Aristeu comia feijão com farinha e jabá, na porta de sua casa, sentado no batente, olhando uma pequena manada passar. Eram umas vacas magras de seu Adolfo, um mascate dos antigamente que resolveu comprar umas terrinhas e um pouco gado.

      Boca cheia, uma filepa de carne nas pontas dos dedos, Aristeu correu as vistas em redor em busca de alguma novidade. Encontrou foi os olhos de um menino, todo remelento, fixos em sua cumbuca.

      O sujeito arreliou-se. Coisa que detestava era estar comendo e gente espiando. Considerava isso uma grande falta de educação. Menino espião era mãe que não punha cobro, não dava educação.

      – Quer o que, menino?

      – Nada, não senhor.

      – Tá olhando o quê?

      – Nada não senhor.

      – Então chispa.

      O menino fez que foi, mas não foi. Ficou por ali, rodeando. Sentou na calçada em frente. Pôs-se a riscar o chão com um graveto. De vez em quando, sem levantar a cabeça, dava umas espiadelas para os lados de Aristeu, que foi ficando furibundo. Já ia se levantado para dar uns cascudos no atrevido, quando apareceu Genebal, vaqueiro de Saco das Varas, montado num baio mirrado.

      – Boas, seu Aristeu.

      – Boas.

      – Fazendo uma boquinha?

      – Tava. Mas aí me apareceu aquele menino espiando e me deu foi fastio. Se tem coisa que me deixa tinindo de réiva é gente espiando minha comida.

      Genebal olhou o garoto. Cabeça grande, camisa rôta, calção e cara encardidos. Olhar baço.

      – O bichinho tá é com fome, seu Aristeu.

      – Então que vá caçá o de comer!

      Genebal não tinha amizade com Aristeu. Passava por sua porta e o encontrava sempre com aquele ar de riso para tudo, como se debochasse da vida. Bom palrador, gostava de ouvi-lo contar mentiras sobre si e os outros. Distraía. Mas não gostava de soberbia. Caridade para o vaqueiro era obrigação, não assunto pra convento.

      – Pois olhe, seu Aristeu, aquele menino tem fome e o senhor deve de ajudar.

      – Como é?

      – O senhor pegue aí essa sua cuia e ofereça um bocado ao garoto.

      – Me arrespeite, sujeito! Tá pensando que fala com quem?

      – O senhor escolhe: ou dá por bem, ou vou ser obrigado a lhe obrigar.

      Aristeu tremia de cólera. Mas o olhar de Genebal não lhe deixava alternativa. Mesmo que fosse ainda moço, não tinha culhão para peitar um homem daquele. Vai saber quantas mortes já não carregava nas costas.

      Atravessou a rua e se chegou ao menino. Com um semblante rancoroso, estendeu a cuia. O garoto se levantou e recebeu a oferenda. Altivo, olhou duro nos olhos do velho. Lenta e meticulosamente, despejou a comida na sarjeta. Devolveu o caco vazio e se foi.

      O vaqueiro quebrou o canto da boca e esporeou seu cavalo. Tocou a pala do chapéu e também partiu. Aristeu ficou olhando as ancas do animal sumirem na curva e maquinando vendetas impossíveis.

      No dia seguinte, Menininha anunciou:

      – Nhô Aristeu manheceu paralisado de um lado, tia Pequena.

      – E foi?

      – Foi. Parece que foi derrame.

      – Misericórdia…