito obrigado pelo abrigo, num sabe, mas é que tá ficando tarde e… bom, você sabe como é… Filó!! Qué que…
– Quer que eu lhe entregue ?
– …
– Então fique quieto.
Como eu dizia, meu amigo Armando está frito. Comeu dona Soraia e está jurado por Juvenal e seu clã. Não pode sair de seu esconderijo por um nada. Não pode ou já não quer. Bizeca, dona da pensão, diz que sempre escuta gemido e gargalhada quando passa em frente ao quarto de Filó. Vai saber. O sujeito, sob risco de vida, quando dá fé, topa com a felicidade e se resigna, fazer o quê?