Passados quase onze meses desde a posse de Luiz Inácio Lula da Silva pode-se ter uma idéia melhor do significado e das perspectivas de seu governo. Desde o início firmamos a idéia de dois parâmetros-chave para a análise da situação os quais têm balizado a postura política do Partido Comunista do Brasil.

Em primeiro lugar a vitória das forças que levaram Lula ao governo tem uma dimensão histórica. Surge em conseqüência do esgotamento do período de mais de 50 anos que se chamou de “era Vargas” e também na crítica à fracassada experiência neoliberal de uma década. Inaugura uma nova etapa para a história do Brasil, mudancista, cujo centro é a construção de um novo projeto nacional-desenvolvimentista, democrático e que vise à melhoria da situação de vida dos trabalhadores gerando empregos e distribuindo a renda nacional. As novas forças sociais e políticas que pela primeira vez chegam ao governo brasileiro têm diante de si um desafio jamais enfrentado.

Em segundo lugar, as forças internas que foram derrotadas na batalha presidencial ainda têm amplo poder na economia, no Estado, na vida política de uma maneira geral e na mídia, o que se constitui em efetiva dificuldade à qual se somam as incertezas e instabilidades do quadro internacional. Não bastasse isto ainda herdamos um país em destroços, altamente endividado, profundamente desigual do ponto de vista social e praticamente estagnado há quase vinte anos. Tudo isso é o que determina que o processo de mudanças contenha elementos velhos e novos, que continuam e continuarão a conviver e a lutar entre si – no próprio governo e na sociedade –, percorrendo um caminho cheio de idas e vindas, por um período que não se pode determinar a priori.

Para avançar neste quadro – e o núcleo principal do governo Lula compreendeu isto desde o início – é preciso formar convicções e acumular forças políticas, no Parlamento, em outras esferas institucionais e, sobretudo, na sociedade. O governo nestes pouco mais de dez meses conseguiu neutralizar a oposição de governadores de importantes estados e deu passos significativos na construção de sua base de apoio no Congresso Nacional, sobretudo com a integração do PMDB. Pode-se dizer que a oposição nucleada pelo PSDB e pelo PFL tende a se aglutinar, mas pode-se dizer também que estes partidos têm encontrado dificuldades para isso, carecem de bandeiras e propostas que os diferenciem e os credenciem diante do povo. O núcleo de esquerda do novo governo – integrado pelo PCdoB – vai se consolidando e conseguindo atrair forças ao centro do espectro político. Setores ultra-esquerdistas não encontram espaço para expandir sua área de influência.

Tudo isso se constitui em vitória política que embora parcial tem grande alcance para um governo que dá ainda seus primeiros passos. O lance mais importante do embate político que está por vir é o das eleições municipais de 2004. Seu resultado influenciará em muito o desdobramento da situação em 2005: se as forças da base do governo Lula conseguirem um bom resultado, as mudanças poderão adquirir uma nova dinâmica. Munidas dessa compreensão poderão atuar sem exclusivismos e enfrentar a batalha vindoura com mais chances de sucesso.

Uma situação internacional em mutação tem permitido que a política externa brasileira vá afirmando as convicções de defesa da soberania nacional presentes no governo, na construção de um espaço estratégico sem qualquer pretensão hegemônica. Ao mesmo tempo o país luta para não se deixar isolar e por isso, além de anti-hegemônica a política externa é multilateral visando à inserção soberana do Brasil no concerto das nações. A aplicação de tal política tem se deparado quotidianamente com o hegemonismo dos Estados Unidos.

É verdade que os EUA procuram manter o status quo de um mundo só por eles polarizado e hegemonizado, cada vez mais por meio das agressões e ocupações militares – agora preventivas, permanentes e contra países muito mais fracos –, sobrepondo-se à Organização das Nações Unidas (ONU) e exacerbando o unilateralismo, subvertendo as normas do direito internacional, enquadrando no alvo da luta antiterrorista quaisquer países que buscam a afirmação de sua soberania nacional nos quais passam a enxergar uma ameaça em potencial.

Mas é verdade também que contratendências – de natureza interimperialista ou antiimperialista – têm atuado de forma cada vez mais acentuada. Isso se manifesta quer nas lutas dos povos pela paz ou contra as intervenções e ocupações militares (1), quer na busca da autonomia européia, ou ainda – o que é uma novidade importante – pela luta de uma série de países que, para se desenvolver, têm obrigatoriamente de fugir ao primado sufocante. Entre estes se destacam as chamadas potências médias, pelo tamanho de sua economia, população, território e localização – China, Rússia, Brasil, Índia, África do Sul.

Alguns abalizados observadores da cena internacional constatam o que seriam indícios de uma nova situação, uma tendência à regionalização – em níveis diferenciados de construção – em oposição à globalização neoliberal, o que é o mesmo que dizer uma tendência à multipolaridade e ao isolamento dos Estados Unidos. Busca-se ainda um novo papel para os organismos políticos e econômicos internacionais que reforcem sua atuação multilateral e os livre da manipulação imperial dos EUA.

Quando há alguns anos se falava em tendência objetiva à multipolaridade, imaginava-se três grandes pólos liderados pelos Estados Unidos, pelo Japão e pelas potências européias, respectivamente. Hoje – a novidade – é que podem se conformar blocos dos chamados países em desenvolvimento, na Ásia, na América do Sul e mesmo na África. A situação que vai se gestando tem suas bases econômicas e geopolíticas. Entre outras podem ser alinhadas:

1) Há mostras de um certo esgotamento do “esquema geral” de equilíbrio econômico mundial, ou seja, os grandes volumes de importação de mercadorias pelos Estados Unidos que ajudam a alavancar a economia mundial e provocam grandes e crescentes déficits no balanço de pagamentos norte-americano são cobertos pela via financeira, através da compra de títulos dos EUA pelos países superavitários comercialmente; porém, o volume da dívida está crescendo muito e rapidamente. As dívidas do governo, das empresas e das famílias somadas têm uma magnitude três vezes maior que o Produto Interno Bruto (PIB), o que não é sustentável por longo tempo mesmo com a atenuante de o dólar continuar sendo a principal moeda de reserva internacional denominando cerca de 2/3 das reservas de outros países. O quadro se complica se, ao balanço de pagamentos, soma-se o novo déficit fiscal, ou seja, repete-se agora em escala ampliada o fenômeno dos déficits gêmeos na economia norte-americana, mesmo agora quando se dá uma retomada cíclica. Por aí se explicam as pressões para que os principais parceiros comerciais dos Estados Unidos (especialmente os asiáticos) valorizem suas moedas em relação ao dólar;

2) Na Europa consolida-se a área do Euro, com base na aliança franco-alemã o que leva tendencialmente ao desgarramento em relação ao guarda-chuva norte-americano, desvalorizando o papel da Otan – aqui a maior novidade fica por conta da postura da Alemanha. Por isso, ensaiam-se resistências à política norte-americana (como por ocasião da invasão do Iraque) e alimentam-se possibilidades de uma aliança da Europa com a Ásia (particularmente com a Rússia, que era a maior ameaça) o que significaria constituir um novo bloco estratégico, a Eurásia; entretanto, a hegemonia única dos EUA subentende a continuação da submissão da Europa, uma Rússia dividida e enfraquecida e uma China cordata;

3) A Ásia vai se constituindo no pólo mais dinâmico do desenvolvimento econômico mundial, em contraste com a semiparalisia das economias centrais e países de outros continentes. Lá já existem várias alianças e mais recentemente foi criada a Comunidade Econômica Asiática, o que tem permitido o desenvolvimento de um grande comércio regional. Na década de 90, em que pese a severa crise de 1997, os 41 países da região se desenvolveram a uma média anual de 6%, taxa que se repete no início desta nova década. Naquele contexto a China, com suas altas taxas de desenvolvimento – baseadas no crescimento da produção industrial simultaneamente ao incremento do comércio internacional –, assume a função de centro gravitacional e continua a acumular forças devendo alcançar a posição de quarta maior economia do mundo por volta de 2010. Por isso tem um papel de crescente importância na arena internacional. Também a Índia tem se destacado. Esses fatos podem trazer modificações substanciais nas relações comerciais, políticas e diplomáticas ao Sul do planeta e uma crescente convergência de interesses entre os países mais avançados deste hemisfério: Brasil, China, Índia, África do Sul. Os interesses das grandes potências de capitalismo desenvolvido também se voltam para a Ásia;

4) A Rússia, país ao mesmo tempo europeu e asiático, após o retrocesso e divisão pós-União Soviética procura se firmar na cena internacional como país capitalista independente, rico em matérias-primas como o petróleo e, mais importante, a única nação que tem poderio atômico à altura de contrapor-se ao dos Estados Unidos. Não é propriamente uma potência em expansão, mas polariza crescentemente seu entorno, busca aproximar-se da Europa e da China podendo desempenhar papel importante em um possível novo equilíbrio no quadro internacional;

5) Na América do Sul, de há muito estagnada e em crise pela aplicação do receituário neoliberal, surge uma onda progressista através do esforço crescente de vários países (nucleados pelo Brasil e pela Argentina) para buscar os caminhos próprios de se desenvolver, enfrentando o hegemonismo estadunidense que, por meio de sua proposta de Alca, busca elevar a submissão e a dependência. Neste embate é perceptível, no seio dos povos do continente sul-americano, o crescimento de um sentimento antidominação norte-americana. E não só isso, as frentes pelo desenvolvimento soberano se ampliam, porque ao longo das duas últimas décadas criou-se um verdadeiro fosso separando de um lado as pressões dos setores rentistas por juros altos e dos setores que têm dívida em dólar por um câmbio valorizado e, de outro, os interesses dos setores produtivos nacionais que querem juros baixos para produzir e câmbio competitivo para exportar.

Toda essa situação mostra que a nova política externa brasileira se coloca em consonância com o dinamismo da situação objetiva, alinhando-se com as tendências progressistas do mundo atual. Na contramão estaria se deixasse o país preso aos ditames norte-americanos; desta maneira o país ficaria realmente isolado e mais atrasado.

Este é o quadro que tem permitido avançar por meio de iniciativas ousadas e de uma atividade intensa na área externa mesmo quando a correlação de forças ainda mantém as forças progressistas, revolucionárias e socialistas na defensiva. O esforço principal é a busca de uma aliança estável e abrangente com os outros países da América do Sul.

Os sinais aparecem na reconstrução do Mercosul e na integração com outros países da América do Sul integrantes da Comunidade Andina, no Consenso de Buenos Aires, nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) onde a convergência de interesses permitiu a formação do G-20 em Cancun, mas, sobretudo, nas negociações da Alca onde o Brasil na defesa dos interesses nacionais se nega a aceitar a abrangência da proposta americana. A postura altiva dos brasileiros se fez presente mais uma vez em Miami agora em novembro, sem se deixar abater pelas sucessivas pressões dos negociadores dos Estados Unidos. Por isso o governo brasileiro ganha prestígio internacional e, de certa forma, aparece como referência para países ao sul do Equador. A evolução da situação externa do país no sentido da nova política externa poderá se constituir em fator importante para a retomada do desenvolvimento.

O outro grande desafio com o qual o governo do presidente Lula se defronta é o de criar as condições internas que possibilitem o desenvolvimento – que implicam em uma política de desenvolvimento e na política macroeconômica propriamente dita. Neste ponto é que se concentram mais vivamente as grandes contradições da sociedade brasileira e que necessariamente se refletem dentro do governo.

Não resta dúvida de que as turbulências do período da passagem de governo foram contornadas assim como a recessão dos primeiros seis meses vai dando lugar a uma retomada da atividade econômica. A inflação está sob controle; a balança comercial apresenta um superávit recorde – o que possibilitará que o país tenha em muitos anos superávit nas transações correntes do balanço de pagamentos; as ações da Bolsa de Valores de São Paulo vêm se valorizando; há indícios de retomada em alguns setores da indústria, assim como certa redução da taxa de juros básica. As empresas e o governo vêm conseguindo captar um volume razoável de recursos no exterior e rolar satisfatoriamente suas dívidas.

Estes fatos têm gerado pontos de vista em alguns setores oficiais (2) que só vêem rosas pela frente: o pior haveria passado e, com a confiança recuperada e com os hoje “sólidos fundamentos” da economia brasileira, estaria se descortinando um quadro de diminuição consistente da relação dívida pública/PIB. Sem dificuldades para financiar as contas externas do país em 2004, a queda dos juros reais de médio prazo dos atuais 10,5% para o patamar de 9% já seria satisfatória para possibilitar a retomada. Assim estariam dadas as condições para o caminho do desenvolvimento e crescimento sustentado com índices de 3% ou mais em 2004 e ainda mais elevados nos anos seguintes.

Porém, aqui cabe fazer uma discussão das perspectivas deste processo, sua consistência e sustentabilidade para que não se caia em ufanismo estéril diante dos resultados imediatos – o que, evidentemente, prejudica a busca de soluções verdadeiras para questão de tal envergadura.

A primeira pergunta que nos ocorre é: que medidas foram tomadas em 2003 para que houvesse algo realmente diferente do que tem acontecido nos últimos anos, que pudesse abrir uma perspectiva melhor que os resultados do PIB brasileiro de cerca de 1,5% tanto em 2001 como em 2002 e do 1,0% em torno do qual deverá ficar no ano em curso? O caminho escolhido pela equipe econômica do novo governo foi a continuidade e reforço da austeridade fiscal a fim de superar o desequilíbrio fiscal.
Perseguindo as metas fiscais (seus membros não cansam de repetir) (3) se conseguiria a estabilização da relação dívida/PIB e estariam dadas as condições para o crescimento. Acontece que mesmo com os altíssimos superávits primários esta relação volta a crescer para um patamar pouco menor que 60%, sobretudo porque o PIB, o denominador da fração, está estagnado mas também porque o numerador, a dívida pública, tem crescido.

A melhoria de tal relação que preparasse um ciclo de recuperação só pode se dar com a estabilização ou diminuição da dívida ao mesmo tempo em que crescesse o produto.
O crescimento – insiste-se –, fundamenta-se no volume dos investimentos. E eles têm decrescido, travados pelo modelo intrinsecamente recessivo, monopolizado pelos interesses do capital financeiro.
Segundo o IPEA, esta é a tendência dos últimos anos medindo-se os investimentos pela taxa de formação bruta de capital fixo que se situou em 18,5% em 2002 e poderá ficar em 17,6% em 2003. Tem de fato havido alguma queda da taxa de juros básica — considerada tímida por muitos segmentos do setor produtivo –, mas o Brasil continua a ostentar o recorde do spread bancário no mundo, 49,2% de diferença entre os juros pagos pelos bancos na captação de recursos e as taxas de empréstimos, segundo estudo do Banco Mundial recentemente divulgado. (4) Neste quadro, em que pesem os esforços do BNDES, as aprovações de projetos industriais aprovados na carteira desse Banco somaram até setembro corrente R$ 5,3 bilhões contra R$ 11,7 bilhões no mesmo período do ano passado. Se a estes números se somam os dos setores agropecuário, infra-estrutura, comércio/serviços e educação e saúde, foram aprovados na carteira do Banco projetos no montante de R$ 19,593 bilhões contra R$ 29,189 bilhões comparados os mesmos períodos. Nas duas últimas décadas o custo relativo do investimento foi 28% maior que em 1980 e 41% mais alto do que no período de 1964-1980. (5) Mais recentemente, a insistência da diretoria do BNDES – que junto com outros setores do governo tem procurado elaborar e implementar uma política de desenvolvimento consistente – para capitalizar o Banco a fim de atuar mais fortemente no fomento ao desenvolvimento em 2004, tem esbarrado na blindagem que constitui hoje a Secretaria do Tesouro vinculada ao Ministério da Fazenda a qualquer projeto que tenha um viés de crescimento.

Mas haveria de se perguntar por um outro viés: qual a possibilidade de uma retomada efetiva pela via do consumo quando se divulgam números tais como 13% de desemprego aberto e uma queda de 14,6% no rendimento médio real habitualmente recebido pelas pessoas ocupadas em setembro último comparado com setembro de 2002, nas seis maiores regiões metropolitanas do país? Quando na Grande São Paulo há dois milhões de pessoas desempregadas? A atual disponibilidade maior de crédito poderá se limitar a um surto de compras de final de ano, porque não está acompanhada de algo maior que provoque a criação de empregos sólidos e a valorização do trabalho. Os lucros recordes, de janeiro a setembro do Banco Itaú, R$ 2,29 bilhões e do Bradesco R$ 1,6 bilhão, para não falar dos outros bancos, aparecem como contraponto chocante à situação social e à expansão do capital produtivo.

Talvez estejamos a assistir o início de mais uma precária fase expansiva dentro da lógica do stop and go (pequenos crescimentos e estagnação) própria da política macroeconômica em vigor. A nossa maior preocupação vem do fato de que um exame mais apurado da realidade mostra que grandes desequilíbrios macroeconômicos – dívidas e déficits – permanecem e continuam a trazer efeitos nocivos ao objetivo do desenvolvimento. Ao longo dos últimos anos o financiamento da economia dava-se pela alternância das vias de superávit comercial desligado do crescimento ou endividamento externo e interno. A novidade do momento é que se combinam simultânea e perigosamente os dois caminhos.

De janeiro a setembro deste ano, as despesas do setor público com juros atingiram R$ 113,9 bilhões – 10,14% do PIB. Por isso, mesmo com o superávit primário tendo atingido R$ 57,1 bilhões de janeiro a setembro, superando a meta acordada com o FMI, acumulou-se neste período um déficit real de R$ 56,8 bilhões, 5,06% do PIB. E, ao contrário do que se tem procurado induzir, as contas externas em 2004 são altamente preocupantes porque há pesados compromissos relativos a parcelas da dívida externa a amortizar – 30,1% da dívida externa privada de US$ 67,6 bilhões, assim como 12,8% da dívida pública de médio e longo prazo de US$ 130,004 bilhões vencem ano que vem – além do pagamento de juros, remessas de lucros e dividendos, advindos de um passivo externo situado em cerca de US$ 450 bilhões.

Segundo o Banco Central, as fontes totais de recursos externos para 2004 deverão suprir necessidades de US$ 46,9 bilhões contra US$ 28,4 bilhões em 2003, ou seja, uma significativa ampliação da necessidade de financiamento da economia. Como os fluxos de capital têm diminuído (este ano os investimentos estrangeiros diretos dificilmente atingirão os US$ 10 bilhões) e as reservas internacionais brasileiras em termos líquidos no final de setembro eram de apenas US$ 16,16 bilhões não há outra solução – dentro do modelo – que não seja contrair mais dívidas. Neste contexto é que se coloca a necessidade da renovação do acordo com o FMI “por precaução” diante dos “humores imprevisíveis” do mercado financeiro internacional.

O problema maior que o governo enfrenta é a busca da superação da ambigüidade entre ter de um lado uma política externa nova e progressista somada aos esforços de vários setores por uma política efetiva de desenvolvimento baseada nos investimentos em infra-estrutura e, por outro lado, executar uma política macroeconômica ortodoxa, conservadora, que não é capaz de compatibilisar a estabilidade com o crescimento. No Brasil o desenvolvimento a taxas bem mais altas se mostrou historicamente possível; hoje, ele é extremamente necessário após duas décadas de estagnação. O novo acordo com o Fundo Monetário Internacional é mais um complicador desta equação porque propõe manter o centro da política econômica no ajuste fiscal e não no crescimento.

A qualquer aceno de mudança de rumo da política macroeconômica atual aparece logo o “mercado” a ameaçar com o fantasma de uma nova crise. É que os grandes credores do capital financeiro adquiriram com o neoliberalismo o poder de pressionar exatamente neste sentido. Podem promover a fuga de capitais, negar-se a rolar os títulos públicos internos ou externos, podem deixar de investir, subir a avaliação de risco do país ou ainda promover movimentos especulativos na Bolsa de Valores e no câmbio.

Essa atividade eminentemente política para a manutenção do status quo que só a eles beneficia, é respaldada pela maioria da grande imprensa, pela oposição e mesmo por gente que ocupa cargos-chave dentro do próprio governo.
Neste momento, em que não há um caminho propriamente consolidado, é importante insistir na mudança de orientação da política macroeconômica. Para tanto, em primeiro lugar seria preciso recuperar o papel insubstituível que o Estado brasileiro deve ter como protagonista do desenvolvimento nacional, traçando autonomamente a política macroeconômica, promovendo e destravando o investimento público e privado.

Mas seria igualmente necessário examinar uma série de outras orientações como a possibilidade de um controle seletivo na conta de capitais de forma a impedir movimentos especulativos, a diminuição significativa das taxas reais de juros de forma a possibilitar a reprodução do capital produtivo ou ainda a busca efetiva da diminuição e melhoria dos perfis das dívidas externa e interna.

Caso contrário, é possível que na próxima crise externa, no primeiro gargalo que surgir (de transportes ou energia?), ou na primeira ameaça de inflação um pouco maior, os juros voltem a subir ainda mais e que a meta de superávit primário seja ampliada. (6)

Por isso é preciso que se continue a formar a convicção e a ampliar o apoio político para que o Estado nacional, dirigido pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, possa jogar o papel que lhe cabe na promoção do desenvolvimento soberano, democrático, voltado para a geração de empregos e valorização do trabalho – aspiração maior do povo brasileiro.

Renato Rabelo é Presidente Nacional do Partido Comunista do Brasil, PCdoB.

Notas
(1) O enorme e moderno poderio militar norte-americano tem se mostrado eficaz nos momentos de agressão através de sua aeronáutica e marinha, mas enfrenta grandes dificuldades em terra para garantir a ocupação de espaços que os Estados Unidos julgam estratégicos.
(2) Ver o pronunciamento de Henrique Meirelles no Congresso Nacional em 29 de outubro de 2003.
(3) O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, por exemplo, tem dito que o ajuste fiscal é o motor da retomada.
(4) Relatório “Fazendo negócios em 2004: entendendo a regulação”.
(5) Dados do economista Armando Castelar do IPEA, Gazeta Mercantil, 28/10/03.
(6) Ver o artigo de João Sayad, intitulado “Brigitte Bardot”, na Folha de S. Paulo, de 10/11/03

EDIÇÃO 71, NOV/DEZ/JAN, 2003-2004, PÁGINAS 6, 7, 8, 9, 10, 11