De uma forma geral, em relação às preocupações ambientais, teme-se que os transgênicos possam contaminar geneticamente os centros de origem e/ou de diversidade de espécies vegetais e animais; a produção convencional; a produção orgânica; e as espécies silvestres a eles relacionadas. Teme-se que plantas nativas e invasoras venham a adquirir tolerância a insetos ou a herbicidas, tornando-se “superpragas”. (1)

Teoricamente, cada característica específica de um organismo está diretamente codificada em um ou vários genes específicos. A transferência desse gene ou desses genes para outro organismo seria obrigatoriamente a transferência dessa característica. Como sou leiga em biotecnologia e biologia molecular, conheço muito pouco as possíveis interações genéticas; o que me traz alguma insegurança.
(2)

Em relação ao consumo, se for efetivamente prejudicial à saúde, um determinado gene introduzido em milho, por exemplo, significará potencial risco à saúde de todos aqueles que consumirem o milho in natura; seus derivados (por exemplo óleo e farinha); e o frango e o suíno alimentados com esse milho. Os consumidores não têm como se prevenir, pois é impossível distinguir os produtos que contêm transgênicos dos demais, se não houver a rotulagem. Há ainda a preocupação de o Brasil perder a sua condição especial de único grande país exportador capaz de oferecer produtos não transgênicos. (3)

Essas preocupações são legítimas e devem estar presentes na definição da política de biossegurança; todavia, de uma forma geral, estão sendo compreendidas e difundidas de forma confusa nos diversos debates sobre transgenia. Muitas vezes, quando são feitas considerações sobre os transgênicos pensa-se na Soja RR, e vice-versa. Há quem argumente contrariamente à liberação dessa safra de soja, fazendo referência ao milho Bt e sua possível contaminação genética no México, ou ao temor em comer uma hortaliça com gene de um mamífero. Dessa forma, também há divulgação equivocada de que, com a MP 131 (4), o Governo Lula tenha liberado todo e qualquer transgênico no Brasil.

O debate sobre o tema também vem sendo abordado de forma maniqueísta. Do bem contra o mal. Muitas vezes, quem passa a ter uma postura mais científica e menos apaixonada em relação aos transgênicos corre o risco de ser “jogado na fogueira” do patrulhamento ideológico.
“Nós defendemos que o debate seja despolarizado para que se possa produzir um posicionamento e uma legislação racionais sobre o assunto. A racionalidade, neste caso, implica que se bloqueiem os perigos inerentes ao uso da biotecnologia e que, ao mesmo tempo, se permita pesquisar e explorar todas potencialidades positivas e benéficas aos seres humanos e ao meio ambiente que ela proporciona.” (5)

O tema da biotecnologia é muito mais amplo do que a transgenia e muito mais amplo que o problema da soja RR, do milho Bt, ou da canola. Não podemos discutir biologia, biotecnologia e transgenia em tese. Cada evento é um evento. Cada variedade é uma variedade. Estamos diante de um assunto que exige ser tratado com muita responsabilidade. A não observância dessa regra básica estimula o preconceito, quando o que precisamos é estimular um debate sério que nos garanta as precauções e os cuidados necessários. (6)

Dessa forma, a biotecnologia deve ser regulamentada de forma rigorosa. Todos os aspectos de segurança para a saúde e para meio ambiente devem ser considerados, assim como cada benefício humano potencial relativo a cada produto. (7) Antes que ocorra qualquer liberação de qualquer transgênico, é necessário observar os procedimentos de biossegurança e bioética seguido do descarte daqueles indivíduos que, porventura, possam vir a atentar contra a qualidade de vida, saúde dos consumidores ou causar malefícios ao meio ambiente, ou seja, se o impacto potencial de uma planta transgênica não for neutro, ou inócuo, é preferível continuar com a planta melhorada convencionalmente.

Deve-se efetuar a análise e a avaliação de riscos nos estágios iniciais de desenvolvimento das plantas transgênicas, bem como colocar em prática um consistente sistema de monitoramento para avaliar os riscos nos subseqüentes testes de campo e liberação das plantas transgênicas, tendo em vista a saúde alimentar e a segurança ambiental. Como exemplo, temos o caso do feijão que vinha sendo obtido pela Embrapa com a inserção de um gene que codifica uma proteína da castanha-do-brasil, mas que foi descartado, em face da suposição de poder causar alergia àquelas pessoas que viessem a consumir o feijão transgênico e que também apresentam reações alérgicas quando comem a castanha-do-brasil. (8) Nesse caso, não se negou o avanço da ciência e tampouco se questionou a validade da engenharia genética e de sua aplicação em diversas áreas, apenas evitou-se o uso de um determinado transgênico.

O direito do consumidor em optar pelo consumo de alimentos não transgênicos, ou transgênicos, e a credibilidade dos agricultores devem ser garantidos; portanto, devem constar, nas embalagens dos produtos alimentícios, informações claras e precisas sobre a origem dos alimentos. Parece-me importante também constar, nessas embalagens, a lista de agrotóxicos (herbicidas, inseticidas, fungicidas, bactericidas, nematicidas etc), de remédios (principalmente os antibióticos) e de hormônios utilizados na produção animal e vegetal e de aditivos (corantes, acidulantes, conservantes, expessantes, aromatizantes etc) utilizados na industrialização dos alimentos. Tais informações devem ser apresentadas de forma clara e em linguagem popular para que qualquer consumidor possa compreender seu significado.

Sobre a preocupação de o Brasil “perder a sua condição especial de único grande país exportador capaz de oferecer produtos não transgênicos”, temos o exemplo da soja RR (9). Até pouco tempo, havia a divulgação equivocada de que nenhum país compra soja transgênica do Brasil e se paga mais pela soja convencional. Todavia, estudamos documentos oficiais e constatamos que os países importadores não pagam mais pela soja convencional (10); há apenas exigência de que a soja seja rotulada. No primeiro semestre deste ano, a República Popular da China exigiu do Brasil o certificado da procedência do produto e o certificado de aprovação governamental de saúde e meio ambiente. Em resposta, o Governo brasileiro reconheceu expressamente a existência de soja geneticamente modificada nas plantações em território brasileiro e certificou o produto quanto à segurança alimentar e ambiental, de sorte a salvaguardar os interesses dos produtores nacionais. Para apresentar seu certificado à China, o governo brasileiro baseou-se no parecer da CTNBio.(11), que concluiu que a introdução do gene não altera a composição química da soja, com exceção da acumulação de uma proteína, absolutamente segura quanto aos aspectos de toxicidade e alergenicidade, tendo sido comprovado que, após a utilização da soja geneticamente modificada e de seus derivados na América do Sul, Central e do Norte, na Europa e na Ásia, não foi constado um só caso de desenvolvimento de reações alérgicas em humanos que não fossem previamente alérgicos à soja convencional, os quais não deverão fazer uso desse produto. (12)

Obviamente, se no futuro um outro produto transgênico não for consumido pelos países importadores, o Governo deverá comunicar tal informação ao setor primário. E, assim, os agricultores brasileiros não optarão pela produção desse produto transgênico, e manterão a produção a partir de semente convencional.

Em relação à questão de soberania tecnológica, tema central deste documento, teme-se que a produção e o consumo de alimentos e de remédios estejam, cada vez mais, na dependência de um reduzido número de grandes conglomerados econômicos dos países desenvolvidos (13), nos

Transgênicos: Inovação ou Dominação Tecnológica?

Assim que as descobertas na área de biologia foram se sucedendo, a partir de 1953, com a proposta de estrutura do DNA, houve uma evolução rápida da moderna biotecnologia e rapidamente as descobertas foram sendo transformadas em produtos patenteáveis pelas empresas detentoras dos produtos. Surge, assim, um mercado em pleno crescimento, acarretando em fusões, entre companhias das áreas das indústrias químicas, farmacêuticas e agronegócios, que gerou o aparecimento de uma nova área chamada de indústria da ciência da vida.

Apesar das fusões, entre empresas de sementes, de defensivos agrícolas e da indústria farmacêutica, terem-se iniciado no final da década de 1970, e perdurado na década seguinte, foi na década de 1990, com os avanços da biotecnologia que possibilitaram os organismos transgênicos, que as fusões entre as empresas tornaram-se um grande negócio. Por três motivos principais: as empresas farmacêuticas procuravam um novo espaço para diversificar seus negócios; as empresas baseadas no comércio de commodities também procuraram diversificar suas atividades e usavam a indústria de sementes como fonte de informação para sua atividade principal; e as empresas agroquímicas vislumbraram na biotecnologia, possibilidades de investimento e crescimento. Sendo assim, surgiram as primeiras grandes empresas como a Cargill, a Ciba-Geigy, a ICI, a Dekalb, a Rhône Poulenc, a Sandoz e a Upjohn.

O processo de compra das empresas menores pelas maiores é uma dinâmica que ocorre em âmbito mundial. Pode-se citar, como exemplo, a empresa Monsanto, que adquiriu 34 empresas; a Aventis, 18; a DowAgro Science, 13; a Syngenta, formada pela união com a Novartis, que adquiriu 18 empresas; e a AstraZeneca, formada pela junção de mais 13 empresas (Revista Comciência, 2002).

No Brasil, a Embrapa ainda é a maior detentora do mercado de sementes, entretanto, esse quadro deverá sofrer alterações devido à atual legislação pela Lei de Patentes. No Brasil, apesar de a Embrapa, em 1997, ainda deter 70% do mercado brasileiro de sementes melhorista de soja, e 65% em 1999, contra os 12% da Monsoy em 1997 e 18% em 1999, e 2% com a entrada da Pioneer (controlada pela DuPont, que por sua vez comprou, entre 1998 e 1999, a Pioneer). Percebe-se, então, uma diminuição da parcela do mercado controlada por parte da Embrapa em detrimento do aumento das parcelas do mercado controladas pelas transnacionais. (15)

Trecho da Tese “Transgênicos: Inovação ou Dominação Tecnológica? Um debate em construção”. Gomes, 2002. deixando subordinados aos interesses dessas empresas, já que as empresas governamentais de pesquisa agropecuária podem não ter capacidade de desenvolver transgênicos. Há também o temor de que essas empresas transnacionais adotem o gene terminator (14), que se por um lado evita que um transgênico se reproduza livremente na natureza; por outro, evita que o agricultor possa armazenar a semente para a plantar na safra seguinte, tornando-o dependente dessas empresas internacionais.

Não há duvidas de que essa matéria envolve interesses econômicos de grandes corporações, no geral, transnacionais. Tanto as que avançaram recentemente na área de biotecnologia, como aquelas que dominam o mercado dos agrotóxicos sabem que o Brasil é um mercado importante e que tende a crescer cada vez mais. Por isso, temos que fazer um debate claro para produzir uma política soberana de inserção do Brasil no processo da biotecnologia, tendo claro que todas essas grandes corporações objetivam o lucro, na venda de seus produtos sejam eles venenos ou genes introduzidos em plantas. Nós não podemos aceitar que nossos interesses, enquanto nação – nossa soberania tecnológica e alimentar –, sejam manipulados tanto por empresas ou por instituições que buscam falar em nome do interesse do Brasil, quando, na realidade, constituem-se em representantes desses monopólios e que pretendem nos manter nessa situação de dependência. (16)

Os transgênicos são muito valorizados como aqueles que colaborarão para a diminuição da fome no país. O “pacote tecnológico da revolução verde” (17) também foi amplamente propagandeado por meio do questionável discurso de que é o único capaz de alimentar a crescente população mundial. Todavia, a fome não teve fim e esse pacote colaborou para a exclusão social no campo e, por conseqüência, para o êxodo rural.

O “pacote tecnológico da revolução verde” é tido como de aplicação universal, destinado a maximizar o rendimento dos cultivos em situações ecológicas profundamente distintas, tendo como objetivo elevar ao máximo a capacidade potencial dos cultivos, proporcionado-lhes as condições ditas ideais, eliminando com agrotóxicos os competidores e predadores naturais e fornecendo os nutrientes necessários, sob a forma de fertilizantes sintéticos. A lógica é o controle das condições naturais através da simplificação e da máxima artificialização do meio ambiente. O fato mais perverso, contudo, é que as sementes comerciais somente atingem alta produtividade quando todos os elementos desse “pacote” são introduzidos simultaneamente.

Como as condições dos centros de experimentação são mais parecidas com as condições dos grandes produtores capitalizados, provavelmente, se ali forem melhoradas variedades terão alta produtividade nas propriedades dos produtores capitalizados que podem utilizar todo o “pacote tecnológico da revolução verde”, ou seja, as sementes somente atingirão alta produtividade quando todos os elementos desse “pacote” são introduzidos simultaneamente. Dessa forma, os agricultores descapitalizados que não podem pagar pelo “pacote” e/ou optaram por um manejo agroecológico (18), ao disporem dessas variedades, não terão o mesmo sucesso que os produtores capitalizados que utilizam o famoso “pacote da revolução verde”, porque esse tipo de pesquisa não leva em consideração as características da agricultura familiar brasileira e os princípios da agroecologia (19).

Tipificação dos contrastes quanto às condições físicas, econômicas e sociais na pesquisa(20)
Há experiências isoladas que seguem caminho oposto ao descrito anteriormente, desenvolvendo sementes adaptadas à realidade da pequena produção brasileira e ao manejo agroecológico. Dois exemplos significativos são o projeto de sementes agroecológicas do MST e o desenvolvimento da variedade de Milho Sol da Manha.

A dependência de sementes de grandes empresas e a necessidade de se produzir
agroecologicamente fizeram o MST criar um projeto de resgate e melhoramento genético de várias sementes de hortaliças e cereais de inverno para produção agroecológica. Esse projeto visa tornar a produção nos assentamentos de reforma agrária independente das grandes empresas de sementes a partir de sementes próprias agroecológicas. A Variedade de Milho Sol da Manhã foi melhorada, no Assentamento Sol da Manhã (Seropédica-RJ), de forma participativa e adaptada geneticamente às condições edafoclimáticas, tecnológicas e sócio-econômicas dos assentamentos da Baixada Fluminense no Estado do Rio de Janeiro, não exigindo por isso grandes quantidades de insumos (21).
Retomando a questão dos transgênicos, observamos que “parte da polêmica talvez tenha como base o fato de que a primeira geração de plantas transgênicas tenha sido promovida por interesses das grandes empresas privadas e de forma extremamente competitiva utilizada por empresas para não perderem suas vendas.” (22)

Além disso, o caso da soja RR nos fez crer que essas empresas “além de lucrarem com a venda do novo material genético, terão a venda de seus próprios venenos favorecida, principalmente quando as sementes transgênicas são desenvolvidas com o objetivo de estarem vinculadas à utilização de herbicidas ou outros agroquímicos, para os quais foi desenvolvida a tolerância das plantas”. (23)
Embora, no Brasil, para o leigo, o alimento transgênico tenha seu nome ligado a empresas multinacionais grande parte dele em experimentação resulta de pesquisas nacionais, da Embrapa, da Coopersucar, da Universidade Federal de Viçosa, da Universidade Federal de Pelotas e da Unicamp. (24) A Embrapa, por exemplo, tem avançado na geração de plantas transgênicas, seguindo os métodos, mas modernos e próprios, com a vantagem do uso de germoplasma do seu acervo, adaptado às condições ecológicas do País (25). São exemplos:

l feijão com resistência ao vírus do mosaico dourado, que é um dos maiores inimigos da cultura do feijão na América do Sul, causando grandes perdas no Brasil e ao caruncho, praga que ocorre no armazenamento e prejudica principalmente o pequeno produtor;
l batata com resistência ao vírus cuja ação reduz o porte da planta e das folhas;
l mamão com resistência ao vírus da mancha anelar. No Brasil, o vírus da mancha anelar vem comprometendo seriamente a produção de mamão no Sul da Bahia e no Espírito Santo;
l alface com resistência aos fungos que causam a podridão das folhas; e
l algodão com resistência a herbicidas; insetos (gene Bt) e doenças fúngicas e bacterianas. A Embrapa já possui genes isolados para resistência ao bicudo do algodoeiro e a lagarta que ataca a cultura do algodão.

Especialmente sobre a soja, além das variedades transgênicas com resistência ao glifosato, a Embrapa vem desenvolvendo outras pesquisas. São elas:
“1) Hormônio do crescimento: tem aplicação para a saúde humana. O objetivo é expressar o hormônio do crescimento na soja. Esse produto é muito caro e, portanto, pouco acessível à população. Também há pesquisas visando à introdução de um gene que codifica um anticorpo anticâncer;
2) Soja sem fitato: o objetivo é a retirada de um fator antinutricional denominado fitato, que também é encontrado no feijão. O fitato é um composto orgânico que, entre outros fatores, imobiliza o fósforo, fazendo com que não seja aproveitado na alimentação. 3) Proteínas antimicrobianas: estão sendo desenvolvidas pesquisas com proteínas antimicrobianas para desenvolver plantas de soja resistentes a cerca de seis doenças causadas por fungos e bactérias que atacam essa cultura.
4) Tolerância à seca: a partir de um gene isolado na Universidade de Viçosa, estão sendo iniciadas pesquisas para desenvolvimento de plantas de soja tolerantes à seca. Este gene também poderá ser introduzido em outras culturas de interesse econômico.”

Apesar de termos alguns importantes exemplos de pesquisas desenvolvidas pela maior empresa pública de pesquisa agropecuária, ainda temos problemas relativos à falta de agilidade no licenciamento ambiental para o desenvolvimento de transgênicos. Um exemplo disso é o mamão transgênico:

A pesquisa sobre mamão transgênico foi a primeira licenciada em campo no país. O estudo foi proposto pela Embrapa com sementes modificadas do mamão, em Cruz das Almas, na Bahia. A intenção é que a planta se torne resistente ao vírus da mancha anelar, transmitida pelo pulgão, inseto comum na agricultura. O licenciamento demorou muitos meses. Somente no Governo Lula, o experimento passou para uma segunda fase, quando as plantas foram transferidas da casa de vegetação para o campo. Como demorou muito tempo, por pouco se perde as plantas e todos os anos acumulados de experimentação. Na fila desse licenciamento estão o feijão com resistência ao mosaico dourado e a batata com resistência a dois tipos de vírus que inviabilizam sua produção.

Em termos mundiais, estamos vivendo o que os cientistas chamam de “primeira geração” do processo inovador da biotecnologia vegetal (26). Estão sendo introduzidas, principalmente, plantas resistentes aos herbicidas e com características que impedem o ataque de insetos. Em breve, teremos plantas com resistência a fungos, bactérias e vírus e estresses abióticos como à seca (como exemplo, temos os genes envolvidos no metabolismo do açúcar Trehalose, DREB genes “Dehydration Responsive Elements Binding proteins” – que está sendo desenvolvido na Embrapa Soja em parceria com o Jircas “Japan International Research Center for Agricultural Sciences”) e alagamentos. Essas características são importantes agronomicamente, podendo favorecer o manejo das lavouras e, em algumas situações, reduzir os custos de produção. Na “segunda geração”, que já começa a apresentar ao mercado seus primeiros produtos, tem-se a incorporação de características que adicionam qualidades físico-químicas que aumentam o valor agregado do produto final. São os transgênicos que apresentam maior valor nutricional na soja, baixo teor de ácidos graxos saturados no girassol, alterações nos teores de glúten e amido no trigo, alimentos com características que reduzem, por exemplo, alergenicidade que certas substâncias causam em alguns grupos de pessoas. A “terceira geração” ocorrerá por meio da introdução de plantas que desempenharão o papel de vacinas, alimentando e, ao mesmo tempo, combatendo doenças; ou atuarão como biofábricas com a aplicação na indústria de medicamentos, rações e hormônios, por exemplo. (27)

Cuba avançou incrivelmente em menos de dez anos, e investiu, entre os anos de 1990 e 1996, U$ 50 milhões/ano, e a partir de 1998, U$ 60 milhões/ano. Nesse país socialista, estão sendo desenvolvidos – ainda em fase de laboratório – vários transgênicos para uso agrícola, como arroz, banana, café, citrus, tomate e milho com resistência com diversas resistências (a insetos, fungos e herbicidas). Em fase de campo, batata, cana-de-açucar, mamão e batata doce. (28)

Diante dessas considerações, apresento duas suposições: Se alguma empresa brasileira governamental de pesquisa agropecuária desenvolver, de forma independente do capital internacional e sendo possuidora da patente, por exemplo, um feijão transgênico, importante produto da cesta básica brasileira, com resistência à seca, biosseguro do ponto de vista da saúde e do meio ambiente, cuja fase do melhoramento vegetal convencional tenha ocorrido de forma participativa em condições sócio-econômicas e físicas de pequenos produtores pouco capitalizados e sob manejo agroecológico. Ou se produzir, por exemplo, um produto com resistência a um determinado inseto que ataca essa planta, e assim o agricultor poderá deixar de comprar a semente convencional e o inseticida e passar a comprar a semente transgênica com o gene inserido que expressa resistência ao inseto (no primeiro caso, o agricultor paga pelos royalties embutidos no preço do inseticida; no segundo caso paga os royalties embutidos no preço da semente). Seremos contrários ou favoráveis? Será que somente poderemos nos posicionar favoráveis ou contrários aos transgênicos? Não poderemos ter um posicionamento ponderado, baseado no discernimento?

Conclusão

Os transgênicos devem ser analisados caso a caso, sob os aspectos relacionados com o meio ambiente, com o consumo e com o comércio internacional. Não são a panacéia que salvará o mundo da fome ou resolverá o problema de todos agricultores; todavia, há possibilidade de alguns transgênicos serem capazes de diminuir ou até dispensar agrotóxicos e aumentar renda aos agricultores, podendo-se aumentar a produção de alimentos sem necessariamente expandir a fronteira agrícola.

De maneira geral, o melhoramento vegetal no Brasil segue um padrão em que os resultados são mais apropriados para os produtores capitalizados. Portanto, também tem sua parcela de culpa na exclusão social no campo e em última instância no êxodo rural. O agricultor incapaz de acompanhar a inovação tecnológica tem grande dificuldade de manter sua produtividade e de se sustentar na terra. Mesmo com o incremento do desenvolvimento tecnológico dos transgênicos, a atividade tradicional de melhoramento será mantida, por ser uma necessidade no que diz respeito à adaptação de espécies vegetais às diversas condições edafoclimáticas (clima e solo) brasileiras. Nesse sentido, deve-se incentivar programas públicos de melhoramento convencional, a partir de metodologia participativa com agricultores familiares e assentados, visando desenvolver cultivares adaptadas aos sistemas de produção agroecológicas e da pequena produção, associado ao novo sistema nacional de assistência técnica. (29)

O mundo está desenvolvendo inúmeros transgênicos e o Brasil não pode ficar para trás nesse processo, pois corremos o risco de os outros países patentearem seus transgênicos e os nossos agricultores terem que, eternamente, pagar royalties para empresas sediadas nesses países. Parece-me que nossas empresas públicas de pesquisa têm capacidade de produzir transgênicos importantes para nossa pequena produção e nosso agronegócio; portanto, a alegação de que a entrada de um produto transgênico levará ao monopólio e à dependência de uma única empresa no mercado é discutível. Manter o país sem pesquisar em biotecnologia e, mais especificamente, sem desenvolver seus próprios transgênicos, é suicídio e acaba servindo aos interesses de empresas transnacionais. (30) O exemplo de Cuba demonstra a importância da inclusão soberana neste processo.

Para não deixarmos o país atrasado tecnologicamente e para garantir nossa soberania tecnológica agropecuária, é necessário que os centros públicos de pesquisa agropecuária do país possam desenvolver e patentear seus transgênicos o mais rápido possível. Para tanto é preciso incrementar o orçamento desses centros e garantir que a pesquisa agropecuária seja independente de recursos de grandes empresas agropecuárias, ágil e voltada para a soberania e interesse nacional e a preservação do meio ambiente. Deve-se, também, incrementar o investimento público em pesquisa de biossegurança, de forma a ampliar a capacidade nacional de avaliação de risco.

Sobre o debate relacionado com transgenia, se for realizado com clareza e livre de preconceitos, nos levará a uma nova forma de reflexão a partir de uma abordagem não dicotomizada entre ambientalismo e desenvolvimentismo, mas baseada nas premissas do desenvolvimento rural sustentável e das soberanias tecnológica e alimentar.

Maria Thereza Pedroso é Engenheira Agrônoma, com especialização em agroecologia e mestrado em desenvolvimento sustentável.

Notas
(1) J. C. Araújo. “Produtos Transgênicos na agricultura”, em Cadernos de Ciência & Tecnologia, v.18, nº 1, jan/abr 2001.
(2) Há garantia de que essa precisão ocorrerá? Há garantia de que ao transferir um determinado gene, objetivando uma determinada característica interessante, em termos agronômicos, não estaremos, porventura, transferindo outra característica que seja prejudicial ao meio ambiente, ou à saúde humana e animal? Há garantia de que, quando uma determinada condição ambiental ocorrer, nas gerações futuras de um determinado transgênico, não provocará o desenvolvimento de uma nova característica que ainda não havia sido desenvolvida nas primeiras gerações? Um alimento transgênico com genes que dão resistência a antibióticos pode provocar transferência desta característica para bactérias que provocam doenças? Podem ocorrer alergias alimentares em decorrência da introdução de genes estranhos nos alimentos? Substâncias tóxicas existentes em quantidades inofensivas nos alimentos não terão sua ação potencializada? Outras substâncias benéficas, inclusive que podem prevenir contra o câncer, não diminuirão nos alimentos? Não ocorrerão alterações no metabolismo humano, com geração de novos compostos, ou modificações nos níveis de concentração dos já existentes? Não surgirão novos vírus, por recombinação de vírus “engenheirados” com outros existentes?
(3) C.Araújo. “Produtos Transgênicos na agricultura”, em Cadernos de Ciência & Tecnologia, v.18, nº 1, jan/abr 2001.
(4) A MP 131 “estabelece normas para o plantio e comercialização da produção de soja da safra de 2004”.
(5) Trecho do Artigo “Biotecnologia e transgênicos”, por José Genoíno, em 16/10/2003.
(6) Trechos do pronunciamento do deputado Paulo Pimenta (PT/RS).
(7) Segundo voto da desembargadora Selene Maria de Almeida, 2003.
(8) Embrapa. “Textos para Discussão 19 – Possibilidades de Uso de Genótipos Modificados e Seus Benefícios”, Brasília-DF, 2003.
(9) Ver texto Soja Transgênica: impressões a partir de depoimentos de agricultores do Rio Grande do Sul – Maria Thereza – (Novembro/2003) em http://www.pt.org.br/assessor/agrario.htm
(10) Informação destacada da Nota Técnica Nº 088/ 2003, de 24 de outubro de 2003, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: “A evolução recente da produção e comércio internacional do complexo soja e a questão da transgenia: alguns fatos, evidências e mitos”. Autor: Sávio Rafael Pereira.
(11) Comunicado n. 54, da CTNBio, publicado no Diário Oficial da União n. 188, de 01.10.98, Seção 3, página 56, descrito no voto da Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida sobre a soja transgênica.
(12) Trecho do relatório do deputado Paulo Pimenta sobre a MP 131.
(13) Por Pat Roy Mooney, em entrevista para a Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Revista trimestral publicada pela Emater do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, V.3, n° 1, janeiro/março de 2002.
(14) As variedades transgênicas com o gene terminator produz sementes estéreis, impedindo que os agricultores produzam sementes próprias a partir das compradas.
(15) Trecho da Tese “Transgênicos: Inovação ou Dominação Tecnológica? Um debate em construção”, 2002, UnB/CDS, de Ilge Iglesias Gomes.
(16) Deputado Paulo Pimenta, em debate durante Audiências Públicas.
(17) Grandes campos de monocultura, adubo químico industrial, agrotóxicos, raças e variedades vegetais superselecionadas, hormônios sintéticos, rações artificiais, sofisticados sistemas de irrigação e uso intensivo de energia.
(18) Ver texto Agroecologia em http://www.pt.org.br/assessor/agrario.htm
(19) Ver tabela.
(20) Chambers & Ghidyal, 1993 em ABBOUD,1995, modificado por Maria Thereza Pedroso, em “Agricultura Familiar Sustentável: Conceitos, Experiências e Lições”, UnB/CDS, 2000.
(21) Esse trabalho foi desenvolvido pelo pesquisador da Embrapa Altair Toledo de Machado e algumas ONG’s do Rio de Janeiro.
(22) Segundo Alexandre Nepomuceno (2003), pesquisador da Embrapa Soja,
(23) J.C.Araújo. “Produtos Transgênicos na agricultura”, em Cadernos de Ciência & Tecnologia, v.18, n 1, jan/abr 2001.
(24) Segundo voto da desembargadora Selene Maria de Almeida.
(25) Embrapa. “Textos para Discussão 19 – Possibilidades de Uso de Genótipos Modificados e Seus Benefícios”, Brasília-DF, 2003 e Embrapa – informações solicitadas por essa assessoria.
(26) Segundo a Desembargadora Selene Maria de Almeida, pelo menos 13 países – Estados Unidos, Argentina, Canadá, China, África do Sul, Austrália, México, Bulgária, Uruguai, Romênia, Espanha, Indonésia e Alemanha – já utilizam largamente a biotecnologia aplicada à agricultura. No ano passado, foram 52,6 milhões de hectares cultivados em todo o mundo com esse tipo de plantas.
(27) Segundo Alexandre Nepomuceno (2003), pesquisador da Embrapa Soja.
(28) Documento apresentado em palestra da Embrapa, em Brasília, 2003.
(29) Ver texto Uma breve refelexão sobre o papel da Assistência Técnica e Extensão Rural (After) na construção de um modelo de desenvolvimento rural sustentável Maria Thereza – (Julho/2003) em http://www.pt.org.br/assessor/agrario.htm
(30) Segundo voto da desembargadora Selene Maria de Almeida.

EDIÇÃO 71, NOV/DEZ/JAN, 2003-2004, PÁGINAS 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35